Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

A política de direita tem como consequência o aumento das desigualdades e da pobreza em 2011

Declaração política salientando as consequências que o Orçamento do Estado para 2011 irá ter na vida dos portugueses, e considerando que irá aumentar as desigualdades e a pobreza

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Nesta última sessão plenária de 2010, muito gostaríamos de poder desejar a todos os portugueses um bom ano de 2011, mas sabemos, infelizmente, que 2011 não será um ano bom para a grande maioria dos portugueses.
Dentro de poucos dias, começarão a fazer-se sentir as consequências do Orçamento do Estado resultante da cooperação estratégica entre o PS, o PSD e Cavaco Silva, que se traduzirão em grandes lucros para poucos e em grandes sacrifícios para muitos.
Os especuladores, que provocaram a crise, vão aumentar os seus lucros e vão ficar ainda mais ricos. Os trabalhadores, os reformados, os pensionistas, os desempregados, os jovens à procura de emprego vão ficar mais pobres, mais expostos à precariedade, mais fracos perante a prepotência dos poderosos.
Dentro de poucos dias, vão aumentar praticamente todos os bens de primeira necessidade: vai aumentar o IVA sobre todos os bens e serviços; vão aumentar os custos de todos os serviços públicos; vai aumentar a electricidade; vai aumentar o gás; vão continuar a aumentar os combustíveis; vão aumentar os transportes; vão aumentar as portagens que existem e vão ser criadas portagens onde ainda não existem; vai aumentar o pão; vai aumentar o desemprego, lançando muitas famílias no desespero e na miséria.
Os salários dos trabalhadores vão ser reduzidos; as pensões e as reformas vão ser congeladas; os abonos de família vão ser cortados a muitos milhares de famílias; o apoio social aos estudantes vai diminuir; a comparticipação nos medicamentos vai ser reduzida; o apoio social aos desempregados e as prestações sociais em situações de pobreza vão também ser reduzidas.
O ano de 2011 vai ser duro para quem vive do seu trabalho, que vai empobrecer a trabalhar; vai ser duro para quem, ao fim de uma vida de trabalho, não tem direito a uma pensão condigna; vai ser duro para quem não tem emprego nem condições de subsistência.
Mas para o patronato isto ainda não chega. O patronato exige ainda mais flexibilização da legislação laboral e o Governo propõe-se oferecer-lhe a redução das indemnizações a pagar pelos despedimentos. Para o patronato e para o Governo, que se assume cada vez mais como um executor das suas ordens, despedir deve ser fácil, ser barato e dar milhões.
Para o ano de 2011, foi acordado na concertação social, e foi confirmado por recente resolução da Assembleia da República, o aumento do salário mínimo nacional para 500 €. Trata-se de um aumento de 25 € mensais, menos de 1 € por dia, num vencimento que mal foge ao limiar da pobreza. Mas até isso o patronato pretende recusar aos trabalhadores e pressiona o Governo para, em nome da crise, recuar no aumento do salário mínimo. Não queremos acreditar que isso aconteça. Aumentar o salário mínimo para 500 € no início de 2011 não representa apenas o cumprimento de um acordo solene e de uma recomendação da Assembleia da República, é um acto mínimo de decência.
Se o salário mínimo nacional não for aumentado em Janeiro de 2011, ainda que a pretexto de um qualquer faseamento, isso significa que Portugal tem um Governo que não só não respeita os trabalhadores como já nem se respeita a si próprio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 2011 será um ano de aumento das desigualdades e da pobreza; os ricos vão ficar mais ricos e os pobres vão ser muito mais e ainda mais pobres.
O ano de 2011 vai ser um bom ano para os grandes accionistas dos grupos económicos que, com a total cumplicidade do PS, do PSD e do CDS-PP, anteciparam a distribuição de centenas de milhões de euros de dividendos livres de impostos.
Mas vai ser um mau ano para os portugueses que vão ser roubados nos seus salários e nos seus direitos sociais para pagar a factura de 5000 milhões de euros que o Governo português enterrou no buraco sem fundo que foi a pseudonacionalização do BPN.
Não foram os trabalhadores, nem os reformados, nem os desempregados deste país os responsáveis pela crise financeira ou pela roubalheira do BPN. Os responsáveis foram os
banqueiros que roubaram e as entidades de supervisão que nada viram, mas quando se trata de pagar a factura é à custa do aumento dos impostos, do roubo dos salários, do congelamento das pensões e do corte dos direitos sociais que o Governo trata de salvar os ricos com o dinheiro dos pobres.
Quando a Assembleia da República, por proposta do Governo, aprovou a pseudonacionalização do BPN, que já nos custou 5000 milhões de euros, só com a oposição do PCP e do Partido Ecologista «Os Verdes», o Presidente Cavaco Silva, talvez em nome de solidariedades antigas que o ligam às mais altas figuras do BPN, promulgou o diploma em tempo recorde. Mas, quando a mesma Assembleia da República aprovou um diploma para tributar as mais-valias bolsistas, o mesmo Presidente deixou esgotar até ao fim o prazo de 20 dias para a promulgação. São dois pesos e duas medidas.
