Intervenção de Agostinho Lopes, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Sobre alguns problemas da agricultura nacional

A Comissão Política do PCP considera ser de destacar três questões de grande actualidade na situação da agricultura portuguesa: - A decisão da Comissão das Comunidades Europeias sobre o financiamento do Alqueva, o que põe na ordem do dia a necessidade de uma reforma agrária no Alentejo, que entregue terra a pequenos e médios agricultores e a assalariados rurais; - A necessária e urgente elaboração de uma estratégia nacional, firme e ofensiva, para a nova reforma da política agrícola comum, indiciada por vários documentos comunitários e recentemente, referida na chamada Agenda 2000, que defenda a agricultura e os agricultores portugueses; - A situação de milhares de agricultores portugueses, a braços com elevados prejuízos decorrentes de acidentes climatéricos e pragas, o que exige medidas prontas e não discursos sobre os factores de risco na actividade agrícola. 1. O Alqueva exige uma nova política fundiária Três anos e meio depois do Empreendimento de Alqueva ter sido incluído no II Quadro Comunitário de Apoio, a Comissão Europeia decidiu agora apoiar o financiamento de um projecto estratégico para o desenvolvimento do Alentejo. Apesar de tardio e de há muito o Alqueva dever estar construído o PCP congratula-se por finalmente estejam reunidas as condições que permitem que o Empreendimento venha a ser uma realidade. São incomensuráveis os prejuízos do atraso de décadas com que o Alqueva se inicia, e que não podem deixar de ser atribuídos à política de direita de sucessivos governos (PS, PSD, PP/CDS) que sempre travaram por razões de classe o avanço do empreendimento do Alqueva. Entretanto o PCP, não pode deixar de assinalar que a decisão da Comissão Europeia vem acompanhada de um conjunto de imposições que configuram uma inaceitável ingerência nos assuntos internos de Portugal e nas relações bilaterais com a Espanha. As exigências, a haver, de cumprimento das directivas ambientais respeitantes à escorrência das águas residuais urbanas e agrícolas e ao cumprimento do Acordo Luso-Espanhol de 1968 deveriam, aliás ser mais dirigidas à Espanha que a Portugal. O Governo português deve rejeitar liminarmente estas continuadas ingerências autoritárias da Comissão Europeia. Como deve rejeitar a recente e inaceitável decisão da Comissão que pretende impedir na base de uma arbitrária interpretação do Tratado da União Europeia, que um Estado soberano garanta a sobrevivência de uma empresa de dimensão estratégica e importância nacional, como é a EPAC. É também inaceitável que o Governo não tenha debatido com ninguém o "Programa Operacional Específico de Desenvolvimento Integrado da Zona de Alqueva - PEDIZA" que enquadra o financiamento comunitário. O PEDIZA e os projectos que o integram são de total desconhecimento das autarquias, dos sindicatos e das estruturas empresariais do Alentejo. Ora, os resultados e a eficácia do Empreendimento estão dependentes de um verdadeiro Programa Integrado de Desenvolvimento que mobilize toda a região. Tal programa não pode ignorar a questão fundiária como, aliás recentemente, também salientou a Comissão Diocesana Justiça e Paz da Arquidiocese de Évora. Numa região que tem a mais elevada concentração latifundiária da Europa - 8,6% das explorações ocupam 77,4% da superfície agrícola útil - baseada num sistema extensivo, absentista e de sequeiro, é vital para o sucesso económico e social de Alqueva que o Governo avance para um projecto de reestruturação fundiária. Se não o fizer, os potenciais impactos de Alqueva perder-se-ão à semelhança do que aconteceu com os velhos perímetros de rega. Seria intolerável que uma obra avaliada em cerca de 300 milhões de contos (a preços de 1995), paga com os dinheiros públicos, só beneficiasse os grandes senhores da terra e os seus potenciais efeitos positivos se pudessem dissolver no sistema latifundiário, extensivo e absentista. Por razões de justiça social e para a democratização do acesso à terra, por razões de eficácia económica e para que o Alqueva seja, de facto um instrumento de desenvolvimento regional, com a alteração dos sistemas culturais agrícolas e a criação de emprego, o PCP exige que, utilizando os mecanismos constitucionais e legais adequados, o Governo promova um processo de reorganização fundiária na região, em particular no perímetro do Alqueva e de entrega de terra aos pequenos e médios agricultores (proprietários e rendeiros) com pouca terra e aos assalariados rurais. Na multiplicidade das suas valências - fomento do regadio, abastecimento de água às populações e fonte energética - o Alqueva é uma infraestrutura determinante do desenvolvimento do Sul do País, mas o aproveitamento da sua mais valia agrícola em todas as suas potencialidades torna mais imperativa, ainda, a liquidação do latifúndio. 