Projecto de Resolução N.º 1258/XII/4.ª

Recomenda medidas de proteção ao setor da pesca da sardinha e aos pescadores e armadores da pesca do cerco

Recomenda medidas de proteção ao setor da pesca da sardinha e aos pescadores e armadores da pesca do cerco

1.Importância da pesca da sardinha em Portugal

A sardinha foi durante muito tempo a espécie mais capturada em Portugal. A sua abundância e o seu baixo valor popularizaram-na como o peixe das classes populares e dos mais pobres. Hoje em dia é uma espécie muito apreciada de forma geral e até bastante valorizada. Numa análise às capturas dos últimos 10 anos, constatamos que até 2011 essas capturas situavam-se acima das 50.000 toneladas. O ano de 2009 foi o mais produtivo destes 10 com a captura de 65.000 toneladas. A partir de 2011 inicia-se uma quebra acentuada que fez com que as capturas passassem das 55.000 toneladas nesse ano para as 14.000 capturadas no ano passado, o mesmo valor que, já se sabe, poderá ser capturado em 2015. Assim, em dois anos consecutivos, 2014 e 2015, as capturas de sardinha ficarão, pelo menos, 40.000 toneladas abaixo do que era habitual entre 2007 e 2011.

Capturas de sardinha em Portugal nos últimos 10 anos
Ano 2004* 2005* 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Capturas (t) 51250 50560 48096 58201 65330 55159 58121 55222 31334 27669
Capturas (M€) 31,2 33,1 26,3 37,1 42 38,8 37,3 42 40,8 39,7

Fonte: INE – Estatísticas da Pesca
*Nestes anos a indicação é de pescado descarregado e não capturado

O atual Governo PSD/CDS mencionou, na Assembleia da República, que o problema da sardinha se iniciou na década de 90 do século passado. Até aí o stock era muito abundante, depois começou a reduzir e reduziu mais abruptamente deste 2006, quando ainda havia biomassa, mas os níveis de mortalidade eram altos e níveis de recrutamento baixos. Sabe-se que a pesca poderá ter alguma implicação na recuperação da biomassa, contudo há um conjunto de condições climatéricas que muito influenciam o recrutamento.

Com a oscilação das capturas podemos observar um comportamento diferenciado da oscilação do valor. Até 2010 a variação de valor acompanha a variação do volume capturado, mas a partir de 2011 dá-se uma acentuada redução do volume não se reduzindo o valor proporcionalmente, ou seja, a partir de 2011 e relacionado com a redução da sardinha disponível, há uma valorização acentuada da mesma.

Fonte: INE - Estatísticas da Pesca

2. Paragem na pesca da sardinha

A paragem da pesca da sardinha foi determinada através da Portaria nº 188-A/2014, de 19 de setembro, que produziu efeitos a 20 de setembro e determinou a paragem até ao final do ano.

Pela primeira vez critérios científicos determinaram a paragem de pesca da sardinha, com o objetivo de salvaguarda do stock. Essa paragem foi determinada para as zonas de divisão estatística do ICES VIIIC e IXA. As zonas VIIIC e IXA são as zonas correspondentes à Península Ibérica, entre o golfo da Biscaia e Cádis. A zona IXA está mais próxima do território nacional uma vez que se situa entre Vigo e sul de Portugal. Estas duas zonas são de gestão conjunta entre Portugal e Espanha correspondendo aproximadamente 2/3 do stock a Portugal e 1/3 a Espanha.

Esta paragem não foi claramente aceite pelo setor. Em primeiro lugar porque os armadores e os pescadores tinham a perceção de que havia muita sardinha. Noutros anos notaram falta de sardinha e não houve paragem, este ano notavam abundância, pelo menos no centro e sul e houve paragem. Para os portugueses a dúvida quanto às condições do stock estava no facto de a frota do cerco estar parada e apesar disso, continuar a haver sardinha no mercado.

