Projecto de Lei N.º 650/XII/4.ª

Revogação das Taxas Moderadoras e definição de Critérios de Atribuição do Transporte de Doentes não Urgentes

Revogação das Taxas Moderadoras e definição de Critérios de Atribuição do Transporte de Doentes não Urgentes

No ano em que se assinala o 35º aniversário do Serviço Nacional de Saúde retomamos o compromisso assumido - apresentar uma iniciativa legislativa para revogar as taxas moderadoras bem como estabelecer os critérios para a atribuição do transporte de doentes não urgentes. Fazemo-lo por entendermos que é imperioso travar esta transferência de custos para os utentes, que é importante remover estes obstáculos que têm impedido milhares de portugueses de acederem aos cuidados de saúde e por entendermos que a saúde é um direito e como tal deve ser assegurada a todos os portugueses.

Embora seja conhecida a sua origem não é demais lembrar que o Serviço Nacional de Saúde brotou da Revolução de Abril. Importante conquista, da qual resultou um instrumento consagrado constitucionalmente que independentemente da condição económica garante o acesso de todos aos cuidados de saúde. Razão pela qual a defesa do Serviço Nacional de Saúde deveria constituir um imperativo nacional.

Sucessivos governos, incluindo o atual (PSD/CDS-PP), têm prosseguido uma política de saúde que na prática se afasta dos princípios que conduziram à criação do Serviço Nacional de Saúde e que a breve trecho conduzirá à sua destruição.

Se o carater gratuito foi já abandonado, passando o Serviço Nacional de Saúde a ser tendencialmente gratuito, o caracter universal e geral parece conhecer o mesmo caminho. Tal conclusão retira-se das opções do Governo que a realidade não desmente. Pelo contrário, podemos encontrar um vasto número de exemplos que confirmam a degradação do Serviço Nacional de Saúde, que não está desligada da política de direita e do desinvestimento ocorrido na saúde.

Lamentavelmente continuam a chegar ao nosso conhecimento relatos que põem em evidência os efeitos da política do Governo PSD/CDS-PP e as crescentes dificuldades no acesso à saúde. Um cenário que o Governo continua a negar acusando-nos de exagero e alarmismo.

Referimo-nos aos mais de um milhão de portugueses sem médico de família, ao encerramento de dezenas de serviços de proximidade, tais como centros e extensões de saúde, SAP e urgências hospitalares e Maternidades, aos cortes nos apoios ao transporte de doentes não urgentes, aos elevados tempos de espera para cirurgia e consultas da especialidade, ao encerramento e transferências de valências hospitalares que obrigam a deslocações de dezenas e até centenas de quilómetros, à insuficiência de profissionais de saúde, a que acresce a sua desvalorização profissional e salarial, as inúmeras dificuldades no acesso a medicamentos disponibilizados pelos hospitais.

Nas decisões do Governo está subjacente uma lógica economicista que se sobrepõe à efetiva concretização do direito à saúde, revelando-se mesmo contrária aos princípios norteadores do Serviço Nacional de Saúde, e assim o Governo vai dando corpo à sua estratégia de destruição e ataque ao SNS e ao acesso à saúde.

Na sequência das opções políticas e das medidas levadas a cabo pelo Governo (redução do financiamento do SNS, não contratação de profissionais de saúde, encerramentos de centros e extensões de saúde, encerramentos e concentrações de serviços) tem-se assistido à degradação do Serviço Nacional de Saúde. A estratégia governamental de degradação da prestação de cuidados de saúde beneficia diretamente os interesses do grande capital neste setor, que sempre olhou a saúde como um negócio lucrativo. A demonstrá-lo a transferência significativa da prestação de cuidados para os grandes grupos privados na área da saúde, cuja atividade regista um efetivo crescimento.

Conhecidos os vários constrangimentos colocados ao Serviço Nacional de Saúde, não existindo dúvidas acerca da responsabilidade do Governo na sua destruição e sem prejuízo para outras matérias essenciais a um Serviço Nacional de Saúde Universal, Geral e Gratuito o presente projeto-lei visa a eliminação das taxas moderadoras e a garantia do transporte gratuito de doentes não urgentes, como instrumentos de acesso aos cuidados de saúde.

