Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Precariedade Laboral atinge mais de um milhão e meio de trabalhadores

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Declaração política abordando a questão da precariedade laboral e do impacto que esta tem sobre os jovens portugueses

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
A precariedade laboral é uma praga social que atinge hoje cerca de 1 452 600 trabalhadores, sobretudo jovens e mulheres, a viver sempre na intermitência dos estágios não remunerados, dos estágios profissionais, do emprego sem direitos e do desemprego, sem saber quando e se terão direito ao domingo na folga semanal, sem saber quanto e se vão receber sempre a
dia certo, sem saber se terão perspectiva de valorização do seu trabalho e progressão na carreira, mas a saber sempre que os falsos recibos verdes lhes «comem» 30% do salário.
São enfermeiros, professores, psicólogos, formadores, operários especializados, operadores de call center, trabalhadores do comércio nas grandes superfícies, operadores de caixa e muitos, muitos outros que escondem habilitações académicas para ter um emprego. São pessoas disponíveis para quase tudo, para em troca receberem uma «mão cheia» de quase nada.
Hoje, existem mais de 700 000 desempregados que provam que não é difícil ser despedido no nosso país.
Mas temos também mais de 1 milhão de trabalhadores a recibos verdes, uma fatia significativa de falsos recibos verdes, que têm um supervisor, que têm um horário de trabalho definido,
que têm uma remuneração fixa, mas que não têm um contrato com direitos. A larga maioria destes trabalhadores ocupa um posto de trabalho permanente, mas não tem um contrato efectivo.
Hoje, no nosso país, há mais de 300 000 jovens que não trabalham nem estudam e que são «atirados» ao desperdício, com grande prejuízo económico e social para o País.
Hoje, de acordo com dados do Eurostat, depois da Polónia e de Espanha, Portugal é o País da União Europeia com maior taxa de trabalhadores contratados a prazo: 22% da população empregada.
A violência destes números revela bem que a política laboral do Governo do Partido Socialista, apoiada pelo PSD e pelo CDS, pretende impor direitos laborais do século XIX aos trabalhadores do século XXI. Esta política laboral é um retrocesso civilizacional, que fragiliza os trabalhadores e aprofunda a exploração, ao mesmo tempo que reforça o poder dos grandes grupos económicos e do patronato.
A precariedade nada tem de «pós-moderno», é tão velha como secular é a luta de classes e a exploração do homem pelo homem. Os falsos recibos verdes, os contratos a prazo, as «fábricas de precariedade» que são as empresas de trabalho temporário são formas de exploração seculares que exigem uma política de Estado para a sua erradicação. A erradicação da precariedade deve ser assumida como foi a erradicação do trabalho infantil.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Antes do 25 de Abril, muitos jovens imigravam do interior do País para Lisboa à procura de um futuro melhor, mas os salários eram muito baixos e eram obrigados a dividir casa com outros jovens. Hoje, cada vez mais jovens trabalhadores altamente qualificados são obrigados a recorrer a esta fórmula para saírem da casa dos pais. Caso contrário, a alternativa é adiar cada vez mais esta decisão.
Hoje, muitos jovens casais adiam a decisão de ter filhos porque amanhã não sabem se ainda vão ter emprego; porque amanhã sabem que não têm direito ao subsídio de desemprego; não sabem qual será o seu horário laboral; porque o salário mal dá para dois quanto mais para três; porque sabem que, a seguir aos contratos a prazo, aos recibos verdes e ao trabalho temporário, vão novamente apresentar-se quinzenalmente no centro de emprego.
Por tudo isto, é urgente garantir que a um posto de trabalho permanente corresponda um vínculo efectivo, que os falsos recibos verdes na Administração Pública sejam integrados no quadro, e não despedidos ou transformados em «empresários em nome individual».
É o próprio Estado que mantém mão-de-obra qualificada a recibos verdes — no
Instituto Tecnológico e Nuclear, nos milhares de professores das actividades de enriquecimento curricular, nos psicólogos e terapeutas, nos formadores nas escolas. É o Governo do Partido Socialista que promove o trabalho temporário, permitindo que muitos centros de emprego funcionem hoje como entrepostos das empresas de trabalho temporário.
Por tudo isto, é urgente promover a estabilidade do emprego, cumprindo e fazendo cumprir o direito ao trabalho e à segurança no emprego, assegurando vínculos de trabalho estáveis e combatendo todas as formas de precariedade.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Àqueles que dizem que isto é um conflito de gerações, dizemos que isto é, sim, a expressão actual de uma luta de classes que se agudiza e que se traduz na tentativa de o poder
económico, e de o poder político ao seu serviço, dividir os trabalhadores e impor às novas gerações a retirada de direitos historicamente conquistados com a luta dos trabalhadores.
