Projecto de Lei N.º 452/XV/1.ª

Regime extraordinário de protecção da habitação própria face ao aumento dos encargos com o crédito à habitação

Exposição de motivos

A atual situação do País está marcada pela acelerada degradação das condições de vida com o aumento dos preços e a perda de poder de compra a pesarem cada vez mais e os salários e as pensões a darem para cada vez menos, ao mesmo tempo que os grupos económicos acumulam milhares de milhões de euros de lucros.

No centro das preocupações das famílias está, entre outros, o problema da habitação e, em particular, o significativo aumento das taxas de juro e das prestações do crédito à habitação e a perspetiva da continuação destes aumentos.

A manter-se o aumento das taxas de juro (designadamente da Euribor), milhares de famílias podem vir a ser colocadas, a breve prazo, numa situação em que não conseguem suportar o pagamento das prestações do crédito bancário, ficando ameaçadas de perder a sua habitação.

Perante este problema, são necessárias medidas urgentes que deem às famílias segurança quanto à possibilidade de manterem a sua habitação e que contribuam para evitar situações de empobrecimento e incumprimento generalizado que teriam profundas consequências negativas no plano social e também inegáveis impactos negativos no sistema financeiro.

O Regime de Proteção da Habitação Própria que o PCP propõe consiste num conjunto de medidas que podem ser aplicadas isolada ou conjugadamente de forma que:

  1. a subida das taxas Euribor tenha como primeira consequência a redução das margens de lucro dos bancos que resultam de um conjunto de custos e encargos associados aos créditos à habitação (taxas e comissões bancárias, seguros, anuidades de cartões de crédito, etc), assegurando que a totalidade dos encargos com o crédito (amortização de capital, juros, outros custos e encargos) não ultrapasse o valor definido no início do contrato da Taxa Anual Efetiva Global (TAEG);
  2. os contratos de crédito à habitação possam ser renegociados considerando um limite de 35% de taxa de esforço e havendo extensão do prazo para pagamento do crédito;
  3. possa ser aplicada uma moratória de capital no pagamento do empréstimo (envolvendo dispensa de amortização de capital e limitação do pagamento de juros a uma taxa igual àquela que é utilizada para o financiamento dos bancos) por um período máximo de 2 anos, sendo o prazo de pagamento do empréstimo automaticamente prolongado por período idêntico;
  4. a entrega da casa ao banco (dação em cumprimento) seja admitida sem possibilidade de oposição do banco e de forma a que a dívida seja considerada integralmente extinta e que quem entrega a casa possa ser compensado se ela for vendida posteriormente por um valor superior ao que foi considerado aquando da entrega;
  5. nas situações em que a casa for entregue ao banco ou vendida a um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional haja a possibilidade de manutenção da habitação a título de arrendamento, podendo posteriormente ser retomado o crédito.

Este Regime de Proteção da Habitação Própria corresponde a necessidades que são já hoje sentidas por milhares de famílias e que, em breve, serão ainda mais generalizadas.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

  1. A presente lei cria um regime extraordinário de proteção da habitação própria face ao aumento dos encargos com o crédito à habitação, doravante designado Regime de Proteção da Habitação Própria.
  2. O Regime de Proteção da Habitação Própria estabelecido na presente lei aplica-se a todos os contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação destinado à aquisição, construção ou realização de obras de conservação e de beneficiação de habitação própria permanente.
  3. O Regime de Proteção da Habitação Própria é imperativo para as instituições de crédito mutuantes.
  4. A aplicação das medidas previstas no Regime de Proteção da Habitação Própria não prejudica a aplicação de condições mais favoráveis pelas instituições de crédito.
  5. A aplicação das medidas previstas no Regime de Proteção da Habitação Própria não pode ser invocada como fundamento para a aplicação de restrições, condicionamentos ou limitações do acesso ao crédito a quem a elas recorra.