2. A agenda 2000 é inaceitável Sem prejuízo de uma análise posterior mais detalhada, inclusive nas vertentes não agrícolas, importa dizer desde já que a leitura das propostas para a reforma da Política Agrária Comum inscritas na Agenda 2000, na continuidade de anteriores documentos comunitários, são inaceitáveis e o mínimo que se exige do Governo é que as recuse liminarmente. Diminuição em 20% do preço de intervenção para os cereais (depois da diminuição de 29% quando da reforma de 1992); em 30% para o preço indicativo para a carne de bovino; em 10% para a manteiga e o leite em pó são as propostas já quantificadas só parcialmente compensadas por apoios ao rendimento. Entretanto não há quaisquer propostas de políticas de apoio financiadas pela Comunidade para as produções mediterrâneas que mais interessam a Portugal, designadamente, o vinho, o olival e as hortofrutícolas. Isto é, mais uma vez a Comunidade define políticas de apoio às grandes culturas do centro e norte da Europa e ignora as culturas dos países do sul. Acresce que a falada modulação na atribuição de apoios ao rendimento e ao investimento - apoiar mais quem mais precisa - ou tem uma redacção ambígua (no caso dos apoios ao rendimento) ou é ignorada (no caso dos apoios ao investimento). O que significa que a agricultura familiar e os pequenos produtores continuarão a ser prejudicados na atribuição dos apoios comunitários e nacionais que se traduz actualmente, no nosso País, no facto de só 5% das explorações absorverem 90% dos apoios. Inaceitáveis são também erros já cometidos pelo Governo PS decorrentes da ausência de uma estratégia global e ofensiva, partilhada pelas forças sociais e políticas portuguesas que pudesse com êxito defender os interesses nacionais. Continua a aceitar-se, e pior a colaborar-se, em reformas parciais das Organizações Comuns de Mercado (OCMs) dos produtos mediterrâneos (hortofrutícolas, vinho, azeite, tabaco), persistindo no erro da Reforma da PAC de 92, de reformas distintas e em tempos diferentes das diversas produções agrícolas. Continua a aceitar-se sem discussão ou oposição como princípios determinantes das alterações das regras da PAC, o que estiver decidido pelas negociações do GATT/OMC, o que imporá, mau grado ou bom grado, com maiores ou menores compensações financeiras, uma política agrícola comunitária mortífera para os países do sul. Continua a admitir-se a dispersão da necessária abordagem de conjunto da reforma da PAC por uma infinidade de documentos, com posições contraditórios, mas que têm uma missão única e precisa, facilitar o vencimento de duas ideias nucleares: - uma política agrícola conforme os ditames neoliberais, em que o mercado decide e impõe a divisão europeia do trabalho agrícola favorável às transnacionais agroalimentares e às potências agrícolas do mundo, EUA, Canadá, alguns países da UE, etc.; - um inalterado orçamento comunitário, o que vai impor no quadro do alargamento e dos projectos da reforma da PAC em curso, uma nova penalização da agricultura portuguesa. Continua uma insuficiente iniciativa diplomática e negocial capaz de envolver os países do sul da União Europeia na defesa de uma estratégia comum e falta uma abordagem confiante junto dos agricultores portugueses e das suas organizações para uma eficaz mobilização em defesa dos seus interesses. 3. Graves prejuízos na agricultura exigem medidas urgentes de apoio As anormais condições climatéricas têm vindo a originar graves prejuízos para o ano agrícola. Simultaneamente, um ano de boa produção de fruta no Oeste e as importações que se continuam a fazer, obrigaram os portugueses a assistir novamente ao escândalo da destruição de centenas de toneladas de fruta, num país onde as dificuldades económicas continuam a privar do seu consumo regular muitos milhares de crianças e adultos. Estima-se que a produção de vinho tenha quebras que, nalgumas regiões podem ir até 50% e nalgumas explorações podem atingir a totalidade da produção; no Alto Tâmega (Trás-os-Montes) os produtores de batata, cereais e fruta estão confrontados com uma grave situação; no Ribatejo e Oeste os produtores de tomate e melão estimam perdas na ordem de 30% a 40% na produção de tomate e de 60% no melão; aos problemas ocasionados pela chuva juntou-se no distrito de Santarém e Setúbal uma praga (tripe da Califórnia) causando elevados estragos no tomate; no Alentejo há também reais perspectivas de perda no vinho, no olival e nos cereais. O seguro agrícola apesar de modificado, continua ainda a não responder de forma satisfatória aos prejuízos resultantes destes acidentes climatéricos, e também pelo facto, de só agora (campanha agrícola 96/97) estar a ser conhecido e concretizado pelos agricultores. Por outro lado, e como se previa, a tão apregoada linha de crédito de 150 milhões de contos não está a ter qualquer repercussão no sector agrícola designadamente nas pequenas e médias explorações agrícolas. O PCP reclama do Governo a adopção de medidas excepcionais de apoio aos agricultores vítimas das intempéries e o accionamento urgente dos mecanismos previstos no Fundo de Calamidades. Se houve milhões de contos para o negócio do Autódromo do Estoril, haverá certamente disponibilidades orçamentais para acudir à difícil situação criada a milhares de agricultores portugueses.
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