Àqueles que dizem que «este país não é para jovens», o PCP responde que este país não só é para jovens como podem os jovens, com a sua luta, construir um presente e um futuro
melhor, onde haja direito ao emprego com direitos, onde o direito à habitação para os jovens possa ser possível sem ficarem reféns de rendas exorbitantes e de créditos bancários asfixiantes, onde haja direito a serem independentes dos pais e a constituir família.
Àqueles que dizem que já não há empregos para a vida, que dizem que a estabilidade profissional e pessoal é coisa do passado, os jovens respondem que não, que não estão condenados a esta política de agravamento da exploração e da retirada de direitos conquistados com a luta de gerações e gerações de trabalhadores.
Os jovens, as mulheres, os trabalhadores e o povo português merecem e continuam a lutar todos os dias por uma vida melhor. O PCP também!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Moura Soeiro,
Agradeço-lhe a questão que me colocou.
De facto, o PCP entende que a precariedade deve ser erradicada e deve exigir da parte do actual Governo os mesmos instrumentos que exigiu o combate ao trabalho infantil. Trata-se de dignidade e de emprego com direitos.
Os jovens que têm um contrato precário, mas também os trabalhadores que não são jovens e o têm sabem que com um contrato precário têm mais dificuldade em exercer os seus direitos laborais, sabem que têm mais dificuldade em ter acesso a um salário mais digno, sabem que têm mais dificuldade em poder sair da casa dos pais, sabem que têm mais dificuldade em perspectivar e em planear o direito à constituição de família.
Portanto, o combate à precariedade deve ser encarado por este Governo e pelos partidos que devem estar comprometidos com a defesa dos direitos dos trabalhadores como um combate tão efectivo como foi o da erradicação do trabalho infantil. É disto que se trata!
Era importante perceber também se da parte dos outros grupos parlamentares há, de facto, este
entendimento de que a precariedade não é uma possibilidade de agravamento da exploração, mas, sim, um flagelo social enorme e que exige a sua erradicação mais profunda.
É, de facto, importante que o Governo continue a fazer a fiscalização dos falsos recibos verdes de todos aqueles trabalhadores que ganham pouco mais de 1000 € e, desde o início de Janeiro deste ano, têm de descontar para a segurança social mais de 200 €. Isto é uma injustiça e é um crime exigir a estes jovens trabalhadores, com tão baixos salários, que deduzam nos seus salários esta factura tão pesada para pagar os seus impostos. Era muito importante que este Governo assumisse, de uma vez por todas, a responsabilidade de combater a precariedade, de se colocar ao lado dos trabalhadores, em vez de, como tem vindo a fazer, alavancar o processo de retirada de direitos laborais e de reforço dos poderes do patronato.
O PCP continuará certamente a exigir este caminho e os trabalhadores também!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Adão Silva,
Começo por agradecer-lhe a questão que me colocou.
De facto, o Sr. Deputado não ouviu bem o que eu disse. O que eu disse foi: «Àqueles que dizem que este país não é para os jovens nós dizemos que é». Porque, em matéria de precariedade, não entendemos que se trata de um conflito geracional; entendemos que o poder económico, com o poder político ao seu serviço, encontrou, em contexto de crise, uma oportunidade para dividir os trabalhadores, para «dividir para reinar», e para dizer aos jovens que têm hoje poucos direitos porque os seus pais tiveram muitos. Não podemos estar mais em desacordo com isto.
Do que se trata é de uma política laboral que pretende «dividir para reinar», que pretende fazer crer que, hoje, os jovens não têm acesso a um contrato sem termo, mesmo sendo um posto de
trabalho permanente, embora, de facto, seja um direito deles.
O Sr. Deputado bem sabe, porque a sua bancada votou favoravelmente a norma do Código do Trabalho que discrimina os jovens à procura do primeiro emprego, e essa discriminação é muito clara. Os jovens à procura do primeiro emprego têm sempre um contrato a termo certo, e isso é uma ilegalidade, porque, se o posto de trabalho for permanente, o contrato tem de ser efectivo. Portanto o PSD tem responsabilidades nesta matéria.
Como já disse, isto não é um conflito de gerações! É um conflito de classes! E é um conflito de classes entre os grupos económicos, o patronato, e os trabalhadores, em que aqueles querem
reforçar os seus poderes perante estes, no sentido de agravar a sua exploração e de lhes retirar direitos, para conseguir mais lucros, à custa do trabalho mal pago, do trabalho sem direitos e dos horários desregulamentados dos trabalhadores. Com isto não podemos estar de acordo!
