Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

"As privatizações são um crime contra o país"

O PCP confrontou hoje os partidos da troica, PSD/CDS e PS, com as privatizações das empresas públicas e estratégicas para a economia do país, ruinosas para o estado e para os trabalhadores.
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Debate de urgência sobre privatizações
Sr.ª Presidente,
Sr.as Secretárias de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:
Foi na semana passada, no debate da moção de censura, que o PCP qualificou este processo de privatizações, bem como as privatizações que têm vindo a ser levadas a cabo, como um roubo de proporções gigantescas que, a não ser travado, terá consequências dramáticas para o País.
Roubo daquilo que é de nós todos, património do povo e do País, que são as empresas do setor público e do serviço público.
Infelizmente, outras referências que poderiam ter sido ouvidas de outras bancadas, nessa altura, não apareceram.
E quando nós falamos — e dizia o poeta — das empresas que são do Estado, porque o seu dono é o povo, estamos, de facto, a falar de pilares fundamentais da atividade económica, da economia nacional e da própria soberania do nosso País.
Estamos a falar da possibilidade ou não de criarmos riqueza e de ultrapassarmos a situação em que o País e a economia se encontram. E quando os Srs. Membros do Governo e da maioria parlamentar nos falam da salvaguarda do interesse nacional e dizem que esses investidores são os mais interessados na atividade das empresas privatizadas, perguntamos aos Srs. Deputados se se lembram da Sorefame, que foi comprada para ser encerrada, porque era concorrência perigosa, e hoje o País já não produz material circulante ferroviário. Entre outras, atividades produtivas daquela empresa foram fechadas porque os acionistas e os investidores que aí vieram tinham outros objetivos.
Pergunto à Sr.ª Secretária de Estado, quando nos diz que o preço de venda das empresas não é o mais importante, que os investidores é que são o mais importante, se está recordada, há pouco mais de uma década, do processo da Swissair, empresa suíça, grande parceiro da TAP, que teria levado a TAP à falência e ao encerramento se tivesse comprado a TAP. E, quando nos fala em que está em 5500 milhões de euros o objetivo destas privatizações, pergunto se tem noção de que isto não chega a três anos de exportações da TAP, ou seja, em três anos, só a TAP tem vendas no estrangeiro que ultrapassam esse valor que os senhores apontam.
O que perguntamos é se é disto que estão a falar quando falam de interesse nacional.
Diz-nos o PS «que estes setores são estratégicos e não podem ser vendidos às três pancadas». Falta dizerem, Srs. Deputados, quantas pancadas mais querem que sejam dadas neste processo de privatizações, em que o País está a ser vendido às peças. Estes setores, a economia nacional, estas empresas, os trabalhadores estão fartos de levar pancadas. São muito mais do que «três pancadas», já são pancadas a mais.
Quando se fala na TAP, na ANA Aeroportos, na CP Carga, nos setores de saúde e de seguros da Caixa Geral de Depósitos, dos Correios, empresas que, aparentemente, são consensuais na venda a pataco pelos partidos da política de direita que têm desgovernado o País há mais de 36 anos, o que dizemos é que o nosso objetivo não é o de que nos vão contando como é que isto está a correr, o objetivo não é o de que nos vão informando sobre as privatizações, o nosso objetivo é de que elas não se realizem, que o País não seja vendido às peças e que estas empresas continuem na esfera pública e cumpram o seu papel de alavancas da economia nacional, de pilares de desenvolvimento e de soberania para o nosso País. É essa a diferença e é aí que nos encontramos, não na colaboração mas na oposição.
(…)
Sr.ª Presidente,
Enquanto os Srs. Deputados da maioria parlamentar vão teorizando abstrações, há uma vida lá fora e há um País real que está a debater-se com uma situação completamente oposta àquela que os senhores aqui vêm apresentar.
