A decisão do Governo de não publicar o despacho de tolerância de ponto na próxima terça-feira de Carnaval, dá seguimento à sua reiterada intenção de responsabilizar os trabalhadores pela situação do país, constituindo por um lado mais um elemento de diminuição de direitos e remunerações dos trabalhadores e por outro uma medida fortemente contrária às dinâmicas sociais, económicas e culturais de vastas comunidades e regiões. Trata-se de uma decisão que nada tem a ver com o aumento da produtividade, cujos fatores essenciais – crédito, apoio ao investimento, custo da energia e combustíveis - continuam a ser negligenciados pelo Governo, mas simplesmente com o aumento da exploração de quem trabalha.
De facto, depois de anunciar a intenção e eliminar vários feriados nacionais, o que significa impor dias adicionais de trabalho sem a remuneração correspondente, o Governo decide agora eliminar mais um feriado que, não sendo embora formalmente idêntico, é na realidade entendido pelas empresas e pela população como um verdadeiro feriado. A prova é que, sendo o despacho do Governo apenas para a administração central, o feriado sempre foi aplicado quer por outros sectores da administração pública, quer pelo sector privado.
Esta consideração do Carnaval como um efetivo feriado está bem patente nos despachos correspondentes à tolerância de ponto em anos anteriores. A título de exemplo, o Despacho 3779/2011, de 28 de Fevereiro, assinado pelo Primeiro-ministro José Sócrates, afirmava que “Embora a terça-feira de Carnaval não conste da lista de feriados obrigatórios estipulados por lei, existe em Portugal uma tradição consolidada de organização de festas neste período.”. Outro exemplo é o Despacho 3642/2004, de 20 de Fevereiro, assinado pelo Primeiro-ministro Durão Barroso, que, reproduzindo texto semelhante, acrescentava ainda “Torna-se assim adequado providenciar no sentido de permitir a participação das pessoas nesses eventos que têm inclusivamente assinalável expressão económica e social em algumas localidades do nosso país.”. Essa importância é aliás salientada pelo sector do comércio e turismo ao afirmar que a decisão do Governo causará sérios prejuízos no sector.
Após o anúncio do Governo verificaram-se já diversas decisões de organismos públicos no sentido de manter a prática reiterada de muitos anos e decretar a tolerância de ponto na próxima terça-feira de Carnaval. Estão nessa situação inúmeras câmaras municipais, não só as que têm nos seus municípios importantes festejos, mas muitas outras, de onde se destacam as autarquias de Lisboa e do Porto.
Ao mesmo tempo, o feriado vai ser respeitado por vastos sectores da atividade privada, seja por estar consagrado (como consequência natural da sua efetiva consagração social) nos respetivos contratos coletivos e acordos de empresa, seja por decisão concreta em relação ao ano de 2012. Estão nesse caso sectores como a banca e empresas como a TAP, os CTT, a Cimpor, a Secil, a Brisa, a Autoeuropa, a Mota-Engil, entre muitas outras.
A Assembleia da República dispõe de total autonomia em relação à organização dos seus trabalhos, bem como em relação ao corpo permanente de funcionários técnicos e administrativos que a Constituição lhe garante. Não se vislumbram razões que impliquem a necessidade de romper com a prática habitual e reiterada da Assembleia da República em relação à tolerância de ponto na terça-feira de Carnaval. A decisão do Governo não é razão suficiente para que a Assembleia da República tenha de proceder de forma idêntica. A Assembleia da República não é um departamento ou serviço sob tutela governamental, mas um órgão de soberania que deve tomar de forma autónoma as suas decisões sobre a matéria em causa, devendo por isso, em relação ao feriado de terça-feira de Carnaval, ir ao encontro da importância económica, social e cultural que esta data tem na sociedade e junto da população portuguesa.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP vem propor a V.Exa., que determine, no quadro das suas competências próprias, a concessão de tolerância de ponto na próxima terça-feira de Carnaval, dia 21 de Fevereiro.