Intervenção de

Projecto de lei nº 503/IX - Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos<br />Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente, Senhores Deputados,A discussão que hoje fazemos é apenas um episódio que teve os seus capítulos principais na aprovação das leis dos Partidos Políticos e do Financiamento dos Partidos em 2003. Aliás lembre-se que essas leis, aprovadas pelo bloco PSD, PS e CDS-PP, viram os seus textos finais concretizados em singelas 48 horas, de forma a poderem ser aprovadas antes do dia 25 de Abril.As novas leis aprovadas violam de forma grotesca princípios constitucionais e democráticos que herdámos da Revolução de Abril, de onde se destacam os princípios do “pluralismo de expressão e organização política democráticas” e da liberdade de associação. A constituição diz mesmo que “As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas”, o que se aplica na plenitude aos partidos políticos.Trata-se da tentativa de imposição de um modelo único de organização e funcionamento dos partidos, à medida e à imagem dos partidos que aprovaram estas leis.Estas leis e as suas abusivas regras sobre a organização interna dos partidos, configuram uma inaceitável ingerência, questionando os direitos de todos aqueles que livremente militam em cada partido e que têm o direito de se auto-organizarem com independência.O projecto de lei que hoje discutimos decorre directamente da lei do financiamento dos partidos aprovada em 2003 e é a essa luz, isto é, dos princípios que enformam essa lei inicial, que analisamos este debate.A lei do financiamento visa limitar a actividade e a intervenção dos partidos que, como o PCP, têm fontes de financiamento assentes no fundamental no esforço dos seus militantes. Mas tem também outros objectivos, designadamente o de, em tempos de crise e dificuldades, se aumentarem as subvenções públicas de forma escandalosa. PSD e PS recebem mais de um milhão de contos já a partir de 2005 e vêm aumentados os limites de despesas das campanhas eleitorais. A lei está embebida de um inaceitável princípio de penalização dos que se financiam com o esforço da militância, para beneficiar os que o fazem com os dinheiros públicos.E o que é mais extraordinário é que são os que, ao contrário do PCP, até agora não apresentam contas consolidadas a nível nacional, limitando-se praticamente a apresentar as contas da estrutura central, que exigem mais e mais constrangimentos legais, provavelmente porque não tencionam cumpri-los. Sempre estivemos na primeira linha na defesa da transparência e da fiscalização das contas dos partidos; sempre propusemos a limitação do financiamento por empresas, que agora está consagrado na lei. Mas tudo isso não pode confundir-se com inaceitáveis condutas de ingerência, de limitação concreta da actividade que a actual legislação configura.Para além do mais a lei inclui várias disposições manifestamente aberrantes, desproporcionadas e até inaplicáveis.Alguns exemplos:- a obrigação de as quotas e outras contribuições dos militantes, dos eleitos e outras receitas resultantes de iniciativas de angariação de fundos, serem pagas por cheque ou outro meio bancário, excluindo-se apenas um montante anual de 50 salários mínimos; o que significa que basta que 300 militantes paguem 1 euro de quota ou que 60 militantes paguem 5 euros de quotas por mês para que este limite seja ultrapassado.- a eliminação da norma que autonomizava as iniciativas especiais de angariação de fundos, aliás obrigadas a contabilidade própria, pretendendo limitar a capacidade de angariação de fundos em iniciativas próprias. Aliás seria curioso saber se a festa do Chão da Lagoa alguma vez apresentou as contas.O projecto que hoje analisamos, assumido pelos mesmos três partidos que aprovaram a lei é a continuação deste processo. Sabemos que o projecto tem origem numa proposta proveniente do Tribunal Constitucional, procurando dar resposta às novas obrigações que a lei lhe impõe. Note-se aliás que os partidos proponentes deixaram cair as referências preambulares do texto inicial, designadamente aquelas que chamavam a atenção para a inconstitucionalidade da lei do financiamento.É um projecto de desenvolvimento da lei anterior, que recupera boa parte do seu injusto normativo, mas que introduz também normas que ultrapassam as atribuições previstas naquele diploma para a entidade a criar. Lembre-se que a entidade das contas deve apenas coadjuvar o TC nas suas competências nesta matéria e não ter uma intervenção de moto próprio e autónomo, o que nada tem a ver com a independência dos membros que a constituem. Por isso não é aceitável a atribuição de competências de regulação e regulamentação previstas neste projecto e que não têm cobertura na lei originária. Por outro lado incluem-se mais algumas disposições de manifesta inaplicabilidade.Estaremos contra este projecto da maioria PS, PSD e CDS-PP, porque ele é a continuação de um processo que lesa direitos democráticos dos partidos e dos seus militantes. É um processo que contestamos, que combatemos e que tem de ser interrompido e alterado, pela alteração das normas em vigor, pela revogação destas inaceitáveis leis e pela sua recondução aos princípios democráticos essenciais da nossa constituição. Disse.

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