Permitam-me que, antes de mais, saúde todos os presentes e agradeça o contributo de todos e de cada um neste debate, integrado na campanha nacional do PCP “Por uma Política Alternativa Patriótica e de Esquerda” que está em curso e estamos a desenvolver em todo o país.
As extremas dificuldades que o país enfrenta, em particular nos últimos dois anos após a assinatura do Pacto de Agressão, subscrito por PS, PSD e CDS, e que se traduzem numa grave recessão económica, num desemprego avassalador e num continuado agravamento da situação social, com um persistente aumento das desigualdades e injustiças sociais, não são, como aqui se afirmou, uma fatalidade ou simples resultado de conjunturas externas menos favoráveis, mas a expressão de uma política concreta e das opções de classe dos sucessivos governos.
Políticas e opções que têm servido uma estratégia de reconstituição do poder económico pelo grande capital e de destruição dos direitos sociais, económicos, culturais e políticos conquistados pelo povo português com a Revolução de Abril.
A política de direita, prosseguida por sucessivos Governos desde 1976, conduziu o país ao declínio, à estagnação e recessão económica, ao retrocesso social e ao avolumar das injustiças, ao alastramento da pobreza e ao regresso à emigração para milhares de portugueses.
Essa política conduziu à destruição de grande parte do aparelho produtivo, que se registou nas últimas décadas e que levou a que sectores produtivos fundamentais – a agricultura, as pescas e importantes sectores industriais, nomeadamente os da indústria de base siderúrgica, metalo-mecânica pesada e indústria naval – vissem o seu peso no Produto Interno Bruto Nacional baixar para níveis preocupantes, com óbvias consequências no agravamento dos nossos défices estruturais – agro-alimentar, energético, científico e tecnológico, entre outros.
Portugal é, hoje, fruto de sucessivas políticas neoliberais seguidas por esses diferentes Governos, um país mais frágil, mais pobre, mais endividado, mais dependente, mais desigual.
É bom lembrar aqui os anos de 74, 75 e 76 em que o peso dos salários no Rendimento Nacional ultrapassou os 50%, atingindo mais precisamente os 59,5% em 1975 e em que muitas conquistas sociais foram alcançadas.
Vale a pena fazê-lo agora que, de acordo com os últimos dados disponíveis sobre a distribuição do Rendimento Nacional de 2012, esse peso é apenas de 38% e as várias medidas de políticas aprovadas para o corrente ano, com cortes consideráveis nos salários, irão certamente fazer reduzir ainda mais.
É bom lembrar aqui que Portugal, de acordo com a última informação disponível sobre a distribuição do rendimento entre os 30 países da OCDE, só é ultrapassado com maior desequilíbrio nessa distribuição pela Turquia e pelo México.
Já de acordo com o Eurostat, serviço de informação estatística da União Europeia, Portugal apresentava, em 2011, dos maiores desequilíbrios na distribuição de rendimentos.
Somos um dos países mais desiguais da União Europeia e essa desigualdade não se traduz apenas na distribuição do rendimento das famílias, é um fenómeno que se observa no acesso aos cuidados de saúde, ao emprego, à educação, à justiça, na concentração do património e até mesmo em termos territoriais.
O nosso país de acordo com o último inquérito às condições de vida e rendimento das famílias de 2011 apresenta 24,4% dos portugueses, cerca de 2 milhões e seiscentos mil, em risco de pobreza ou exclusão social, tem 20% da nossa população com mais de 65 anos na situação de pobreza e tem 34,5% dos agregados familiares constituídos por dois adultos e três ou mais filhos dependentes nessa mesma situação de pobreza.
Chegámos à lamentável e degradante situação de 36% da população desempregada, 17,9% da população reformada e até mesmo 10,3% da população empregada viverem abaixo do limiar de pobreza.
Hoje, não basta ter um emprego para não se ser pobre, tais são as condições de exploração de milhares e milhares de trabalhadores.
Enquanto isto acontece do lado dos mais desfavorecidos, as grandes fortunas florescem e os lucros dos grandes grupos económicos vão-se acumulando, mesmo em tempos de crise.
As cem maiores fortunas do nosso país, grande parte delas colocadas em paraísos fiscais, equivalem a 20%, ou seja 1/5 da riqueza nacional.
Mais! Se olharmos para o mercado do trabalho, o modelo social neoliberal faz com que perto de um milhão e meio de portugueses se encontrem hoje desempregados, que cerca de 32% da população empregada tenha um vínculo precário - só a Espanha e a Polónia nos ultrapassam em precariedade.
É também este modelo neoliberal o responsável pela redução do número de trabalhadores qualificados, enquanto o trabalho não qualificado não pára de crescer.
É sintomático que o sector profissional que nos últimos anos maior acréscimo registou foi o sector dos trabalhadores de serviços e vendedores.