Então, os senhores vêm dizer que as privatizações são boas para o contribuinte e boas para as contas públicas?
Então, os Srs. Deputados não sabem que, desde 1989 até agora, o dinheiro que as empresas privatizadas deram ao Estado português para abater na dívida pública, como diz a Sr.ª Secretária de Estado, fez esse milagre de fazer com que a dívida pública passasse de 54,3% para 124% do PIB? Mas que mezinha vem a ser essa, das privatizações?!
E sabem, porventura, que os lucros das empresas privatizadas, todas elas, dos últimos seis anos até agora, foram para o capital privado que as comprou?
E que os lucros dos últimos seis anos são o equivalente a tudo o que o Estado encaixou, de 1989 até agora?
Os Srs. Deputados não têm algum embaraço, algum constrangimento de apresentar ao País uma solução que a vida concreta já demonstrou ser ruinosa? E vêm falar de transportes privatizados, Sr. Deputado? Vá dizer isso no seu distrito, nas aldeias que foram abandonadas com a privatização da Rodoviária Nacional!…
Vá dizer isso às zonas que, agora, estão a ser abandonadas pela CP na preparação para a tal concessão aos privados, que os senhores estão a aprontar.
Ainda agora, o Sr. Deputado Paulo Batista Santos falava de trajetória sustentável das contas públicas, e nós perguntamos: que sustentabilidade é essa que depende de um parecer do Eurostat? Então, os senhores têm o défice pendurado — de 5% para 5,7% —, à espera que o Eurostat diga algo sobre aquele negócio do «toma lá, dá cá» de 1100 milhões de euros para a concessão da ANA, para se endividar e o dinheiro ser encaixado no Estado? Isto é que é sustentabilidade de contas públicas?!
Esta máscara que os senhores fazem às contas públicas, que não é só de agora, é de há dezenas de anos, obrigando as empresas que os senhores tutelam a endividarem-se, a agravarem o serviço de dívida, a contratarem os tais swap, com centenas de milhões de euros de quebras todos os anos, é defender as contas públicas?
A opção de que o Sr. Deputado Paulo Batista Santos falou, quando lhe fugiu, ainda agora, o «pezinho para a botifarra» e voltou à conversa de extrema-direita sobre as greves nas empresas, é a opção que os trabalhadores têm de lutarem em defesa das empresas, em defesa do interesse nacional, mantendo as empresas na esfera pública, para que não encerrem e para…
Tenham pudor, Srs. Deputados (eu ia dizer outra coisa!), em falar de micro, pequenas e médias empresas quando sabem que elas são esmagadas pelo poder dos grupos económicos que toma conta da economia nacional, designadamente as transnacionais que entram no mercado através das mesmíssimas privatizações de que os senhores agora falam.
Defender as PME, defender a economia real e o aparelho produtivo do País é transformar, de facto e não apenas na teoria, estas empresas públicas naquilo que devem ser: pilares e alavancas fundamentais para a economia, para o desenvolvimento e para a soberania nacional.
Aparentemente, os Srs. Deputados esquecem-se disto quando vêm falar no rigor das contas públicas, no interesse do contribuinte e no interesse nacional.
(…)
Sr.ª Presidente,
A Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro e das Finanças recomendou ainda agora aos Deputados a leitura dos cadernos de encargos das privatizações.
Ora, acontece que, pelo menos que saibamos, o Governo, apesar dos nossos requerimentos, ainda não fez chegar à Assembleia da República esses mesmos cadernos de encargos que agora nos recomenda que possamos ler.
Quero, pois, solicitar a V. Ex.ª, na presença do Governo, que esses documentos, pelos vistos cruciais para a transparência e para o conhecimento destes processos, sejam facultados e que a Assembleia, através dos seus bons ofícios, possa, de facto, solicitar esses cadernos de encargos das privatizações, cujo envio, ao fim de tanto tempo, continuamos a aguardar, porque, de facto, pedimos que nos fossem entregues e, agora, ainda tivemos de ouvir a Sr.ª Secretária de Estado a recomendar-nos que fôssemos ler esses documentos que não nos foram dados.

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