Projecto de Lei

Regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados

 

Aprova o regime de regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados

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Preâmbulo

 

A Lei da Imigração (Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho) que se encontra em vigor resultou de um longo e intenso trabalho de discussão na especialidade das iniciativas legislativas apresentadas pelo Governo e pelo PCP e representou um passo positivo nas políticas de imigração em Portugal. A aprovação dessa lei inverteu um ciclo legislativo iniciado em 1993, marcado por sucessivas tentativas de fechar as portas à imigração legal e por restrições drásticas aos direitos dos estrangeiros. Foi um ciclo marcado por sucessivas revisões das leis da imigração que redundaram em clamorosos fracassos e que só contribuíram para fazer aumentar o drama social da imigração clandestina.

Sucede porém que, tal como o PCP alertou na declaração de voto entregue em 10 de Maio de 2007, na legislação aprovada, permaneceram aspectos negativos que são estruturantes e com os quais o PCP não se identifica, de que são exemplos, a manutenção de um sistema de quotas no acesso dos imigrantes ao emprego, ainda que com um carácter simbólico, e a inexistência de um mecanismo legal permanente capaz de permitir a regularização da situação de cidadãos que, residindo e trabalhando em Portugal desde há muito tempo, permanecem indocumentados por não conseguirem reunir todas as condições exigidas na Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, para a obtenção de autorização de residência.

A lei de 2007, tendo sido um passo importante e positivo em face da situação anterior, não resolveu todos os problemas que seria importante resolver, e não conseguiu acabar com o flagelo da imigração clandestina e do trabalho ilegal. Como é reconhecido por todos, permanecem em Portugal muitos cidadãos não nacionais que trabalham honestamente, que procuram entre nós as condições de sobrevivência que não têm nos seus países de origem, e que vivem no nosso país, alguns deles desde há muitos anos, em situação irregular, com todo o cortejo de dificuldades que essa situação implica quanto à sua integração social.

Se a imigração é um bem indiscutível para a comunidade nacional, já a imigração ilegal constitui um verdadeiro flagelo social a que urge pôr cobro, através de um combate sem tréguas às redes de tráfico de pessoas, e através de uma política que, em vez de penalizar as vítimas, permita a sua justa integração na comunidade social com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes.

Para o PCP, a solução não passa pela reabertura de um processos extraordinários de regularização, limitados no tempo, que repetissem os erros de processos anteriores e que, a prazo, deixassem tudo na mesma. E não passa, tão-pouco, por mecanismos excepcionais e discricionários de regularização.

A situação dos indocumentados em Portugal constitui uma flagrante violação de direitos fundamentais dos cidadãos. E o Governo não o ignora. O Governo não ignora que permanecem em Portugal milhares de cidadãos estrangeiros que procuraram o nosso país em busca de condições de sobrevivência e que trabalham em diversos sectores da actividade económica sem quaisquer direitos, em alguns casos mesmo sem direito ao salário, beneficiando patrões sem escrúpulos que lucram com a chantagem que a situação irregular desses trabalhadores possibilita.

A integração social plena dos cidadãos estrangeiros que se encontram a residir e a trabalhar em Portugal é uma obrigação indeclinável do Estado português. Só por essa via será possível pôr fim à exploração infame a que esses trabalhadores estão sujeitos, respeitar os seus direitos mais elementares, e evitar a eclosão entre nós de manifestações racistas e xenófobas que estão tristemente a ensombrar a Europa nos nossos dias.

O racismo e a xenofobia não se combatem com a exclusão social dos imigrantes, cedendo a pressões racistas e xenófobas. Combatem-se precisamente com a integração social, tratando todos os cidadãos com a dignidade a que, como seres humanos, têm direito.

