Intervenção de

Política de educação - Intervenção de António Filipe na AR

 

Interpelação ao Governo centrada na política de educação

 

Sr. Presidente,

Sr.ª Ministra da Educação,

Sabemos que a Sr.ª Ministra e os Srs. Secretários de Estado não são juristas, mas há um princípio que qualquer cidadão tem de saber: a ignorância da lei não aproveita a ninguém.

E muito menos pode aproveitar ao Governo. É bom que os senhores saibam que num Estado de direito as leis são para cumprir e as decisões dos tribunais são para respeitar.

Lembramos que, em 2005, depois da repetição dos exames do 12.º ano, quando o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade dessa repetição, a Sr.ª Ministra veio dizer que se voltasse atrás faria exactamente o mesmo, o que é absolutamente inadmissível.

Agora, vem o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos dizer que o Governo não tem de pagar as horas extraordinárias aos professores pelas aulas de substituição, quando o Sr. Secretário de Estado deveria saber (ou alguém lhe deveria dizer) que nos termos do artigo 161.º do Código  de Processo dos Tribunais Administrativos, havendo cinco sentenças transitadas em julgado, essa decisão é extensível a todos os processos, independentemente de qualquer acção judicial.

O Sr. Secretário de Estado vem dizer: «Ah, mas há nove decisões que não são favoráveis aos interessados». Simplesmente, Sr. Secretário de Estado, isto não é um jogo de pinguepongue!

Não há nove a cinco! O que se passa é que, nos termos da lei, havendo cinco decisões transitadas em julgado favoráveis aos interessados, essa decisão tem força obrigatória geral, tem de ser cumprida pelo Governo e o Governo tem de pagar. Assim, queremos saber quando é que o Governo vai pagar aquilo que deve aos professores por decisões judiciais.

Finalmente, ainda temos esperança que a Sr.ª Ministra diga alguma coisa sobre o sistema de avaliação de desempenho, o que até agora ainda não fez.

A Sr.ª Ministra diz que não suspende nem adia o sistema de avaliação.

Então, pergunto-lhe o seguinte: de que é que vale aquele documento apócrifo que está no site da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação, que manda aplicar uma coisa diferente daquilo que está no decreto regulamentar que o Governo diz que não aplica.

Gostava de saber a que lei é que o Governo vai buscar estas regras apócrifas e, afinal de contas, para o Governo, qual é o regime que se tem de aplicar, porque nós ainda não percebemos.

(...)

Sr. Presidente,

Sr.ª Ministra da Educação,

Srs. Membros do Governo,

Sr.as e Srs. Deputados:

Ficou muito claro nesta interpelação que um dos problemas da educação em Portugal é que o Governo se recusa a aprender.

O Governo sai desta interpelação com a arrogância e a teimosia com que entrou e recusa-se a admitir a evidência de que a sua política educativa já bateu, irremediavelmente, no fundo e está condenada.

A falência desta política educativa é tão evidente que o Governo e a maioria insistem teimosamente em defendê-la, mas não conseguem convencer ninguém dos seus méritos. Em

vez disso, atacam todos os que a contestam, os professores, os partidos da oposição, e até o Ministro Augusto Santos Silva já foi atingido pelo «estilhaço» de um «petardo» lançado desastradamente pelo Secretário de Estado Valter Lemos contra a sua antecessora Ana Benavente.

A maioria interveio neste debate não tanto para defender o Governo e a sua política mas para atacar a oposição. Mas, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados da maioria, as oposições podem ter a culpa de muita coisa, mas o reconhecido fracasso da vossa política é culpa exclusivamente vossa.

Este Governo lançou o maior ataque à escola pública a que o País alguma vez assistiu. Encerrou escolas sem outro critério que não fosse o de poupar dinheiro à custa do direito ao ensino de milhares de crianças, que passaram a ter de se deslocar dezenas de quilómetros para frequentar escolas com piores condições do que as que foram encerradas nas suas terras.

O Governo procura esconder o fracasso da sua política e o real atraso educativo do País com mistificações destinadas a melhorar a estatística, sem alterar a realidade. Para se enfeitar com algumas décimas estatísticas, o Governo mascara o insucesso escolar, desqualifica as aprendizagens e desvaloriza a exigência pedagógica. As estatísticas melhoram, mas a educação e o ensino degradam-se, porque, para este Governo, as pessoas não passam de números.

