As recentes declarações do presidente do Banco Central Europeu confirmam a profundidade e a persistência da crise na União Europeia, deitando por terra os discursos de há meses atrás, que afirmavam que o pior já teria passado, que o Euro e a União Económica e Monetária estavam numa situação sólida e que a recuperação já se tinha iniciado.
Perante uma crise cujos efeitos se continuam a sentir de forma particularmente aguda nos países da periferia mas que se expressa também em algumas das principais economias europeias, o início de legislatura no Parlamento Europeu, com a designação de Jean-Claude Juncker para presidente da Comissão Europeia, confirmam a intenção de aprofundamento de um programa político e ideológico visando uma ainda maior concentração de poder económico e político e um retrocesso civilizacional no plano dos direitos, condições de vida e soberania dos Estados – programa este que as aclamadas declarações de Mario Draghi visam essencialmente esconder e matizar.
Neste contexto, e no início de um novo ano parlamentar, o primeiro desta legislatura, os deputados do PCP ao Parlamento Europeu enunciam um conjunto de 10 temas, em que incidirá a sua acção ao longo dos próximos meses.
Temas e prioridades que têm no centro da sua preocupação a defesa dos trabalhadores, do povo português e do interesse nacional e que perseguem o objectivo central de abrir caminho a uma real alternativa que retire Portugal do actual rumo de desastre económico e social.
1. Renegociar a dívida – um desígnio nacional
A dimensão e progressão da dívida e dos encargos que lhe estão associados restringem brutalmente a acção social e a capacidade de investimento público, empobrecem Portugal e comprometem a solvabilidade financeira do Estado. São hoje poucos aqueles que ainda conseguem negar que as dívidas pública e externa são insustentáveis, são impagáveis e a renegociação é uma inevitabilidade,como atempadamente preveniu e propôs o PCP.
É por isso que, também no Parlamento Europeu, elegeremos como prioridade o uso de todos os instrumentos para avançar para uma necessária e urgente renegociação da dívida pública e da dívida externa, dirigida para proteger Portugal da usura dos que com elas lucraram e não para acautelar os seus interesses. Uma decisão assumida como uma iniciativa do Estado português para assegurar um serviço da dívida compatível com o desenvolvimento económico, a promoção do investimento, do emprego, das condições de vida e direitos sociais e laborais dos portugueses.
2. Preparar o País para a saída do Euro
Intimamente ligada com a dimensão e processo de crescimento da dívida, está a integração de Portugal no Euro e as condições impostas pela União Económica e Monetária. Foi o PCP que, ao longo dos anos, se opôs e alertou para as consequências desastrosas da integração no Euro, e que colocou no centro da discussão a necessidade do País se preparar face a uma saída do Euro, voluntária ou eventualmente forçada. A vida tem-lhe dado razão. Os constrangimentos identificados com a submissão do País ao Euro não só se mantêm, como têm tendência para se agravar.
A questão, como o PCP a pôs há muito, está colocada: é possível um caminho de recuperação económica assente na promoção das condições de vida dos portugueses dentro do Euro? A resposta é negativa. A questão não está em saber quanto é que se tem de cortar nos salários, nas pensões e prestações sociais, ou quantas empresas e sectores produtivos terão de ser arrasados para satisfazer a permanência numa moeda que não serve os interesses do País.
A dissociação de Portugal face ao Euro e à UEM é uma decisão política com consequências económicas, e não o contrário. O seu objectivo central não deve ser o de preservar os rendimentos dos que já muito ganharam com o Euro, mas sim preservar e melhorar a situação material do povo, recuperar e acelerar o crescimento económico e abrir potencialidades ao desenvolvimento do País.
Assim os deputados do PCP irão suscitar o debate no PE sobre:
Uma discussão sobre o papel do BCE visando uma profunda alteração dos seus estatutos e orientações e da sua falsa autonomia, assim como a restituição aos Estados do poder de decisão sobre questões centrais do funcionamento das suas economias bem como o controlo do instrumento moeda.
O início do processo de discussão visando a dissolução da União Económica e Monetária e a extinção do Pacto de Estabilidade, sendo estes instrumentos substituídos por acordos intergovernamentais entre os Estados que, de forma livre e soberana, manifestem o desejo de prosseguir no caminho da integração económica e monetária.
A criação de um programa de apoio aos países cuja permanência no Euro se tenha revelado insustentável e que preveja a devida compensação pelos prejuízos causados no quadro de uma saída negociada da moeda única.
3. Revogar a União Bancária
O caso BES/GES e seus desenvolvimentos (alguns ainda em curso e não inteiramente previsíveis ou antecipáveis) é elucidativo sobre o real significado, consequências e objectivos da legislação relativa à “União Bancária”, incluindo o Mecanismo Único de Resolução (MUR). Comprovam que este ensaio à escala nacional de um Mecanismo Único de Resolução, não só não faz recair os custos da operação sobre a banca privada, mas sim sobre os trabalhadores e os recursos públicos.
