1- A grave situação económica e social que o País atravessa e a perspectiva do seu agravamento nos próximos meses, tem tornado particularmente evidente a necessidade de uma resposta global aos problemas nacionais, com medidas urgentes de valorização dos trabalhadores e dos seus direitos, incluindo os salários, de reforço da protecção social, de apoio à produção nacional e aos sectores produtivos, de incremento do investimento público e da capacidade de resposta dos serviços públicos, de redução da dependência externa nos mais variados domínios da vida nacional, de controlo público de empresas e sectores estratégicos.
As opções do Governo não vão nesse sentido, como ficou demonstrado com a aprovação do Orçamento Suplementar determinado pelo benefício aos grupos económicos e o prejuízo dos trabalhadores.
Somam-se a essas opções erradas os atrasos e a falta de concretização de medidas anunciadas e aprovadas pelo Governo, o desvirtuamento ou mesmo a anulação de medidas aprovadas pela Assembleia da República e até o adiamento de medidas decididas no Orçamento do Estado para 2020 cuja necessidade se tornou ainda mais evidente face aos múltiplos impactos da epidemia.
As perspectivas de agravamento da situação colocam ainda maior urgência nessa resposta global. A situação do País reclamando medidas que vão para lá do Orçamento do Estado, precisa de ter no Orçamento um instrumento capaz de contribuir para a resposta sanitária, a valorização dos salários, a recuperação económica, a protecção social e o desenvolvimento do País.
2- A proposta de Orçamento do Estado para 2021 apresentada pelo Governo não dá resposta aos problemas e às necessidades do País nem às novas situações decorrentes dos impactos económicos e sociais da epidemia.
A ausência de resposta é consequência das opções do Governo, em especial, da prioridade que o Governo dá à redução acelerada do défice.
A opção de dar prioridade à redução do défice (três pontos percentuais) e não às necessidades do País, uma opção errada em quaisquer circunstâncias, torna-se particularmente grave e incompreensível num momento em que o País mergulha numa recessão económica e está a caminho de ultrapassar os 700 mil desempregados.
Uma opção que nega ao País cerca 6 mil milhões de euros que podiam e deviam servir para responder ao que o País precisa.
Não deixa de ser revelador que o Governo PS tenha apresentado uma proposta de Orçamento do Estado que reflete opções mais recuadas que as de algumas instituições internacionais, que sugerem ritmos mais lentos de redução do défice e da dívida a favor do investimento público e de um crescimento mais robusto da economia.
Não é o défice o problema prioritário a que tem de se dar resposta. O que precisa de ter prioridade é a solução para os problemas com que os trabalhadores e o povo estão confrontados.
3- Ao longo da abordagem ao Orçamento do Estado para 2021, o PCP tem insistido na necessidade de consideração de um conjunto amplo de medidas que possam constituir a base da resposta aos problemas nacionais. Seja no plano do Orçamento do Estado agora em discussão, seja em outras opções da política económica e social indispensáveis para garantir a elevação das condições vida dos trabalhadores e do povo e o desenvolvimento soberano do País.
Registando a disponibilidade aberta pelo Governo de ir para lá daquilo que a proposta de Orçamento inscreve – nomeadamente admitindo um aumento de €10 para todas as pensões até €658 a partir de Janeiro, a atribuição do suplemento de insalubridade, penosidade e risco para os trabalhadores das autarquias locais ou o reforço e alargamento da prestação social extraordinária – a verdade é que os compromissos assumidos estão muito longe de dar garantias de o Orçamento poder constituir a resposta de que o País precisa. Para isso é necessário ir mais longe no conjunto de medidas a considerar.
Desde logo é preciso que o Governo concretize as medidas aprovadas em 2020 em particular em matéria de contratação de trabalhadores, de reforço dos serviços públicos, de apoio a desempregados, a MPME e a sócios-gerentes.
No Orçamento do Estado para 2021, é preciso avançar com o reforço do investimento público e com garantias da sua execução.
É necessário contratar milhares de trabalhadores para os serviços públicos face às necessidades existentes, em especial no SNS e na Escola Pública, mas também noutros sectores. E têm de ser tomadas medidas urgentes que defendam o SNS do saque pelos grupos económicos.