Artigo 2.º

Definições

Para os efeitos previstos na presente lei entende-se por:

  1. «Crédito à habitação» os contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de crédito à habitação destinado à aquisição, construção ou realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação de habitação própria permanente;
  2. «Habitação própria permanente» a habitação onde o mutuário ou este e o seu agregado familiar mantêm, estabilizado, o seu centro de vida familiar;
  3. «Prestações» os montantes pagos periodicamente correspondentes à amortização de capital e aos juros;
  4. «Outros custos e encargos com o crédito» os custos e encargos que concorrem para a formação da Taxa Anual Efetiva Global (TAEG), acrescentando-se à Taxa Anual Nominal (TAN), sejam fixos ou variáveis, pagos de uma única vez ou em prestações periódicas, designadamente:
    1. Taxas e comissões bancárias de abertura do processo de crédito, de avaliação do imóvel, de manutenção de conta ou outras associadas ao processo de contratação do crédito;
    2. Prémios de seguros associados;
    3. Custos e encargos associados a vendas de produtos e serviços associadas facultativas ao contrato de crédito que constituam condição de redução do spread ou outro tipo de bonificação das condições contratuais;
  5. «Comissões» as prestações pecuniárias exigíveis pelas instituições de crédito aos clientes como retribuição por serviços prestados, diretamente ou através de terceiros, no âmbito da sua atividade;
  6. «Taxa de esforço» o rácio entre o montante da prestação e outros custos e encargos mensais com o crédito à habitação a que fica sujeito o agregado familiar e 1/14 do seu rendimento anual líquido.

Artigo 3.º

Redução de taxas, comissões bancárias e outros custos e encargos em face do aumento das taxas Euribor

  1. O aumento das taxas Euribor relevantes para efeitos do crédito à habitação determina a redução correspondente, de igual valor e proporcional dos outros custos e encargos com o crédito, de forma que não seja ultrapassado o valor da TAEG fixado no início do contrato.
  2. A identificação dos custos e encargos previstos no número anterior é feita a partir dos elementos constantes da Ficha de Informação Normalizada Europeia e do contrato de mútuo.

Artigo 4.º

Renegociação mediada do crédito à habitação

  1. É criado um processo de renegociação mediada do crédito à habitação.
  2. A renegociação mediada do crédito à habitação é realizada, sem direito de oposição pelas instituições de crédito:
    1. a requerimento do mutuário quando a taxa de esforço:
      1. ultrapasse os 35%; ou
      2. sendo originariamente superior a 35%, aumente em pelo menos 2 pontos percentuais (p.p.);
    2. por iniciativa do banco, com caráter obrigatório, sempre que a taxa de esforço seja igual ou superior a 50%.
  3. A renegociação prevista nos números anteriores é mediada, nos termos previstos nos números seguintes, por equipas técnicas a constituir pelo Banco de Portugal (BdP).
  4. A renegociação mediada do crédito à habitação consiste:
    1. na redução do montante das prestações correspondentes ao capital e aos juros, tal como definidas no contrato de crédito à habitação, abrangendo proporcionalmente juros e amortização de capital, até ao montante correspondente a uma taxa de esforço máxima de 35%;
    2. na aplicação dessa redução por um período entre 6 a 12 meses, renovável a pedido do mutuário até um período máximo de 24 meses;
    3. na extensão da maturidade do crédito por um período correspondente àquele por que vier a ser aplicada a redução das prestações, mesmo que ultrapassando os limites definidos pelo BdP para os contratos de mútuo bancário.
  5. Os rendimentos relevantes para cálculo da taxa de esforço são os existentes à data da renegociação das condições do crédito e são apurados pela média dos rendimentos obtidos nos seis meses anteriores.
  6. A comprovação dos rendimentos referidos no número anterior pode ser feita pelos respetivos recibos de vencimento ou, quando não exista essa possibilidade, por outros documentos idóneos, sem exigência de formalidades especiais.
  7. As equipas do BdP são responsáveis pela verificação das condições previstas no presente artigo.
  8. O prazo para a conclusão da renegociação é de 30 dias, cabendo ao Governo a responsabilidade pela regulamentação do respetivo procedimento.
  9. As condições resultantes da renegociação do crédito aplicam-se às prestações vencidas após o prazo de 30 dias previsto no número anterior.