Assim, como não podemos estar de acordo com a proposta do PSD, anunciada aquando das suas jornadas parlamentares, de os contratos a termo deverem vigorar até 2014, porque, se se diz que hoje a realidade é negra para os jovens e para a maior parte dos trabalhadores perante o cenário de precariedade, se se legalizar a precariedade até 2014, essa precariedade será muito pior.
É porque a precariedade é, hoje, a antecâmara do desemprego! E não é possível olhar para os números do desemprego sem fazer uma ligação à precariedade! Hoje, mais de metade
dos trabalhadores que se encontram em situação de desemprego veio de uma situação de precariedade.
Portanto, o que urge é perceber, efectivamente, se a um posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo de trabalho efectivo e não um vínculo de trabalho temporário,
porque isso só serve o interesse do patronato, que quer retirar direitos, agravar a exploração e cortar nos salários! É porque sabemos bem que um trabalhador precário custa menos 40% do que um trabalhador efectivo!… É disso que se trata! É do custo de trabalho que se trata!
As empresas têm outras formas de combater a crise, nomeadamente no que diz respeito aos factores de produção, não tem de ser apenas através do factor trabalho.
Mas também sabemos, por isso é que isto é uma luta de classes, que o problema de serem os
trabalhadores a pagar a crise não é de hoje, não é de ontem, não é do século passado, é secular!! Mas ontem como hoje e como há mais tempo atrás, os trabalhadores vão continuar a lutar pelos seus direitos e, mais cedo do que tarde, o PSD será obrigado a responder perante isto.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria José Gambôa,
Agradeço-lhe a questão que me colocou.
De facto, hoje a realidade dos jovens é muito difícil, e é importante que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista a reconheça, porque já é um passo em frente para intervir sobre ela, uma vez que da parte da Sr.ª Ministra do Trabalho ainda não houve uma palavra a dizer sobre a situação da juventude.
Importa também dizer — e a Sr.ª Deputada lembrou aqui isso — que o emprego tem diminuído. De facto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista sabe bem que foram os sucessivos governos do Partido Socialista, mas também do PSD e do CDS, que tiveram responsabilidades na destruição do aparelho produtivo nacional.
Ora, o País só pode produzir riqueza se tiver aparelho produtivo, e, com a destruição do aparelho produtivo nacional de muitas empresas importantes, são milhares de postos de trabalho que ficam em causa.
Quero dizer-lhe, porque a Sr.ª Deputada conhece bem o distrito do Porto, que este Governo fala muitas vezes numa empresa, que é a JP Sá Couto. Ora, convém lembrar que esta empresa, que é a empresa que monta os computadores Magalhães, tem na sua linha de produção mais de 300 jovens, todos com contratos de trabalho temporário. São todos! Não é 1%, nem 2%, nem 3%! É uma realidade que este Governo conhece, pelo menos, por denúncias por parte do PCP desde 2009 e nunca ouvimos dele uma palavra de preocupação relativamente a isso.
Aquando do problema do computador Magalhães, mais de metade destes trabalhadores foram para a rua, muitos deles receberam apenas uma chamada telefónica.
Agora, ao que sabemos, o Governo voltou a receber encomendas do computador Magalhães, mas não foram estes trabalhadores que foram readmitidos, nem lhes foi, de facto, garantido um contrato de trabalho efectivo. Foi mais e mais precariedade para um posto de trabalho que é permanente. Trata-se de um grupo económico que tem, de facto, ganho lucros muito importantes com este Governo, mas que não soube fazer corresponder isso à realidade dos direitos laborais dos seus trabalhadores.
Portanto, era importante perceber se, de facto, o Governo e o Partido Socialista estão preocupados com a precariedade, porque, se estiverem preocupados com a precariedade, não bastam declarações de intenção, é importante traduzirem-nas em políticas de combate à precariedade. E a política de combate à precariedade passa, desde logo, por assumir que a precariedade é um flagelo social e que exige os mesmos instrumentos de combate que exigiu o combate ao trabalho infantil.
Ora, nós sabemos que, infelizmente, as alterações propostas pelo Partido Socialista na última revisão do Código do Trabalho e o que está colocado em cima da mesa no que diz respeito à legislação laboral não vai neste sentido, vai no sentido de fragilizar os direitos dos trabalhadores, de agravar a precariedade e de aumentar o desemprego.
E, quanto a isso, não podemos estar de acordo, Sr.ª Deputada.

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