Somos cada vez mais um país de vendedores e de serviços, em detrimento de um país de produtores o que naturalmente nos fragiliza perante outros, em particular em momentos de grave crise como aquele que vivemos, tornando-nos completamente dependentes do exterior.
É sintomático que cerca de 100 mil trabalhadores licenciados exerçam funções não qualificadas ou pouco qualificadas e que, no final de 2012, 149 mil licenciados se encontravam na situação de desempregados.
É trágico que o desemprego jovem atinja já os 40% e que esse número só não seja maior porque milhares jovens, após concluírem a sua formação escolar, estão hoje a ser empurrados, literalmente, por este Governo de direita para a emigração.
Todas estas políticas tiveram expressão no plano do território bem patentes na dinâmica assimétrica traduzida na perda de coesão territorial, na desertificação e despovoamento de amplas regiões, e na crescente litoralização e concentração demográfica com os evidentes problemas de qualidade de vida – ambientais, urbanos, sociais – que caracteriza a vida nas áreas metropolitanas. Assimetrias avolumadas apesar dos milhares de milhões de euros de sucessivos programas de fundos comunitários, supostamente destinados a assegurar a prometida coesão social e territorial, mas efectivamente desviados para beneficiar o grande capital e aplicados à margem de planos regionais de desenvolvimento e planeamento.
Assimetrias inseparáveis da progressiva concentração de serviços públicos nas chamadas 5 capitais das CCDR, esvaziando os distritos desses serviços e afastando as populações e as empresas do seu acesso.
Assimetrias inseparáveis da redução brutal ou mesmo eliminação do investimento público nas regiões, negando direitos, reduzindo a actividade e o emprego a ele associado.
Assimetrias avolumadas pela progressiva asfixia financeira do Poder Local e que a liquidação de mais de um milhar de freguesias vai ainda agravar.
Assimetrias que são, em si, expressão de uma política centralista, orientada para a progressiva desvalorização do Poder Local, fixada no incumprimento da Constituição da República no que ela determina quanto à criação da regiões administrativas.
Uma política e uma ofensiva que empobrece a dimensão democrática da vida política nacional, afasta as populações da participação, reduz o investimento local, empobrece os territórios e nega a satisfação às populações das suas necessidades e aspiração a uma vida melhor.
Toda esta evolução confirma que Portugal tem continuado a trilhar os caminhos da desigualdade. Um caminho que se acentuou de forma crescente com as políticas de austeridade e de concentração de riqueza do Pacto de Agressão.
Esse Pacto que está igualmente a conduzir o país para o abismo e a agravar todos os seus problemas.
A tentativa ensaiada pelo governo de procurar apresentar como positiva a sua governação e as suas propaladas preocupações com a equidade, constitui um exercício de despudorada mistificação da realidade e de insulto à inteligência dos portugueses.
Falam e prometem há muito a viragem e a recuperação do país, mas, ao contrário, com o avançar do tempo a perspectiva que se apresenta é o prolongamento da agonia económica e social.
A “reestruturação” do memorando e da dívida da troika que o Governo defende não responde a nenhum dos problemas fundamentais do país.
O chamado alargamento das “maturidades” é apenas a moeda de troca para justificar novas medidas de austeridade e um brutal ataque às funções sociais do Estado.
Os mais recentes desenvolvimentos põem em evidência não apenas um governo socialmente isolado e politicamente derrotado que procura desesperadamente agarrar-se ao poder, mas também um Governo e uma política fora da lei e em confronto com a Constituição da República.
Um governo e uma política que há muito puseram em causa o regular funcionamento das instituições perante o apoio activo e cúmplice do Presidente da República.
Quando se inscreve como objectivo de uma política, a subordinação da democracia e a liquidação prática de algumas das suas expressões ao projecto de dependência externa que têm em construção, não é só o futuro do país que está ameaçado, é o regime democrático e constitucional que está a ser posto em causa.
Isso ainda é mais evidente com a operação em curso da chamada reforma do Estado que, a concretizar-se, significará o aprofundamento ainda mais brutal e dramático das desigualdades no nosso país.
As medidas anunciadas por Passos Coelho na passada semana, em nome de todo o governo PSD/CDS, incluindo do ministro Paulo Portas – que se especializou na prática do jogo duplo, bem patente nessa consentida farsa do passado domingo. Uma farsa com dois protagonistas – é mais um episódio no caminho do desastre económico e social.
Medidas que se vão traduzir num novo roubo aos reformados, com taxa ou sem taxa, recorrendo ao velho truque de apresentar o péssimo para que passe como razoável o pior, mas igualmente num novo assalto aos direitos dos trabalhadores, num passo mais na liquidação de direitos sociais, em mais arrasadores cortes na saúde, na protecção social e na educação.
Medidas que atingem toda a gente. Trabalhadores do sector público e privado, reformados do sector público e privado e as populações em geral, do litoral e do interior.
