Contrariamente à propaganda que acompanha as suas conclusões, o que há a reter da reunião do Eurogrupo são as profundas contradições no seio da União Europeia, a ausência gritante de solidariedade e de medidas adequadas à dimensão dos problemas, e uma tão cínica como indisfarçável cedência aos interesses das principais potências europeias e dos grandes grupos económicos e financeiros.
Para além da flexibilidade que se impunha na utilização de verbas já adstritas a cada um dos Estados-Membros, o caminho que é apresentado resume-se a opções com carácter limitado e temporário, e assenta na lógica do endividamento, em condicionalismos e em pressupostos que não só não garantem direitos dos trabalhadores e dos povos e a resposta a necessidades de países como Portugal, como aprofundarão no futuro assimetrias, desigualdades e relações de dependência.
Assim é com o gravíssimo problema do emprego, dos rendimentos e dos direitos laborais dos trabalhadores. O programa SURE, já anteriormente apresentado pela Comissão Europeia, é concebido à custa do endividamento dos Estados e servirá para financiar esquemas de trabalho a tempo parcial e o lay-off, que retiram objectivamente rendimentos aos trabalhadores e representam um apoio indirecto ao grande patronato.
Quanto às empresas, o Eurogrupo aponta uma linha de crédito do Banco Europeu de Investimento que beneficiará sobretudo as empresas de maior capitalização - com maior capacidade para recorrerem à linha de crédito - e o sistema financeiro - por onde será canalizado o crédito, o que favorecerá uma ainda maior concentração e centralização de capital, em prejuízo do apoio a milhares de MPME.
Quanto à necessidade de financiamento dos Estados, o Eurogrupo aponta para o endividamento junto do Mecanismo Europeu de Estabilidade, apresentado como não tendo condições draconianas associadas, mas limitada a despesas de saúde ligadas ao combate imediato ao coronavírus.
Na realidade trata-se de uma indisfarçável cedência às pressões das grandes potências, que confirma a lógica do «cada um por si», ignorando as necessidades imediatas de financiamento para acudir à situação social e relançamento da actividade económica, empurrando os Estados para novos programas de acumulação de dívida, associados às regras «tipo troika» deste mecanismo, de tão má memória para Portugal, que prejudicam e são inaceitáveis para Estados-Membros com maior debilidade económica, precisamente os que necessitam de maior apoio.
A grave situação com que os trabalhadores, o povo e o País estão confrontados exige significativas medidas de investimento público na protecção da saúde, em especial dos grupos mais vulneráveis; na protecção social dos mais afectados e desfavorecidos; na defesa do emprego; e no relançamento da actividade económica.
Exige prioridade à defesa e garantia dos rendimentos dos trabalhadores e das suas famílias e à defesa do emprego com direitos e medidas que assegurem a produção e a defesa da economia nacional, desde logo assegurando a solvência das micro, pequenas e médias empresas, com apoios dirigidos, criteriosos e acessíveis.
As medidas do Eurogrupo não garantem nada disto.
Acrescentam dívida a uma dívida já de si colossal e amarram o País a acrescidos e intermináveis programas de endividamento, que não dão resposta às necessidades e direitos do povo e do País.
Nas actuais circunstâncias, o Governo português, a par da iniciativa diplomática junto de países enfrentando dificuldades semelhantes aos de Portugal, deve defender no próximo Conselho Europeu medidas efectivas que apoiem a resposta dos Estados às exigências que se lhes colocam. Medidas que, na opinião do PCP, devem incluir:
- Um significativo reforço do Orçamento da União Europeia, assegurando a sua função redistributiva e o objectivo de uma efectiva coesão económica e social;
- O redireccionamento de verbas dentro do actual orçamento, concentrando-as no apoio aos Estados-Membros tendo como objectivo a convergência no progresso económico e social;
- A derrogação do Artigo 123.º do Tratado de Lisboa com vista à abertura da possibilidade de financiamento directo do Banco Central Europeu (BCE) aos Estados, nomeadamente através da compra directa de títulos das dívidas públicas nacionais;
- A adopção de medidas para fazer face ao aumento da dívida pública, em especial dos Estados mais endividados, como Portugal, como a anulação da fracção da dívida pública emitida pelos Estados que esteja na posse do BCE e conste dos respectivos balanços, durante todo o período de resposta às consequências do surto;
- Um programa de renegociação das dívidas públicas, nos seus prazos juros e montantes, permitindo redireccionar recursos da dívida para as respostas económicas e sociais necessária;
- A adopção de medidas que impeçam a especulação financeira e a acção predatória do capital financeiro, nomeadamente por via do controlo e suspensão da sua livre circulação.
Portugal e os portugueses não podem ficar reféns das imposições, condicionalismos, chantagens e contradições que corroem a União Europeia.
Tal como na crise que irrompeu em 2008, a presente situação, e os seus previsíveis desenvolvimentos, demonstram que um país sem soberania económica e monetária, sobreendividado, colocado à mercê da chantagem dos especuladores e das instituições europeias, perante a total ausência de mecanismos de genuína solidariedade no plano europeu, enfrentará acrescidos obstáculos para defender o seu povo, os trabalhadores, as suas condições de vida, os seus serviços públicos, a recuperação da actividade económica.
Nessa medida, como tem dito o PCP, ganha força a necessidade de recuperação de imprescindíveis instrumentos de soberania, designadamente no plano económico e monetário, e o desenvolvimento de uma política alternativa, patriótica e de esquerda que, como a realidade se está a encarregar de demonstrar, contém nos seus eixos e objectivos as respostas de que o povo e o País necessitam.