O Grupo Parlamentar do PCP tem insistido no esclarecimento e na publicidade dos estudos científicos que determinaram as paragens. Como também tem pedido ao Governo esclarecimentos sobre a compatibilização da informação entre Portugal e Espanha, face à necessidade de gestão conjunta do stock partilhado. Tem ainda procurado que se garanta que Espanha não continua a pescar nas zonas de interdição, nomeadamente procurando as garantias de que a sardinha que Espanha descarrega nos portos fora das zonas em paragem não provinha das zonas que estavam paradas.

No final do mês de setembro de 2014, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um requerimento para audição do Secretário de Estado do Mar sobre esta problemática. Sob proposta do PCP, este governante veio à Assembleia da República prestar esclarecimentos sobre a matéria.

Está colocado um grande problema ao setor, não só pela redução drástica do volume das capturas mas também pelos períodos de paragem que afetam armadores e principalmente os pescadores, que sem ida ao mar não têm qualquer rendimento. O período de paragem no final do ano passado, somado à paragem de defeso no início deste ano, acumulará quase 6 meses de paragem para as embarcações. Poderá uma atividade económica sobreviver muito tempo estando metade do ano parada? E as previsões para 2015 são de manutenção deste cenário.

3. Acompanhamento e investigação

O Governo criou um grupo de acompanhamento da sardinha onde estão representados os armadores, através das Organizações de Produtores, o IPMA e o Governo. O grupo de trabalho deixou de fora os trabalhadores do setor, o que na perspetiva do PCP é inadmissível, uma vez que o setor das pescas até é daqueles em que tem sido possível haver uma plataforma informal que congrega armadores e sindicatos e tem falado a uma voz sobre os seus problemas.

Este grupo de trabalho já foi utilizado pelo Governo para afirmar que nenhuma das paragens era feita à margem do conhecimento do setor. O Governo assume mesmo que todas as medidas tomadas neste processo foram e são articuladas com a comissão de acompanhamento. O Governo quer legitimar a sua intervenção com o facto dela ser discutida por uma comissão de acompanhamento que só integra as Organizações de Produtores (OP) ficando de fora os armadores não organizados e os pescadores, pelo que é errado afirmar-se que são discutidas com todo o setor.

Também na área da investigação não houve resposta às exigências que se colocaram. São conhecidas e não negadas as dificuldades dos laboratórios de Estado e da investigação pública. Muitos investigadores falam mesmo na destruição dos laboratórios do Estado por via do seu subfinanciamento. Mas em matéria específica de investigação marinha pode também haver problemas acrescidos. Desde logo, há quatro anos que o Governo vem inscrevendo no Orçamento do Estado as verbas para aquisição de um navio para substituir o navio oceanográfico Noruega, sem que até ao momento isso se tenha concretizado. Dizia o Secretario de Estado do Mar, já este ano e após três anos de queda no volume de capturas, que tinha sido recentemente adquirido novo material para investigação, nomeadamente sondas de inventariação de biomassa, o que coloca, desde logo, a dúvida sobre se os stocks estão em declínio há algum tempo porque só agora se reforça a capacidade de investigação? É lógico que isso deveria ser tido feito há mais tempo.

4. Apoios na paragem

Com a fixação da paragem a 19 de setembro não foram fixados critério de apoio. Esses critérios surgiram passados 10 dias, através da Portaria nº 198-A/2014, de 2 de outubro, que publicou o Regulamento do Regime de Apoio à Cessação Temporária das Atividades de Pesca da Sardinha com Recurso a Artes de Cerco. Este apoio à cessação temporária previa o pagamento por imobilizações até 90 dias e teve início apenas a 15 de outubro.

Segundo o Governo, aderiram aos apoios à cessação temporária cerca de 54% das embarcações, correspondendo a 2.300 pescadores. Nestes apoios, o Governo terá pago 4 milhões de euros, entregues aos pescadores e às embarcações. Ainda segundo o Governo, os restantes 46% das embarcações continuou a pescar e encontrou alternativas que passaram pela procura de mercados que valorizem mais as espécies capturadas. O setor refere que a frota do cerco não está preparada para outras capturas mas o Secretario de Estado do Mar diz que não é verdade que a frota do cerco precise de adaptação para pescar outras espécies e que está preparada para apanhar as espécies que têm sido apanhadas como alternativa. Oculta o governante, contudo, que muitas das espécies alternativas se encontram completamente desvalorizadas.

