O Povo Português está confrontado com a perigosa situação de grande dependência alimentar em relação ao estrangeiro, particularmente no que toca a cereais, oleaginosas e proteaginosas, que são a base fundamental da alimentação humana. Produções que, sendo também as componentes das rações para alimentação animal, são essenciais para a produção Agro-Pecuária.
Os preços dos cereais nos mercados internacionais fizeram soar, novamente, as campainhas de alarme. Segundo a FAO, os cereais sofreram um aumento de 17 por cento de Junho para Julho, esperando-se novos e ainda mais graves aumentos. Enquanto isso, a especulação com os preços dos cereais, expressa no Mercado de Futuros da Bolsa de Chicago, regista lucros escandalosos e desumanos com retornos idênticos, por exemplo, aos das trocas comerciais com o Ouro. Uma das consequências é a tragédia da fome!
Em Portugal, os últimos dias têm sido férteis em notícias e informações que dão conta da gravidade da situação. Os produtores de leite, designadamente da Região de Entre Douro e Minho vão ver o preço do Leite baixar mais um cêntimo, o que perfaz uma quebra de três cêntimos e meio, só este ano. O que acontece depois das rações aumentarem em cerca de 25% e o gasóleo cerca de 7%.
A Produção Nacional em cereais só assegura cerca de 20% das necessidades actuais, e isto, apesar da redução do efectivo pecuário ocorrida nos últimos anos e da contracção do mercado interno, fortemente agravada pelo Pacto de Agressão. Pacto que está na base de um corte de 300 milhões de euros de verba nacional proveniente do OE no investimento do PRODER, quando é necessário mais investimento público para potenciar a produção.
Para se desresponsabilizar, o Ministério da Agricultura apressa-se a atirar todas as culpas para cima da seca.
Ora, sendo verdade que a seca prolongada influenciou negativamente a Produção Agro-Alimentar, o facto é que a produção nacional de cereais e de produtos pecuários tem vindo a reduzir-se, ano após ano, principalmente devido às opções da política agrícola e de mercados definidos pelos sucessivos governos e pela União Europeia. Em 2008, por exemplo, sem seca, Portugal importou 62% do milho, 87% do trigo rijo e 96% do trigo mole de que necessitou.
Défice de produção cerealífera e pecuária que se reflecte, sobremaneira, no défice brutal da balança comercial em bens agro-alimentares que se aproxima dos 4.000 milhões de euros por ano.
Esta situação tem causas e tem responsáveis. Convém lembrar que o governo PS/Sócrates não quis considerar como estratégicas as produções nacionais de cereais e de produtos pecuários no PRODER, Programa de Desenvolvimento Rural, que apresentou inicialmente a Bruxelas.
Convém lembrar, ainda, que - contra a opinião do PCP e das associações dos pequenos e médios Agricultores – nas sucessivas reformas da PAC, e designadamente em 1992 e 2002, a União Europeia e os governos nacionais consagraram ajudas directas comunitárias aos agricultores (neste momento RPU – Regime de Pagamento Único), em que se permite a latifundiários e a grandes empresas receberem rios de dinheiro público sem a obrigatoriedade de produzir bens agro-alimentares.
E que, no quadro das orientações da União Europeia para a energia (e de todo o mundo capitalista, com os EUA à cabeça), PS, PSD e CDS apoiam a criminosa política da ocupação de terras agrícolas na produção de matérias-primas e mesmo o uso de cereais como o milho, para o fabrico de biocombustíveis. Aliás uma das razões para a subida do preço deste cereal nos mercados internacionais.
Prosseguindo essa política errada, de favorecimento das multinacionais da celulose/pasta de papel, o actual governo PSD/CDS-PP prepara-se para abrir os regadios ao plantio de eucalipto em vez de neles fomentar a produção de cereais ou de outras culturas de bens alimentares, projecto que tem que ser abandonado.
Por outro lado, o Governo assiste ao continuado aumento dos preços especulativos dos principais factores de produção como rações, sementes, combustíveis, electricidade, sem tomar as medidas que se impõem para combater a situação.
