Projecto de Lei

Sistema de Identificação Electrónica de Veículos e Dispositivo Electrónico de Matrícula

 

Revoga o Sistema de Identificação Electrónica de Veículos e o Dispositivo Electrónico de Matrícula

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Exposição de Motivos

Ao contrário do que o Governo PS propagandeou durante meses a fio, a aprovação do «Dispositivo Electrónico de Matrícula», bem como do «Sistema de Identificação Electrónica de Veículos» no âmbito do qual aquele foi aprovado, serve na verdade um objectivo primordial: a criação de um sistema de portagens verdadeiramente omnipresente, garantindo o negócio das concessões e subconcessões a privados na rede rodoviária nacional e promovendo um dispositivo de vigilância e controlo sobre os cidadãos completamente inaceitável.

Recorde-se aliás que, na anterior Legislatura, quando submeteu a sua Proposta de Lei n.º 213/X à Assembleia da República, no sentido de obter a autorização legislativa para instituir a obrigatoriedade do uso do dispositivo electrónico de matrícula, o Governo então em funções apresentou esta medida como um passo fundamental e decisivo. Pudemos aliás constatar, lendo a Exposição de Motivos da citada Proposta de Lei, o entusiasmo com que o Governo apresentava este dispositivo:

«O dispositivo electrónico de matrícula, ao permitir a prática de procedimentos automáticos de fiscalização, constituirá um instrumento fundamental para o incremento da Segurança Rodoviária, preventiva e reactiva e, consequentemente, para a diminuição da sinistralidade automóvel. Será igualmente uma mais valia para a melhoria da gestão de tráfego e sua monitorização fornecendo informação fundamental para suportar o planeamento das infra-estruturas rodoviárias.»

Estaríamos assim perante a adopção de um sistema que, segundo o Governo, resultaria na diminuição da sinistralidade automóvel, no incremento da segurança rodoviária preventiva e reactiva, a melhoria da gestão de tráfego e sua monitorização.

De resto, no próprio articulado da Proposta de Lei, o Governo adiantava os objectivos (referidos como «fins principais») desta medida: o primeiro corresponderia a «fiscalização do cumprimento do Código da Estrada e demais legislação rodoviária»; o segundo à «identificação de veículos, designadamente para efeitos de reconhecimento de veículos acidentados ou abandonados»; e finalmente o terceiro acabava por revelar a «cobrança electrónica de portagens em conformidade com o Serviço Electrónico Europeu de Portagem bem como outras taxas rodoviárias e similares».

Ou seja, tratar-se-ia de uma opção em que a tutela dos interesses públicos em presença - correspondentes antes de mais à «diminuição da sinistralidade automóvel» e ao «incremento da segurança rodoviária» - supostamente justificaria uma restrição em matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (assim identificada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados).

No entanto, o que a legislação aprovada veio afinal, e de facto, a consagrar foi nada mais do que um novo sistema de identificadores de cobrança de portagens, seja nas actuais SCUT seja na actual rede portajada, que migra para este novo sistema, seja noutras surpresas que possam estar até reservadas para o futuro.

Não é pois uma questão de opiniões, mas sim de factos: o Governo faltou à verdade aos portugueses, ao Parlamento e à Comissão Nacional de Protecção de Dados, de tal forma que mesmo os pressupostos do parecer da CNPD relativamente a esta matéria consideram o valor dos interesses públicos que estariam supostamente em causa. Prometia-se a diminuição da sinistralidade rodoviária, o incremento da segurança rodoviária, a identificação de veículos roubados ou destruídos - vantagens que supostamente resultariam da introdução desta medida.

Com efeito, é uma evidência que toda a propaganda serviu afinal para criar um sistema exclusivamente orientado para a cobrança electrónica de portagens - tal como se assumiu entretanto no próprio preâmbulo do decreto-lei citado. A consideração dos interesses públicos que com este processo foram colocados "em jogo" exige assim, forçosamente, uma reponderação.

O que o Governo decidiu criar é um poderoso e imenso conglomerado de bases de dados, integrando todos os veículos nos quais seja obrigatória a utilização deste dispositivo electrónico de matrícula. E, citando um dos decretos-lei em causa, o Decreto-Lei n.º 112/2009 de 18 de Maio, «a instalação do dispositivo electrónico de matrícula é obrigatória para todos os automóveis e seus reboques, para todos os motociclos, bem como para os triciclos autorizados a circular em auto-estradas ou vias equiparadas, podendo, por despacho do membro do Governo responsável pelas obras públicas e transportes, esta obrigação ser alargada às restantes categorias de veículos».

Essas bases de dados podem ser acedidas pelas forças de segurança, concessionárias e subconcessionárias de infra-estruturas rodoviárias, a nova empresa SIEV SA, o Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias e as "entidades de cobrança de portagens".

As circunstâncias e os termos em que se prevê a concretização deste sistema passam em larga medida, e em matérias fundamentais, pela aprovação de uma Portaria do Governo, que por definição ficará excluída do âmbito da fiscalização política exercida pela Assembleia da República. Só por si este facto suscita as maiores reservas e preocupações quanto à transparência e controlo democrático sobre uma medida tão sensível como esta, desde logo em matéria de direitos, liberdades e garantias.