Aconteceu que à paragem que ocorreu até 31 de dezembro de 2014, sucedeu-se a paragem para defeso que ocorre habitualmente todos os anos. Esta segunda paragem decorrerá pelo período de dois meses, faseadamente, ente 15 de janeiro e o final de abril. Contudo, esta nova paragem, ocorrendo pela primeira vez após mais de três meses de uma paragem prévia, continua sem ser apoiada. O Secretário de Estado do Mar, confrontado pelo PCP com a necessidade de apoiar a paragem por defeso, não considera a excecionalidade da situação e garantiu que não haverá apoios.

Esclarecido que não haverá apoios na paragem para o defeso biológico, uma vez que ele está previsto e acontece todos os anos, o Governo não esclarece como serão os apoios para eventuais paragens após o defeso. É já claro que, estando os limites de captura fixados para 2015 em igual valor que em 2014 – 14.000 toneladas -, haverá novo período de paragem da frota do cerco em 2015 e o Governo nada esclarece sobre apoios a esta nova paragem. Subsiste a suspeita de que o Governo não previu apoios a estas paragens. O facto de a Comissão Europeia afirmar que não foi contactada pelo Estado português sobre apoios a essas paragens confirmam isso mesmo.

Certeza existe de que a paragem biológica que decorrerá entre 15 de janeiro e final de abril não será compensada como o não é todos os anos. Por este facto tornou-se normal, nomeadamente a norte, que os trabalhadores vão para o fundo de desemprego no período de paragem biológica, com efeitos claros nos direitos a indeminizações em caso de despedimento e no período a que têm direito ao subsídio de desemprego. É uma precarização que não deveria existir, até porque muitas vezes aqueles trabalhadores continuam a desenvolver trabalho em terra.

O Governo já afirmou que as medidas de gestão do stock já estão definidas até ao final de maio e incluem a limitação de descargas a 4.000 toneladas. Em Espanha o limite para este período são 1.000 toneladas. Não existe qualquer definição para além de maio, tal como não estão definidas medidas de fundo para fazer face à situação excecional de, pelo menos, dois anos de seguida as capturas terem baixado para as 14.000 toneladas. O Governo nada refere para além das medidas que já estão definidas até maio.

5. Indústria conserveira

A disponibilidade de sardinha tem uma relação estreita com o futuro da indústria conserveira. O Governo tem vindo a fazer grande alarido e capitalização política com a instalação de novas unidades conserveiras. Ainda em meados do ano passado foram anunciados investimentos do setor conserveiro de 105 milhões de euros, cujos investimentos estavam em execução ou já aprovados e mais 23 milhões de euros em análise. O futuro de muito deste investimento estará dependente da disponibilidade de sardinha. Durante a paragem, as unidades estiveram a funcionar com sardinha refrigerada vinda de Espanha e começaram, na fase final da primeira paragem, a reduzir os seus níveis de produção. O fomento destas unidades poderá ser para que a curto prazo fechem portas ou para que passem a fortes importadores de matéria-prima. É legítimo, pois, que se equacione o futuro do setor.

6. Implicações económicas e sociais

As dificuldades que decorrem da anunciada redução dos stocks de sardinha e da consequente paragem da frota podem colocar em causa o futuro da pesca do cerco no nosso país, que não se pode manter enquanto atividade sazonal. Se isto acontecer quem fica a operar são os grandes armadores da pesca industrial - os arrastões. Esta situação coloca em causa o sector produtivo, milhares de trabalhadores da pesca e portos de pesca (considerando que só as lotas têm mais de 500 em todo o país) que assentam quase toda a atividade em torno da pesca do cerco.