O PCP propõe assim, através do presente projecto de lei, que os cidadãos estrangeiros que se encontrem a residir em Portugal sem a autorização legalmente necessária possam obter a sua legalização desde que disponham de condições económicas mínimas para assegurar a sua subsistência e, em qualquer caso, desde que tenham cá residido permanentemente desde momento anterior à entrada em vigor da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

Propõe-se de igual modo a adopção de processos de decisão dotados de transparência, correcção e rigor, a concessão de autorização provisória de residência aos cidadãos que tendo requerido a sua regularização aguardem decisão final, a aplicação extensiva da regularização ao agregado familiar dos requerentes e a adopção de mecanismos de fiscalização democrática do processo através do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração e, em última instância, pela própria Assembleia da República.

No momento em que o presente Projecto de Lei é apresentado, assinalando o 2.º aniversário da lei da imigração em vigor, não existem já possibilidade de garantia a sua apreciação na presente legislatura, que se encontra já praticamente concluída. Porém, pretende o Grupo Parlamentar do PCP com a sua apresentação, deixar um sinal claro quanto à sua posição política em matéria de imigração, assumindo desde já o compromisso de, na próxima legislatura, retomar todo o seu conteúdo, sem prejuízo da apresentação de uma iniciativa legislativa de revisão global da legislação aplicável à imigração.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

(Objecto)

A presente lei regula os termos e as condições aplicáveis à regularização da situação dos cidadãos não nacionais que se encontrem a residir em Portugal sem a necessária autorização legal e que não possam proceder à sua regularização nos termos previstos na Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

Artigo 2.º

(Condições de admissibilidade)

1 - Os cidadãos que se encontrem a residir em Portugal sem a autorização legalmente necessária podem requerer a regularização da sua situação desde que demonstrem:

•a)     Dispor de condições económicas mínimas para assegurar a sua subsistência, designadamente através do exercício de uma actividade profissional remunerada por conta própria ou de outrém;

•b)     Permanecer no território nacional desde data anterior a 4 de Julho de 2007.

2 - A situação de desemprego involuntário não obsta à regularização desde que o requerente demonstre ter exercido uma actividade profissional nos termos na alínea a) do número anterior.

3 - Podem ainda requerer a regularização nos termos da presente lei os cidadãos que, à data da apresentação do requerimento, demonstrem residir permanentemente em Portugal desde data anterior a 4 de Julho de 2007.

Artigo 3.º

(Condições de exclusão)

Não podem beneficiar da regularização prevista na presente lei, os cidadãos que:

•a)     Se encontrem em qualquer das circunstâncias previstas como fundamento de expulsão do território nacional, com excepção da entrada irregular no País e do desrespeito das leis portuguesas referentes a estrangeiros.

•b)     Tendo sido expulsos do País, se encontrem no período de subsequente interdição de entrada no território nacional.

Artigo 4.º

(Excepção de procedimento judicial)

1 - Os cidadãos que requeiram a regularização da sua situação nos termos da presente lei não são susceptíveis de procedimento judicial com base em infracções à legislação laboral ou à relativa à entrada e permanência em território nacional.

2 - As entidades empregadoras que declarem as situações de irregularidade de emprego nelas praticadas em relação aos cidadãos que requeiram a regularização da sua situação nos termos da presente lei, não são passíveis de procedimento judicial, nem lhes é aplicável o regime correspondente às transgressões decorrentes de tal facto.

Artigo 5.º

(Suspensão e extinção da instância)

1 - Até à decisão final dos requerimentos, apresentados no âmbito da presente lei, é suspenso todo o procedimento administrativo ou judicial que tenha sido movido aos requerentes por infracções à legislação sobre imigração.

2 - A decisão de regularização favorável ao requerente produzirá o efeito da extinção da instância.

Artigo 6.º

(Apresentação dos requerimentos)

Os cidadãos que pretendam beneficiar da faculdade conferida pela presente lei devem apresentar os seus requerimentos:

•a)     Ao Governador Civil da área da sua residência ou ao Representante da República, caso residam em Região Autónoma.

•b)     Na sede ou nas delegações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Artigo 7.º

(Elementos constantes dos requerimentos)

1 - O requerimento a apresentar nos termos da presente lei deve ser assinado pelo requerente, deve conter o seu nome completo, data de nascimento, estado civil, naturalidade, filiação, nacionalidade, lugar de residência habitual, actividade exercida e deve ser acompanhado por uma fotografia.