Entendemos que a revogação das Taxas Moderadoras e da definição dos Critérios de Atribuição do Transporte de Doentes Não Urgentes continua a ter toda a atualidade e pertinência.

Relativamente às taxas moderadoras, instituídas a partir de uma falácia - moderar o acesso aos cuidados de saúde e desta forma regular a utilização dos cuidados de saúde - foi algo a que sempre nos opusemos por considerarmos que a introdução das taxas moderadoras instituiu a modalidade de copagamento e, sobretudo, transferiu para os utentes os custos com a saúde, sendo assim um verdadeiro obstáculo que põe em causa o direito à saúde.

Entendimento corroborado pelos testemunhos de muitos portugueses que deixam de ir às consultas ou às urgências, e fazem-no porque não tem dinheiro para pagar as taxas moderadoras nem beneficiam de qualquer tipo de isenção.

As sucessivas alterações ao seu regime, a instituição da revisão anual dos valores através da atualização anual automática do valor das taxas à taxa de inflação ou ainda o agravamento das penalizações respeitantes ao não pagamento da respetiva taxa moderadora vêm criar ainda mais constrangimentos aos utentes.

Pelo exposto, o PCP que sempre se opôs à criação das taxas moderadoras, não abandona o propósito de as eliminar por considerar estar em causa a universalidade do direito à saúde, tal como consagrado na Constituição da República.

Como atrás dissemos, o presente projeto de lei procura ainda garantir o transporte gratuito de doentes não urgentes.

A limitação na atribuição do transporte de doentes não urgentes teve início em finais de 2010, com o anterior Governo do Partido Socialista através do Despacho nº 19264/2010, de 29 de dezembro.

O referido Despacho determinava que a atribuição de transporte de doentes não urgentes estava sujeita simultaneamente à justificação clínica e nos casos de insuficiência económica.

Perante a objeção de utentes e corporações de bombeiros, a Assembleia da República aprovou uma resolução com os votos favoráveis do PCP, PEV, PSD, CDS e BE, com os votos contra do PS que recomenda a revogação do Despacho 19264/2010, de 29 de Dezembro e a revisão do atual quadro legal referente ao transporte de doentes não urgentes, garantindo a universalidade e a igualdade no acesso, atendendo a situações especiais de utentes que carecem de tratamentos prolongados ou continuados.

Entretanto o anterior Governo afasta-se de tais recomendações e publica o Despacho nº7861/2011, de 31 de maio de 2011, mantendo cumulativamente os critérios da justificação clínica e da insuficiência económica para atribuição do transporte de doentes não urgentes. O mesmo critério viria a ser adotado pelo atual governo.

É publicada a Portaria nº142-B/2012, de 15 maio de 2012 e o Decreto-Lei nº128/2012, de 21 de junho de 2012 da responsabilidade do Governo PSD, CDS-PP, que insiste no preenchimento cumulativo dos critérios da justificação clínica e da insuficiência económica.

Relativamente ao transporte de doentes não urgentes, defendemos a sua atribuição a todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde que dele necessitem, garantindo que o mesmo se faça a título gratuito, bastando que dele careçam por motivos clínicos ou económicos, para consultas, exames ou tratamentos e independentemente do período de duração.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

Revogação do Decreto-Lei n.º 113/2011 de 29 de Novembro

É revogado o decreto-Lei n.º 113/2011 de 29 de Novembro

Artigo 2º
Isenção de encargos com transporte não urgente
O transporte não urgente de utentes que seja instrumental à realização das prestações de saúde no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados.

Artigo 3º
Condições de isenção de encargos
1 — O SNS assegura na totalidade os encargos com o transporte não urgente prescrito aos utentes sempre que a situação clínica o justifique ou por carência económica.
2 — O SNS assegura, nos termos do presente artigo os encargos com o transporte não urgente dos doentes que necessitem impreterivelmente da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, e independentemente do número de deslocações mensais.
3 — As situações de prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada nos termos referidos nos números anteriores deverá ser objeto de prescrição única.

Artigo 4º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua publicação.

Assembleia da República, em 16 de setembro de 2014

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