Dezenas de empresas que realizaram investimentos dimensionados para a quantidade de sardinha que capturavam podem ter de encerrar portas atirando para o desemprego milhares de trabalhadores. A realidade e as dificuldades que os trabalhadores e os pequenos empresários do sector atravessam são contrárias à imensa propaganda que o governo faz em relação à economia do mar.

O histórico do país em matéria de pescas, nomeadamente por via da integração na União Europeia, é de redução drástica da frota nacional e do número de pescadores, beneficiando frotas de outros países que continuaram a pescar e a vender a Portugal. Entre 1990 e 2012, em Portugal, a frota de pesca reduziu 48%, o número de empregos na pesca reduziu 58% (de 31.330 para 13.156), a quantidade de pescado capturado reduziu 37% e o grau de autoaprovisionamento passou de 79% para 43%. Com esta situação, outros países – incluindo mesmo a Espanha que continua a pescar sardinha em determinadas zonas – podem inundar o nosso mercado e a nossa indústria, em prejuízo do setor das pescas e do país.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte

Projeto de Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo:

1. Sobre a fundamentação científica das medidas e a informação e esclarecimento de pescadores e armadores:

a. Devem ser do conhecimento público, com explícita informação às estruturas do sector – de armadores e de pescadores – todos os estudos e relatórios que fundamentam as medidas extraordinárias de cessação temporária e as drásticas reduções fixadas para as quotas de captura em 2014 e 2015;
b. Deve ser constituído no âmbito do IPMA um grupo de trabalho permanente, que inclua armadores e pescadores, dotado de meios e recursos humanos suficientes para um acompanhamento sistemático do problema e uma pronta articulação com as estruturas do sector;

2. Sobre as medidas de apoio necessárias para a cessação temporária e para o período normal de defeso:

a. Devem ser avaliados qualitativa e quantitativamente, em colaboração com as estruturas do sector, os apoios concedidos durante a cessação extraordinária verificada entre 19 de setembro e 31 de Dezembro de 2014, fixados pela Portaria nº 198-A/2014 de 2 de Outubro, tendo em vista a sua possível reformulação em próximos períodos;

b. Face ao impacto agravante que o período habitual de defeso realizado entre Janeiro e Abril de cada ano tem na atual situação económica e social da frota de cerco, por se seguir ao período de cessação extraordinária, o Governo deve criar um apoio extraordinário nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 33º do Regulamento (UE) 508/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, onde se estabelece que o “FEAMP pode apoiar (…) os períodos de defeso”;

c. Devem igualmente ser avaliadas as consequências para a indústria conserveira e tomadas as medidas adequadas para que as paragens travem processos prolongados de degradação económica e/ou o recurso a matéria-prima de baixa qualidade;

3. Sobre o controlo e gestão da sardinha vendida nos mercados nacionais:

a. Devem ser desenvolvidas medidas regulamentares para a identificação da origem da sardinha vendida – nacionalidade da frota, zonas de captura conforme a divisão estatística do ICES, agente intermediário entre a 1ª e a 2ª venda - em mercados nacionais, dinamizando igualmente a intervenção da ASAE na verificação do cumprimento da regulamentação;

b. Solicitar à Comissão Europeia a obtenção dos mesmos dados relativamente à sardinha comercializada noutros estados membros, visando que a disciplina imposta à pesca da frota de cerco portuguesa seja por todos cumprida;

4. Sobre medidas extraordinárias de apoio à pesca de cerco:

a. Promover medidas de valorização do preço de 1ª venda das diversas espécies capturadas pela frota do cerco, determinando margens máximas de intermediação ao longo da cadeia de valor e fixando preços mínimos em 1ª venda;

b. Criação de medidas de apoio à procura de novos mercados como forma de valorização do pescado;

c. Enquanto se mantiverem as limitações extraordinárias globais na captura de sardinha, o Governo estabelecerá o limite máximo de cabazes por embarcação e por dia, compatível com o valor limite global assim assegurando a continuidade da pesca regular até ao fim do ano e estudará a possível regionalização das capturas permitidas com gestão pública (Docapesca) por NUT II ou grupos de portos.

Assembleia da República, em 12 de fevereiro de 2015

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