2 - O requerimento deve ser instruído com a prova da data de entrada do requerente em território nacional, que consistirá em documento ou em outro meio de prova bastante.

3 - Caso o requerente formule a sua pretensão ao abrigo do n.º 1 do artigo 2.º, deve ainda instruir o requerimento com documento comprovativo da existência de rendimentos próprios ou declaração de exercício de actividade remunerada, a qual, sendo exercida por conta de outrém, deve ser emitida pela respectiva entidade empregadora.

4 - Caso não seja possível, por motivo não imputável ao requerente, obter da entidade empregadora a declaração referida no número anterior, pode esta ser substituída por declaração emitida por um sindicato representativo do sector em que o requerente exerça a sua actividade, ou ser feita pelo próprio requerente desde que a sua veracidade seja confirmada por duas testemunhas devidamente identificadas.

5 - O agregado familiar do requerente, constituído para os efeitos da presente lei, pelas pessoas que com ele residam em economia comum, deve ser identificado nos termos exigidos no n.º 1 para que lhe seja extensivamente aplicado o regime estabelecido na presente lei.

6 - As entidades habilitadas para a recepção dos requerimentos devem solicitar ao centro de Identificação Civil e Criminal, por telecópia ou por outro meio expedito, o certificado de registo criminal dos requerentes para instrução do processo.

Artigo 8.º

(Autorização provisória de residência)

1 - A entidade receptora dos requerimentos apresentados na presente lei deve emitir um documento comprovativo da sua recepção, a entregar ao requerente, que funciona como autorização provisória de residência para os cidadãos abrangidos até à decisão definitiva sobre a sua situação.

2 - O documento referido no número anterior tem a validade de 90 dias, prorrogáveis por iguais períodos até que seja tomada uma decisão definitiva sobre a situação do seu titular.

Artigo 9.º

(Processo de decisão)

1 - A decisão sobre os requerimentos apresentados nos termos da presente lei compete ao Ministro da Administração Interna, sendo precedida de parecer do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

2 - Nos 30 dias seguintes à apresentação de qualquer requerimento pode o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras solicitar ao requerente a junção de elementos em falta.

3 - Os elementos a solicitar devem sê-lo directamente para o endereço indicado pelo requerente, por carta registada com aviso de recepção, devendo a resposta deste efectuar-se no prazo máximo de 30 dias.

4 - A decisão final favorável ao requerimento apresentado, com a aplicabilidade extensiva ao agregado familiar, implica a concessão de autorização de residência nos termos legais.

5 - De decisão desfavorável ao requerimento apresentado cabe recurso contencioso que suspende os efeitos dessa decisão até trânsito em julgado.

Artigo 10.º

(Aplicação extensiva)

A regularização obtida ao abrigo da presente lei é extensiva aos membros da família do requerente, definidos nos termos do artigo 99.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

Artigo 11.º

(Acompanhamento)

1 - Compete especialmente ao Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração acompanhar a aplicação da presente lei.

2 - Para os efeitos previstos no número anterior deve o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras fornecer ao Conselho Consultivo toda a informação pertinente relativa à aplicação da presente lei, designadamente sobre os requerimentos entrados, deferimentos, indeferimentos e respectivas causas.

3 - O acompanhamento da aplicação da presente lei efectua-se designadamente através de reuniões regulares com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sem prejuízo de outras providências que o Conselho Consultivo entenda adoptar.

4 - Com vista ao acompanhamento adequado da aplicação da presente lei o Conselho Consultivo tem acesso a todos os documentos constantes dos processos individuais de regularização e pode pronunciar-se junto do SEF sobre a correcção dos procedimentos utilizados por este Serviço.

5 - Compete ainda ao Conselho Consultivo apresentar à Assembleia da República um relatório sobre a aplicação da presente lei, passado um ano sobre a sua entrada em vigor, ou antes, se o entender conveniente.

Assembleia da República, 7 de Julho de 2009

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