Bem como assiste ao esmagamento dos preços à produção, designadamente pela prática persistente de dumping, em particular pelas grandes cadeias de distribuição que amealham lucros e fortunas fabulosas à custa do trabalho e do suor dos pequenos e médios agricultores.
Apesar das múltiplas declarações e aparições da Ministra da Agricultura, a vida mostra que não estão tomadas as medidas para enfrentar decisivamente os problemas da agricultura nacional e particularmente da pequena e média agricultura e da agricultura familiar, como mostram as dificuldades que estas encontram para recorrer ao crédito e a ausência de resposta na área dos seguros agrícolas.
Face a um problema cuja responsabilidade cabe inteiramente a sucessivos governos do PSD, CDS e PS, e que põe em causa a soberania e a independência nacionais, a Comissão Política do Comité Central do PCP chama a atenção para a necessidade e para a urgência de se inverter este rumo.
O PCP reafirma que tem que ser entendido como objectivo estratégico nacional o combate, a todos os níveis, à nossa dependência alimentar. Mesmo em termos de Segurança Nacional, impõe-se aumentar, bastante, os níveis de reservas estratégias em cereais.
Combate que passa pelo grande aumento da Produção Nacional de bens agro-alimentares e pelo controlo adequado das importações, nomeadamente de cereais, componentes para rações e produtos pecuários.
Combate que também passa pela baixa do preço dos factores de produção e pelo aumento dos preços na produção, sem que tal agrave os preços ao consumidor. Ora tais medidas, sendo inadiáveis, são incompatíveis com o garrote imposto a todas as actividades produtivas pelo Pacto de Agressão das troikas nacional e estrangeira, que é necessário derrotar.
O PCP reafirma, na linha do que vem propondo ao povo português, que é necessária uma reestruturação agrária que assegure o cabal e racional aproveitamento económico e social da terra, e o acesso à terra - sobretudo a beneficiada por vultuosos investimentos do Estado, caso de Alqueva e de outros regadios - a trabalhadores e pequenos agricultores, sobretudo jovens, que dela carecem para trabalhar e viver com dignidade e que a aproveitarão integralmente para produzir alimentos.
A Comissão Política do PCP reclama do Governo Português, no plano da União Europeia e designadamente no debate da Reforma da PAC, uma atitude intransigente na defesa da (re)ligação das ajudas públicas ao rendimento, moduladas e plafonadas, e no combate à especulação com os preços dos cereais e de outros bens agro-alimentares.
O PCP considera que não deve ser aceite como batalha perdida a luta pela manutenção das quotas nacionais de leite (em que o PCP esteve, durante muito tempo completamente sozinho), bem como deve ser interrompido, de imediato, o aumento anual da quota, em 1%, sob pena de, encharcando o mercado português, ainda mais com a produção de países que já têm hoje excedentes, se arruinar, definitiva e irreversivelmente a produção leiteira em Portugal.
A Comissão Política chama particularmente a atenção para a necessidade de, numa área tão sensível como a da agricultura e a da produção de alimentos, o Governo actuar com celeridade no apoio a agricultores afectados por intempéries, ou outras dificuldades imprevistas. A recusa nos apoios aos produtores de vinho no Douro, relativamente às intempéries deste ano (bem como relativamente às ocorridas o ano passado), só provocará mais abandono.
Para debater a situação e as medidas a adoptar, o PCP já requereu a presença, na Assembleia da República, da Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território e apresentará, no retomar dos trabalhos da Assembleia da República, iniciativas relativas a estas questões.
Face à difícil situação porque passam os pequenos e médios agricultores em Portugal, e às graves consequências que isso tem para o povo português, a Comissão Política do PCP apela a todos para que não baixem os braços. Saúda as muitas acções de reclamação e protesto dinamizadas pelo movimento associativo dos agricultores, nomeadamente os produtores de leite que, amanhã, se manifestarão junto à Assembleia da República. A Comissão Política reafirma a sua confiança de que, com a luta dos agricultores e do povo português, é possível pôr Portugal a produzir mais alimentos, reduzir a nossa dependência e defender a nossa soberania alimentar.