Artigo 5.º

Moratória de capital

  1. A requerimento do mutuário, é aplicada uma moratória de capital aos contratos de mútuo bancário destinados à aquisição de habitação própria e permanente, nos termos dos números seguintes.
  2. A moratória de capital referida no número anterior determina a possibilidade de não pagamento da amortização de capital e apenas de juros, não implicando a constituição em mora, o vencimento antecipado do contrato ou o incumprimento contratual
  3. O pagamento de juros previsto no número anterior é feito a uma taxa correspondente à que tiver sido utilizada pelo Banco Central Europeu no financiamento bancário ou à que tiver sido aplicada ao banco na operação de financiamento no mercado interbancário, consoante a que seja mais baixa, considerando a mais recente à data do vencimento da prestação.
  4. O requerimento referido no n.º 1 é apresentado sob a forma e utilizando os meios previstos contratualmente para as comunicações entre o mutuário e a instituição de crédito, produzindo efeitos desde a data da sua apresentação.
  5. A moratória é aplicada pelo período requerido pelo mutuário, não podendo ser superior a um ano na sua aplicação inicial nem superior a dois anos no conjunto das renovações.
  6. A renovação do período de carência está sujeita às condições previstas para o requerimento inicial.
  7. A aplicação da moratória de capital prevista neste artigo determina a extensão da maturidade do contrato por período idêntico à duração total da moratória, , mesmo que ultrapassando os limites de maturidade máxima dos contratos de mútuo bancário definidos pelo Banco de Portugal, não podendo constituir motivo justificativo para alteração das demais condições contratuais.

Artigo6.º

Dação em cumprimento

  1. A dação em cumprimento é admitida no crédito à habitação sem possibilidade de oposição da instituição de crédito.
  2. O valor a considerar para efeitos da amortização da dívida é o do valor da avaliação do imóvel realizada aquando da concessão do crédito ou da que for realizada no momento da dação, consoante o que for mais elevado.
  3. Se, passados cinco anos da dação em cumprimento, se verificar que o imóvel foi vendido por valor superior ao montante da avaliação relevante no momento da dação, a instituição de crédito mutuante fica obrigada a entregar ao mutuário a diferença entre o valor em dívida à data da dação e o da venda mais elevada que se verificar naquele período, independentemente de quem proceder a essa venda.
  4. Se, naquele período, não se verificar nenhuma venda do imóvel por valor superior, considera-se a amortização feita nos termos do n.º 2.
  5. Se, dentro do prazo de cinco anos previsto no n.º 3, o imóvel não for vendido pela instituição de crédito mutuante, o mutuário pode requerer a anulação da dação em cumprimento, retomando-se o contrato de crédito a partir dessa data nas condições existentes à data da dação.

Artigo 7.º

Conversão em arrendamento para habitação

  1. Em caso de dação em cumprimento de imóvel que constitua habitação própria permanente ou de alienação de imóvel que constitua habitação própria permanente a Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), o mutuário ou vendedor tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário.
  2. Nas situações previstas no número anterior é aplicado o regime da renda condicionada com as seguintes especificidades:
    1. a aplicação do regime depende apenas de requerimento do mutuário ou vendedor no momento da dação em cumprimento ou alienação;
    2. a transmissão relevante, para efeitos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 80/2014, de 19 de Dezembro, é a referida no n.º 1 do presente artigo;
    3. a renda anual não pode ser superior a 2% do total do capital em dívida à data da dação em cumprimento ou alienação.
  3. No prazo de 10 anos a partir da conversão em arrendamento, o arrendatário pode readquirir o imóvel pelo valor equivalente ao montante do capital em dívida à data da dação em cumprimento ou da alienação, deduzido do valor total das rendas entretanto pagas.

Artigo 8.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

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