Por outro lado, foi a própria CNPD que afirmou no seu Parecer n.º 42/2008 que «esta obrigatoriedade tem de ser compatibilizada com a liberdade dos condutores, que lhes assiste enquanto aspecto da sua liberdade de circulação, de escolherem entre o pagamento da portagem através do sistema de leitura do dispositivo de matrícula por radiofrequência e a cobrança dessa taxa por outros meios já existentes no local da portagem. O sistema a implementar deve portanto ser semelhante ou ser até uma continuação do Sistema de Cobrança de Taxas de Portagem "Via Verde" (...)».

Ora, o que verificamos no articulado do Decreto-Lei em apreço, nomeadamente no n.º 12 do artigo 9.º, é que os proprietários de veículos já hoje integrados no sistema "Via Verde" com os respectivos identificadores, e que não aceitem a sua transição automática para o novo sistema agora instituído «(...) devem proceder à instalação de dispositivos electrónicos de matrícula, nos termos do presente artigo, cessando a possibilidade de utilização dos identificadores associados ao sistema Via Verde não convertidos em dispositivos electrónicos de matrícula, para efeitos de pagamento de portagens (...)».

Daqui se conclui que estamos, na prática, simplesmente perante um novo sistema de identificadores para cobrança de portagens, seja nas actuais auto-estradas SCUT, seja noutras que no futuro viessem a ser decididas.

Trata-se de um processo politicamente inaceitável, com a mobilização de recursos do Estado e dos automobilistas para um negócio de milhões com as concessionárias e subconcessionárias da rede rodoviária.

Recordamos aliás as palavras do actual Presidente da "Estradas de Portugal SA" proferidas na anterior Legislatura na Comissão Parlamentar de Obras Públicas, confirmando que o novo modelo de financiamento daquela entidade, e da rede rodoviária nacional, implicava e previa a introdução de novas portagens no futuro (e eventualmente não só nas actuais SCUT).

Finalmente, não podemos ignorar que em diversas ocasiões, os membros do Governo responsáveis por esta tutela admitiram o propósito de, a prazo, abrir caminho à eliminação os actuais serviços de cobrança directa de portagem nas suas instalações físicas - e os correspondentes postos de trabalho - e converter todo o sistema à adopção de portagens por cobrança electrónica. Isso mesmo foi publicamente corroborado pelo responsável máximo de uma das principais empresas concessionárias.

Razão tinham, por tudo isto, os trabalhadores do sector quando suscitaram o seu testemunho de alerta e preocupação face ao sentido destas medidas, denunciando vários meses antes da sua publicação o objectivo primordial da introdução de portagens nas SCUT e a extensão do dispositivo à restante rede como um sério risco para todos os trabalhadores das várias concessionárias.

Coloca-se, assim, a questão do futuro dos trabalhadores deste sector, que têm suscitado as maiores preocupações e reservas quanto a esta medida e promovido acções de luta, alertando as populações para todos os riscos inerentes a este sistema, para os próprios trabalhadores e desde logo para os cidadãos em geral.

Exemplo particularmente importante dessa intervenção foi o recente Encontro Nacional de Trabalhadores de Auto-Estradas, realizado em Lisboa a 24 de Outubro passado, onde foram denunciados inaceitáveis atropelos aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores deste sector. É o caso, apenas a título de exemplo, do desrespeito pelo direito constitucional à negociação e contratação colectiva, por parte da Administração da AENOR (ASCENDI) / OPERANOR; é o caso das pressões ilegais sobre os trabalhadores da Auto-Estradas do Atlântico, tendo em vista a rescisão dos seus contratos individuais de trabalho; é o caso dos processos disciplinares instaurados a trabalhadores da Brisa Assistência Rodoviária que apenas pretendem defender os seus direitos, recusando-se a prestar serviço fora da área estabelecida no seu contrato individual de trabalho; é o caso finalmente, entre vários outros, do despedimento de dezenas de trabalhadores da BRISAL, substituídos pela mais recente tecnologia de pagamento de pagamento automático de portagens.

Com esta legislação, com este sistema de identificação de veículos e de pagamento de portagens, está em causa a perspectiva futura dos trabalhadores destas empresas, mas desde logo está em causa a perspectiva de um colossal dispositivo de controlo e vigilância sobre os cidadãos. E em ambas as vertentes, a revogação dos referidos Decretos-Lei é um contributo decisivo para uma acção indispensável e urgente de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores e das populações, que exige de forma incontornável e insubstituível a sua mobilização firme e consciente.

O Partido Comunista Português toma então esta iniciativa para que sejam revogados este sistema e esta legislação, verdadeiramente aberrantes, dos "dispositivos electrónicos de matrícula". Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei revoga a constituição do «Dispositivo Electrónico de Matrícula», bem como do «Sistema de Identificação Electrónica de Veículos» no âmbito do qual aquele foi aprovado, excluindo assim a obrigatoriedade da sua instalação em todos os veículos automóveis e seus reboques, em todos os motociclos e os triciclos autorizados a circular em infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxa de portagem.

Artigo 2.º

Norma revogatória

São revogados os Decretos-Lei n.os 111/2009, 112/2009 e 113/2009 de 18 de Maio.

Artigo 3.º

Entrada em vigor e produção de efeito

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, produzindo efeitos à data da entrada em vigor dos Decretos-Lei n.os 111/2009, 112/2009 e 113/2009 de 18 de Maio.

Assembleia da República, em 6 de Novembro de 2009

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