Este ano de 2010 já foi muito difícil para a grande maioria dos portugueses. A braços com a crise financeira que não provocaram e com a famosa cooperação estratégica entre o Governo e o Presidente da República, os portugueses estão confrontados com o maior ataque aos seus direitos e às suas condições de vida de que há memória em democracia.
A pobreza tem aumentado a olhos vistos. Todas as entidades que convivem com a realidade social do nosso país confirmam essa triste evidência. Os testemunhos das instituições de apoio aos mais pobres, dos autarcas, dos professores, das Igrejas, dos académicos, que dão conta do aumento da pobreza em Portugal, são irrefutáveis.
O ano de 2010, que foi proclamado o Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social, fica marcado por um aumento da pobreza em Portugal, que só o Governo se recusa a reconhecer.
O Presidente do Instituto da Segurança Social teve mesmo o despudor de afirmar, em entrevista, que o Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social tinha atingido em Portugal resultados que ficaram muito acima das suas expectativas.
É inacreditável e insultuoso que alguém com responsabilidades possa fazer uma afirmação dessas.
E é também um facto deplorável que o actual Presidente da República e candidato Cavaco Silva se apresente agora, para ganhar votos, como grande paladino do combate à pobreza em Portugal, quando enquanto Primeiro-Ministro, durante 10 anos, e Presidente da República, desde há 5 anos, assume elevadíssimas responsabilidades na criação das condições que conduziram ao aumento da pobreza em Portugal.
Todas as medidas do actual Governo, que conduziram ao aumento da pobreza no nosso país e que vão seguramente agravar a situação em 2011, contaram sempre com o apoio explícito do Presidente Cavaco Silva, que não só promulgou sem pestanejar todos os diplomas que cortaram
prestações sociais, que reduziram os subsídios de desemprego, que cortaram abonos de família, que reduziram as comparticipações nos medicamentos ou que cortaram os salários, como assumiu o patrocínio do Orçamento do Estado para 2011, desdobrando-se, em colaboração com os banqueiros, em pressões de toda a ordem com vista a garantir a sua aprovação.
Quando responsáveis políticos, sejam deputados, sejam membros do governo, sejam presidentes da república ou sejam candidatos presidenciais, aprovam e apoiam as políticas que conduzem ao aumento da pobreza é de uma total hipocrisia que se apresentem a lamentar o aumento da pobreza e, ainda pior que isso, a tentar ganhar votos à custa da miséria alheia.
Quem subscreve e apoia as políticas que são causa do aumento da pobreza não tem nenhuma autoridade política para lamentar as suas consequências. O aumento da pobreza não é uma inevitabilidade, tem causas políticas concretas e combate-se com políticas concretas e não apenas com a retórica de quem se pretende ilibar das suas próprias responsabilidades.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Helena Pinto,
Muito obrigado pelas suas questões, que são muito pertinentes e que dividiria em três aspectos.
Começarei pela questão que colocou sobre até onde é que vai o Governo em matéria da chamada flexibilização da legislação laboral.
Importa lembrar que quando o comissário europeu veio dizer que Portugal precisava ainda de flexibilizar a legislação laboral, o Governo começou por negar essa intenção, referindo que para o Governo a legislação laboral estava muito bem e que não havia intenção de mexer nela.
Em poucos dias, alterou-se essa posição e passou-se uma coisa extraordinária: antes da reunião da concertação social, em que o Governo iria anunciar a sua intenção de reduzir as indemnizações por despedimento, foi o representante das associações patronais que veio fazer esse anúncio, ainda antes de o Governo o fazer. Foi o patronato que veio anunciar aquilo que o Governo iria fazer antes de o próprio Governo anunciar sequer essa intenção, o que muito, muito significativo.
Mas, Sr.ª Deputada, há uma outra questão que relaciono com esta e que se prende com a do salário mínimo, porque também aí são mais que visíveis as pressões do patronato para recusar aos trabalhadores portugueses o aumento do salário mínimo, que é da mais elementar justiça, da mais elementar decência, e que corresponde a um compromisso solene assumido entre o Governo e todos os parceiros sociais e a uma recomendação que a Assembleia da República confirmou.
Não queremos, pois, acreditar que o Governo venha agora anunciar um qualquer faseamento ou uma qualquer desculpa para fugir a esta sua obrigação de aumento do salário mínimo.
Concluo, Sr.ª Deputada Helena Pinto, associando-me à saudação que fez aos muitos milhares de trabalhadores que participaram na greve geral, histórica, que se realizou este ano e também me associo àquilo que acabou de dizer acerca da hipocrisia daqueles que fingem combater a pobreza através da participação em acções caritativas.
