O PCP votou contra os Projetos de Lei n.º 181/XIII/1.ª (PAN), n.º 217/XIII/1.ª (BE) e n.º 251/XIII/1.ª (PEV) tendo em conta as dúvidas que as iniciativas suscitam e os problemas adicionais que podem gerar, para os quais não há cabal resposta nos textos propostos.
Considera o PCP que os graves problemas que milhões de crianças continuam a viver em todo o mundo, como a pobreza, a fome, a doença, a falta de bens essenciais, a negação dos direitos à saúde, à educação, à cultura e à proteção social são questões centrais de que não se pode desviar a atenção e que constituem, elas mesmas inaceitáveis formas de ameaça ao pleno e saudável desenvolvimento das crianças e jovens que urge serem combatidas e debeladas.
A todas as crianças deve ser assegurada a igualdade de oportunidades, o direito à proteção, ao amor e ao afeto, ao respeito pela sua identidade própria, o direito à sua individualidade e dignidade social, o direito a serem desejadas o direito a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à segurança, à instrução e à educação.
Estes direitos são inseparáveis da obrigação do Estado no cumprimento efetivo dos direitos civis, sociais, económicos e culturais, bem como pelo assumir das responsabilidades para garantir, na prática da vida das crianças, os princípios da Constituição da República Portuguesa.
Hoje, no nosso País, a vida quotidiana de milhares de crianças país é marcada por negação de direitos, fenómeno que não podemos desligar das causas estruturais da pobreza, da política de direita das últimas décadas que foi, nos últimos anos, agravada de forma profunda com o Pacto de Agressão subscrito entre PS/PSD/CDS e UE/BCE/FMI e concretizado pelo anterior Governo PSD/CDS.
Estas são questões essenciais que deveriam ser tratadas no Dia Internacional da Criança, como fez o PCP com a apresentação de várias iniciativas legislativas.
Quanto à idade para a prática tauromáquica, este tema foi objeto de discussão na última legislatura, tendo o PCP questionado o então Secretário de Estado da Cultura sobre uma alteração inserida, que desvinculava o exercício destas atividades da escolaridade obrigatória e a passava a associar ao mínimo de 16 anos de idade. Os motivos para tal alteração nunca ficaram cabalmente esclarecidos, tendo o PCP sido o único partido a votar contra a inserção do n.º 4 do artigo 3.º da lei 31/2015.
Persistem as dúvidas sobre a equiparação entre atividade profissional e atividade amadora, situação que as propostas em discussão continuam a não resolver e que acabam mesmo por aprofundar. Se, por um lado, o exercício da atividade tauromáquica por menores a nível profissional é relativamente residual, já a participação em termos amadores é a mais comum e a mais generalizada nas comunidades em que a tauromaquia tem mais raízes.
Outro aspeto a ponderar é a necessidade de articulação entre a legislação sobre tauromaquia e aquela que já existe regulamentando não só a prestação de trabalho por menores, mas também a prática de atividades que envolvam perigo para os menores ou os exponham à violência. O facto é que a lei geral consagra a possibilidade de prestação de trabalho por menores de idade, cabendo ao empregador a responsabilidade de garantir a realização ao menor de exames de saúde que certifiquem a adequação da sua capacidade física e psíquica ao exercício das funções, para que do exercício da atividade profissional não resulte prejuízo para a saúde e para o desenvolvimento físico e psíquico do menor.
Acresce que nenhuma das propostas em discussão põe em causa a classificação da tauromaquia como espetáculo de natureza artística. Assim, nos termos do Decreto-Lei n.º 23/2014, de 14 de fevereiro, a tauromaquia tem a sua prática por menores de idade regulamentada no âmbito da participação em atividade de natureza cultural, artística ou publicitária, estando previstos inclusivamente os moldes em que deve ocorrer nos casos em que exista contacto com animais.
O PCP entende que não deve existir uma consideração isolada sobre as designadas situações de eventual perigosidade ou violência para os menores de idade, relembrando outros exemplos como os desportos motorizados ou de combate e mesmo a participação noutros espetáculos culturais e artísticos, como as artes circenses e a produção cinematográfica e televisiva que possam, em determinadas circunstâncias, envolver exposição dos menores ao perigo ou à violência.
Coloca-se também o problema de saber em que condições a fiscalização destas propostas seria possível e que consequências concretas resultariam da sua aprovação, considerando práticas e costumes de muitas comunidades. Como a experiência passada demonstra, não é solução e não se deve considerar como boa a ideia de que se deve determinar por decreto ou por lei o destino daquilo que é sentido por algumas comunidades como parte dos seus costumes e tradições populares. Não incumbe ao Estado a tarefa de programar e dirigir os seus valores culturais, antes lhe competindo garantir o acesso de todos aos meios e ferramentas que alicercem a emancipação cultural de toda a população e a construção de uma sociedade mais justa e avançada para todos.
O Projeto de Lei do BE, trazendo também ao debate de forma enviesada e não assumida a matéria relacionada com os matadores de toiros, desconsidera em absoluto toda a conflitualidade que se verificou no passado em torno dessa questão, propondo-se recolocar novamente por via da lei um problema que desde 2002 está tratado legalmente de forma relativamente pacífica.
Tendo em conta todos estes aspetos, torna-se claro na análise das presentes iniciativas que é insuficiente o critério estritamente baseado na idade de trabalho, que há a necessidade de articulação com o quadro legal já existente para as situações de eventual perigosidade ou de exposição a violência e que deve merecer consideração diferenciada o que é atividade profissional e o que é atividade amadora. Não ficam esclarecidas as razões pelas quais se afirma a necessidade de criação de um regime de exceção para os espetáculos tauromáquicos, nomeadamente quanto à natureza amadora da sua prática, havendo espetáculos de natureza distinta com índices de perigosidade iguais ou superiores em que reconhecida e habitualmente participam menores de idade.
O PCP, no respeito pela diversidade de opiniões e sensibilidades sobre o assunto, estará sempre disponível para uma análise global destes fenómenos, sempre guiada por critérios de seriedade e não pela exploração fácil e demagógica de assuntos reconhecidamente sensíveis para todos os mais diretamente envolvidos. O PCP defende e continuará, de forma diligente e empenhada, comprometido com a construção de um País onde os direitos das crianças existam na lei e na vida de todos os dias.
Assembleia da República, 6 de junho de 2016