Além de soluções específicas que devem ser concretizadas em relação a sectores e carreiras onde a contratação enfrenta maiores dificuldades, como são os casos de médicos e enfermeiros, é essencial que sejam consideradas medidas gerais de valorização dos salários e das carreiras como instrumento indispensável para a valorização dos trabalhadores e a melhoria da prestação do serviço público.
Os trabalhadores dos serviços essenciais têm de ser compensados pelas especiais exigências do exercício das suas funções. Esse suplemento remuneratório não pode deixar de fora milhares de profissionais dos sectores da saúde, das forças e serviços de segurança, dos bombeiros, dos equipamentos sociais, da limpeza e higiene urbana, da recolha de resíduos, das águas e saneamento e outros sectores.
A precariedade laboral, que nos últimos meses voltou a marcar muitas das contratações de trabalhadores na Administração Pública com o recurso a contratos a prazo, contratos de emprego-inserção e recibos verdes, tem de ser erradicada com a vinculação desses trabalhadores porque é justo e porque fazem falta à melhoria dos serviços públicos.
Os trabalhadores que agora estão desempregados e antes contribuíram com os seus descontos para a Segurança Social têm de ver a sua carreira contributiva valorizada. A criação da nova prestação social extraordinária não dispensa a necessidade de valorização do subsídio de desemprego com o alargamento da sua abrangência, o reforço dos montantes e o alargamento dos prazos de pagamento.
A resposta às necessidades das jovens famílias e aos idosos tem de ser definida com medidas e objectivos concretos relativos à criação de vagas em rede pública de creches e lares, a concretizar em 2021, e definindo-se com clareza a responsabilidade da Segurança Social em ambas as áreas.
As MPME, os sectores das pescas e da agricultura precisam de medidas específicas que assegurem preços justos à produção e simultaneamente garantam a articulação entre o desenvolvimento da actividade produtiva e medidas de elevação do poder de compra dos trabalhadores e do povo, com o aproveitamento das possibilidades de dinamização do mercado interno que daí resultam.
No plano da política fiscal é indispensável que o Governo responda pelos compromissos assumidos relativamente aos escalões do IRS, aliviando a tributação dos rendimentos mais baixos e intermédios, e simultaneamente se ponha fim à fuga para o estrangeiro de grupos económicos que devem pagar em Portugal os impostos sobre os lucros gerados no País.
Nos sectores estratégicos, o País não pode continuar à mercê dos interesses dos grupos monopolistas. A situação no serviço postal reclama a recuperação do controlo público dos CTT. A situação no sector aéreo reclama a recuperação da ANA, aeroportos e o apoio à TAP. A situação no sector financeiro impõe o reforço da componente pública e a recuperação do controlo público do Novo Banco depois de terem sido gastos mais de 8000 milhões de euros.
É inadiável e constitui uma emergência nacional, face à situação dos trabalhadores e ao seu contributo para o desenvolvimento do País, o aumento geral dos salários para todos os trabalhadores, a valorização das carreiras e profissões, o aumento do SMN para os 850 euros, a revogação das normas gravosas da legislação laboral, a eliminação da caducidade da contratação colectiva e a reposição do principio do tratamento mais favorável ao trabalhador, a eliminação das normas que facilitam a desregulação dos horários de trabalho.
Estas são algumas das soluções indispensáveis que o PCP tem defendido, soluções que contrastam com as limitações da proposta de Orçamento apresentada pelo Governo.
4- A proposta de Orçamento do Estado não dá resposta à situação do País. Além dos compromissos já admitidos, é necessário que se assuma a concretização de outras medidas para que tal resposta seja assegurada. A decisão do PCP de se abster na votação na generalidade do Orçamento do Estado é assumida com a perspectiva de que esse debate mais amplo ainda possa ocorrer, mesmo constatando a sistemática recusa do Governo e do PS em avançar nesse sentido.
Não basta invocar a gravidade da situação como o Governo faz. É preciso fazer corresponder as palavras aos actos. A dimensão dos problemas obriga a soluções à altura da sua gravidade e o País não compreenderia que essa resposta fosse negada.
A gravidade da situação nacional impõe que a decisão sobre o sentido de voto final no Orçamento tenha de ser tomada avaliando a versão final do Orçamento face à resposta global aos problemas nacionais, bem como a verificação de garantias quanto a opções do Governo em matérias fundamentais no domínio dos salários, dos direitos trabalhadores ou da recuperação de instrumentos indispensáveis à condução de uma política de desenvolvimento económico e social ao serviço do país.