A pobreza erradica-se combatendo as suas causas, as causas económicas e sociais que estão na sua origem. As acções de caridadezinha, ainda que alguns promotores possam ser bem intencionados na sua promoção, são meros paliativos e não combatem minimamente as causas que conduzem à pobreza. Portanto, ser contra a pobreza não é, apenas, actuar dessa forma, mas exige um combate firme às medidas políticas, económicas e sociais que conduzem a que a pobreza aumente no nosso país, como, infelizmente, tem vindo a acontecer.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado João Galamba,
Disse que tracei, na minha intervenção, um cenário dantesco sobre o aumento da pobreza. O que eu disse, da tribuna, sobre a pobreza não fomos nós que o inventámos. Sr. Deputado, ouça o que dizem os autarcas, o que dizem aquelas câmaras municipais que decidiram que as escolas ficam abertas ao fim-de-semana para dar de comer às crianças, porque elas não têm comida em casa. O Sr. Deputado ouça o que dizem as instituições que se dedicam ao combate à pobreza, declarando que não estão a ter meios para ajudar todas as pessoas, porque têm aumentado de uma forma extraordinária as que pedem ajuda alimentar. O Sr. Deputado ouça, inclusivamente,
os representantes da Igreja Católica, que têm uma acção social nesta matéria. O Sr. Deputado ouça-os, porque não somos nós que estamos enganados. As únicas entidades que insistem em fechar os olhos perante a dura situação de pobreza no nosso País são o Governo e o Partido Socialista. Portanto, seria bom que os senhores, em vez de nos acusarem de fazermos cenários dantescos, olhassem para a realidade e não fechassem os olhos perante ela.
O Sr. Deputado falou em «a esquerda que se alia à direita». Essa é muito boa, Sr. Deputado! Então, fomos nós que nos aliámos com a direita para aprovar o Orçamento do Estado para 2011?!
Ou foram os senhores que aprovaram o Orçamento do Estado com o apoio activo do PSD e do Presidente Cavaco Silva?! Foram ou não?!
Quem é que tem apoiado o Governo, em todas as medidas anti-sociais, em todas as medidas de
destruição do Estado social? Somos nós ou é a direita?!
Evidentemente, a realidade é indesmentível: tem sido com o apoio da direita que o PS tem levado a cabo esta política que tem aumentado a pobreza e destruído o Estado social.
Finalmente, Sr. Deputado, teve umas tiradas filosóficas, não sei se pseudomarxistas, se pseudoantimarxistas, não percebi, mas que, em todo o caso, a esta hora da manhã, me deixaram com a cabeça um pouco a andar à roda. Presumo que o Sr. Deputado tenha lido o Marx das Selecções do Reader´s Digest, e com essas «fontes» não discuto.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Magalhães,
Agradeço-lhe a questão colocada e tenho também que lhe dizer o seguinte: as perspectivas que antevi para 2011 — não são nenhuma invenção da nossa parte, os Srs. Deputados sabem isso — vão ser consequências inevitáveis do Orçamento do Estado que foi aprovado para 2011. Mas já em 2010, como todos sabemos, também aumentou a pobreza no nosso país e aumentaram as dificuldades para a grande maioria dos portugueses.
Também não nos esquecemos de que, em 2010, o CDS-PP viabilizou o Orçamento que está em vigor.
E ninguém nos tira a ideia de que o CDS-PP não viabilizou o Orçamento para 2011 porque não foi preciso.
A nossa história recente tem demonstrado que, quando é preciso o CDSPP dar uma mãozinha para aprovar medidas de direita, não costuma faltar.
O Sr. Deputado referiu-se, em tom crítico, ao facto de eu ter salientado muito, na minha intervenção, as responsabilidades do Professor, e candidato, Cavaco Silva, actual Presidente,
em relação à situação a que o País chegou e de eu ter ilibado, segundo disse o Sr. Deputado, as
responsabilidades do Governo.
Bom, nesse ponto, presumo que o Sr. Deputado sentiu onde lhe doeu.
Se tivesse ouvido bem a minha intervenção, teria verificado que acentuei — evidentemente! — as responsabilidades do actual Presidente da República, e candidato, Cavaco Silva, mas não ilibei o Governo. Pelo contrário, referi-me a estas medidas como sendo tomadas pelo Governo e da inteira responsabilidade do Governo.
Mas o Sr. Deputado colocou uma questão muito interessante: a de saber se isto não constitui também uma crítica ao candidato presidencial que tem o apoio do Partido Socialista. Devo dizer-lhe, com toda a frontalidade, que também é, Sr. Deputado!
Ora, foi também por isso que o PCP entendeu que, nestas eleições presidenciais, deveria apresentar o seu próprio candidato. É que nós conhecemos o passado e o presente político do candidato Manuel Alegre e, como é evidente, não ignoramos a sua origem partidária, a sua filiação partidária e as posições que ele foi tomando relativamente a todas as políticas levadas a cabo, ao longo das últimas décadas, pelo Partido Socialista.
Por conseguinte, quisemos acentuar que nos demarcamos das políticas dos governos do Partido Socialista e que consideramos fundamental que haja nas eleições presidenciais uma voz de oposição às políticas do Governo e às concepções do actual Presidente Cavaco Silva.
Em suma, demarcamo-nos, muito claramente, nestas eleições, do candidato que é apoiado pelo Partido Socialista. Nisso o Sr. Deputado tem inteira razão.

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