Um conjunto de medidas devastadoras – que o orçamento rectificativo e o Orçamento de Estado para 2014 ainda revelarão de forma ainda mais brutal, já que muito ficou por clarificar. Serão cortes que ultrapassarão nos próximos dois anos mais do que os 4 mil milhões de euros anunciados e que significarão piores serviços para as populações, mais encerramentos de escolas, de serviços de saúde e cortes nas prestações sociais das famílias mais carenciadas.
Um novo ataque aos trabalhadores e às populações, ao mesmo tempo que mantêm milhares de milhões de euros de juros da dívida, elevadas taxas de rentabilidade das PPP, rendas ilegítimas do sector da energia, ruinosos seguros de crédito (swaps) e a continuada cobertura dos prejuízos do BPN.
Um conjunto de medidas que se traduzirão em mais recessão, em mais destruição de emprego, que atingirão toda a actividade económica, a sobrevivência de milhares de empresas, a vida de milhões de famílias.
Um autêntico programa de terrorismo social que deita por terra a cínica manobra de propaganda sobre o tão propalado programa de crescimento económico e fomento industrial que o governo andou a anunciar aos sete ventos.
O que se esconde por trás de tais anúncios, de tais promessas de crescimento é a criação de condições mais propícias à concretização do único programa que realmente o governo tem em curso: o da austeridade, o da exploração dos trabalhadores, o do empobrecimento generalizado das camadas populares.
É perante esta realidade de agravamento de todos os problemas do país e das fantasiosas promessas de solução que se impõe romper com este rumo de desastre nacional e afirmar o direito inalienável a um Portugal desenvolvido e soberano, o que implica a inadiável demissão do governo e a convocação de eleições antecipadas, a rejeição do Pacto de Agressão e das suas políticas e medidas.
Não existem hoje dúvidas de que a saída para a crise que vivemos exige uma viragem com uma nova política. Uma nova política que seja capaz de libertar Portugal da dependência e da submissão, e que combata efectivamente as desigualdades sociais e do território.
Uma nova política que tenha como opções fundamentais:
A renegociação da dívida nos seus montantes, juros, prazos e condições de pagamento, com redução do serviço da dívida para um nível compatível com o crescimento económico e a melhoria das condições de vida.
A defesa e o aumento da produção nacional, a recuperação para o Estado do sector financeiro e de outras empresas e sectores estratégicos indispensáveis ao apoio à economia, o aumento do investimento público e o fomento da procura interna.
Ou seja, uma nova política que aumente o peso do Estado nos sectores estratégicos, sector financeiro, sector energético, sector dos transportes e comunicações, pela aposta clara e inequívoca no reforço do aparelho produtivo nacional, pelo apoio às MPME, não apenas através da criação de linhas de crédito bonificado mas também pela intervenção através da Caixa Geral de Depósitos na regulação do mercado de crédito, forçando a descida dos chamados “spreads”, ou seja das margens de lucro que a Banca de uma forma completamente imoral impõe.
A valorização efectiva dos salários e pensões e o explícito compromisso de reposição de salários, rendimentos e direitos roubados, incluindo nas prestações sociais.
Ou seja, a concretização de uma nova política que aposte de uma forma clara num novo modelo de repartição do rendimento, em favor do factor trabalho e de valorização do trabalho.
A opção por uma política orçamental de combate ao despesismo, à despesa sumptuária, baseada numa componente fiscal de aumento da tributação dos dividendos e lucros do grande capital, e de alívio dos trabalhadores e das pequenas e médias empresas, garantindo as verbas necessárias ao funcionamento eficaz do Estado e do investimento público.
Uma opção que tem que ter em conta o reforço dos meios financeiros das autarquias para que elas possam rapidamente acelerar o investimento público, para além da necessária dinamização do investimento a cargo da administração central.
Uma opção que implica um novo olhar para o território, a concretização de uma efectiva política de descentralização, com valorização do Poder Local e a reposição dos meios financeiros indispensáveis à prossecução das suas competências, com a criação das regiões administrativas e a devolução ao povo das freguesias agora roubadas, do aumento do investimento público e em particular, do plano de investimentos da administração central, de uma gestão democrática dos fundos comunitários privilegiando os programas operacionais regionais.
Uma política de defesa e recuperação dos serviços públicos, em particular nas funções sociais do Estado (saúde, educação e segurança social), reforçando os seus meios humanos e materiais, como elemento essencial à concretização dos direitos do povo e ao desenvolvimento do País.
A assunção de uma política soberana e a afirmação do primado dos interesses nacionais nas relações com a União Europeia, diversificando as relações económicas e financeiras e adoptando as medidas que preparem o País face a uma saída do Euro, seja por decisão do povo português, seja por desenvolvimentos da crise da União Europeia.
É esta a política de que o nosso país precisa e que os trabalhadores e as populações merecem.