Um dos eixos centrais desta política de ataque à escola pública tem sido a guerra contra os professores. O Governo aprovou um Estatuto da Carreira Docente que ofende a dignidade dos professores; criou barreiras administrativas no acesso à profissão, como a famigerada prova de avaliação para a admissão a concurso para lugar de ingresso; criou obstáculos intransponíveis à progressão na carreira, impedindo a maioria dos professores de ter acesso à categoria de professor titular; e pretendeu impor um regime de avaliação de desempenho dos docentes, burocratizado e insensato, que se tornou um factor de instabilidade nas escolas.

O Governo pretende aprovar um regime de gestão das escolas que contraria todos os princípios de democraticidade e de participação, substituindo os órgãos colegiais de gestão por directores, que não são mais do que delegados políticos do Governo, que fazem lembrar os antigos regedores das freguesias.

Neste modelo de gestão, os critérios impositivos, burocráticos e autoritários sobrepõem-se aos princípios de natureza pedagógica que deveriam prevalecer.

O Governo procura defender-se das críticas, com o velho «disco riscado» de que quem critica quer deixar tudo na mesma, o que, no que nos diz respeito, não passa de uma total falsidade.

O problema do regime de avaliação de professores não é haver avaliação de professores, é que uma coisa é haver um regime rigoroso de avaliação de professores que seja credível e aceitável e outra coisa é haver esta trapalhada que o Governo procura impor às escolas, que não é mais do que um simulacro grotesco de avaliação.

Em relação à gestão das escolas, o problema também não é haver um novo modelo de gestão. O PCP também propõe um novo modelo de gestão. O problema é que, enquanto o PCP propõe um novo modelo que aprofunde os valores da democraticidade, da colegialidade e da participação, o Governo pretende instaurar um regime de gestão unipessoal, autoritário e contrário aos princípios mais elementares de gestão democrática.

Se o Governo e a maioria nos acusam de querer deixar tudo na mesma, aceitem o nosso desafio, não fujam ao debate democrático e confrontem aqui, na Assembleia da República, as

medidas que pretendem impor com as propostas alternativas que apresentamos.

A imagem que aqui fica, no final desta interpelação, é a de um Governo completamente desorientado e desacreditado, que ignora as leis, que se recusa a cumprir as decisões dos tribunais e que insiste em querer impor às escolas a aplicação de medidas insensatas e quase unanimemente rejeitadas.

Na sequência da gigantesca manifestação de 8 de Março, que foi uma prova concludente da falência da sua política, a equipa do Ministério da Educação tem dado mostras da mais completa desorientação. O Secretário de Estado diz uma coisa na terça-feira e é desautorizado pela Ministra na quarta-feira; o Governo recusa-se a admitir que a aplicação do regime de avaliação seja suspensa ou adiada mas, entretanto, divulga documentos apócrifos a mandar aplicar um sistema simplificado de avaliação que a lei não prevê em parte alguma e que faz com que tudo isto não passe de uma farsa e de uma total ausência de respeito para com o trabalho e a dignidade dos professores.

Em vez de se enredar de trapalhada em trapalhada, o Governo já deveria ter percebido que a prepotência e a arrogância não resolvem nenhum dos problemas da educação em Portugal. Ao que estamos a assistir não é a uma guerra entre os professores e o Governo, ao que estamos a

assistir é ao triste espectáculo de um Governo enredado numa política errática e que é, ele mesmo, um grave problema para o País.

O mais elementar bom senso aconselharia o Governo a mudar de rumo e a procurar encontrar soluções aceitáveis para os principais problemas que hoje afectam a educação em Portugal.

O desafio que aqui insistimos em deixar ao Governo é que aceite discutir na Assembleia da República a situação criada com o regime de avaliação de professores e que aceite, em diálogo com os interessados, contribuir para a definição de um sistema credível, que possa contar com a participação empenhada dos principais intervenientes no processo educativo.

Se a maioria recusar o diálogo que propomos, prevalecerá, porque é maioria, mas dará um exemplo deplorável de insensatez.

Em democracia vale a regra da maioria, mas ter a maioria não significa ter razão, e a razão pode ser vencida pela maioria mas não deixa, por isso, de ser razão.

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