No seguimento do questionamento já feito esta semana no Parlamento Europeu sobre este caso, os deputados do PCP prosseguirão, nos próximos meses, a sua intervenção tendo em vista a defesa da recuperação pelos Estados dos poderes de controlo, de regulação e de intervenção sobre a banca, colocando em Portugal este sector estratégico ao serviço do desenvolvimento económico, o que implica a revogação da legislação relativa à “União Bancária”, travando assim o processo de concentração e centralização do sector bancário na UE.
4. Uma Conferência Intergovernamental para a revogação e suspensão imediata do Tratado Orçamental.
Uma Europa de cooperação entre Estados soberanos, livres e iguais em direitos exige a rejeição do federalismo e das imposições supra-nacionais, e o reconhecimento pleno do princípio da igualdade entre Estados – um país, um voto –, com o direito de veto em questões consideradas de interesse vital.
Nesse sentido, iremos propor a consagração da reversibilidade dos acordos e tratados que regem a actual integração (começando pelo Tratado de Lisboa), a par da revogação do Tratado Orçamental e dos diplomas da Governação Económica – devendo ser convocada uma Conferência Intergovernamental para esse efeito e declarada a suspensão imediata do Tratado Orçamental até à sua realização.
5. Tratado Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP)
O Acordo de Livre Comércio que está a ser negociado entre a União Europeia e os EUA, envolto no maior secretismo, comporta graves ameaças para importantes sectores produtivos nacionais.
O objectivo é criar uma pressão ainda maior sobre o emprego e os salários, nivelando por baixo os direitos sociais e laborais. Sobrepor ao interesse público, e ao respeito pelos direitos económicos, sociais e laborais, os interesses e os lucros dos monopólios e das transnacionais. Sobrepor à sustentabilidade ambiental e à salvaguarda da saúde pública, a busca de novos mercados a qualquer custo. Viabilizar o avanço do mercado sobre as funções sociais dos Estados, destruindo o que resta de importantes serviços públicos.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu continuarão a intervir, no seio do seu grupo, o GUE/NGL, e em articulação com um amplo conjunto de organizações sociais, promovendo o debate e o esclarecimento, no sentido da rejeição definitiva deste Tratado e da defesa de um comércio regulado, assente em relações de complementaridade e não de competição – entre países, produtores e produções.
6. Defender o Emprego e os direitos sociais
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu, trarão para a ordem do dia a necessidade de medidas efectivas de combate ao desemprego, defendendo a erradicação da precariedade e a redução do horário de trabalho, sem diminuição de salário.
Merecerão decidido e firme combate a projectos que visem transformar a implementação da Garantia Europeia de Juventude em mais um programa de estágios ou ocupacional, uma nova forma de precarização e exploração de mão-de-obra juvenil, bem como quaisquer tentativas da Comissão Europeia de fazer ressuscitar propostas de directivas como a do tempo de trabalho, visando um brutal aumento da jornada de trabalho.
7. Defesa dos Sectores produtivos – prioridade para a recuperação
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu o bater-se-ão por uma profunda modificação da Política Agrícola Comum que, entre outros aspectos, viabilize o crescimento sustentado da produção agro-alimentar dos Estados mais deficitários e reforce os instrumentos de regulação como as quotas e os direitos de produção. No âmbito da Política Comum das Pescas será defendida uma alteração do actual enquadramento institucional, de forma a assegurar a soberania nacional sobre a Zona Económica Exclusiva que salvaguarde os recursos e a actividade piscatória.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu defenderão medidas de apoio ao desenvolvimento industrial bem como o direito de intervenção do Estado em situações de grave situação económica e social.
8. Defender os Serviços públicos
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu desenvolverão iniciativas concretas em torno da defesa, salvaguarda, reforço e diversificação dos serviços públicos.
Merecerão decidido e firme combate as tentativas de aprofundamento do mercado único no domínio dos serviços, com o aprofundamento da liberalização deste sector, como pretendia a malograda Directiva Bolkestein, que alguns pretendem ressuscitar.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu darão sequência à intervenção em torno das questões específicas dos transportes (designadamente no domínio ferroviário e do sector aéreo com o combate ao projecto de “Céu único) e da energia.
9. Reabrir o Orçamento da UE
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu insistirão na defesa de um reforço substancial do orçamento comunitário (que preveja, pelo menos, a sua duplicação), através de uma revisão do actual Quadro Financeiro Plurianual.
10. Solidários com os povos
Os deputados do PCP continuaram a intervir contra a militarização da União Europeia e a denunciar uma dita política externa que é contrária aos interesses dos povos. Em concreto o PCP integrará, já na próxima semana, uma delegação de solidariedade à Palestina do GUE/NGL e reapresentará propostas no sentido da denúncia do acordo de associação UE-Israel, por flagrante e reiterada violação da comprovadamente hipócrita cláusula relativa aos direitos humanos.