Intervenção de Zulmira Ramos, Mesa Redonda «Energia e recursos na transição energética. Soberania, segurança, ambiente e desenvolvimento»

Petróleo e transição energética

Os combustíveis fosseis (carvão, petróleo e gás natural) têm sido responsabilizados pelas alterações climáticas devido à emissão de CO2 e ao efeito de estufa que induz.

Mas será fácil encontrar alternativas, economicamente aceitáveis, tecnicamente viáveis que não ponham em causa a qualidade de vida, não só das sociedades mais desenvolvidas mas, principalmente, das que procuram a todo o custo sair dos níveis de pobreza que assolam milhões de seres humanos no nosso planeta?

Esta é uma pergunta que, do meu ponto de vista, só pode ter uma resposta: NÃO, NÃO É FÁCIL.

O consumo de energia primária não tem parado de subir ao longo dos anos (Gráfico1),

Não existe, hoje, um bom substituto para o petróleo em termos de disponibilidade e adequação à sua finalidade. A sua substituição em níveis significativos ainda demorará décadas a ser uma realidade ( Gráfico 2).

Embora a oferta seja finita (provavelmente o pico de produção já foi atingido em quase todos os países), o petróleo ainda é abundante e as tecnologias para o extraírem são largamente conhecidas e testadas, mesmo em situações de dificuldade de extração como sejam em águas profundas e ultra-profundas (p.e. no Brasil) ou o fracking (EUA). O mesmo se passa para o gás natural (GN).

A energia concentrada no petróleo e GN é de tal forma elevada que tem sido muito difícil encontrar um outro, ou outros, substitutos com a mesma eficiência e maleabilidade na sua utilização.

A história das transições energéticas tem mostrado um movimento constante em direção a combustíveis mais densos em energia e mais fáceis de usar do que aqueles que eles substituíram.

O GN possui 53,1 MJ/kg, a gasolina/gasóleo 45,8 MJ/kg, o carvão vegetal 34,7 MJ/kg, o carvão mineral 30,2 MJ/kg, a madeira 19,8 MJ/kg e as baterias de lítio 0,504 MJ/kg.

No entanto, estes combustíveis são finitos, não duram para sempre e, cada vez mais, apesar de avanços tecnológicos significativos, a sua extração é mais cara e difícil. O seu esgotamento e o aumento dos gases com efeito de estufa que originam são problemas a que devemos dar uma atenção e uma resposta.

Teoricamente a terra recebe energia do sol suficiente para todos nós, mesmo tendo em conta o aumento da população mundial, as nossas vidas modernas e o uso intensivo de energia. A quantidade de energia solar que atinge terras habitáveis ​​é mais de 1.000 vezes a quantidade de energia de combustível fóssil extraída globalmente por ano. O problema é que essa energia é difusa, dispersa, ou seja, é preciso concentrar essa energia, p.e. para aquecer as casas ou mover um veículo.

O desenvolvimento tecnológico tem permitido melhorar o desempenho das turbinas eólicas e das células fotovoltaicas e baixar significativamente o seu custo. Mas estas novas tecnologias requerem novos produtos e materiais que também são finitos na natureza, como o cobre, lítio, níquel, cobalto, terras raras etc. 

“Eletrificar tudo” parece ser a panaceia para muitos para a transição energética, mas nem tudo pode ser facilmente eletrificado.

A densidade energética dos combustíveis fósseis é particularmente importante no sector de transporte. Os processos industriais que precisam de calor muito alto – como a produção de aço, cimento e vidro – representam outro desafio. 

Por isso a substituição dos combustíveis fosseis tem de ser feita de forma progressiva e planeada (daí a necessidade de haver um planeamento energético que acautele os aproveitamentos do grande capital para fins que não são coincidentes com os dos povos) para que o mundo possa continuar a desenvolver-se sem sobressaltos, principalmente os que apresentam níveis de desenvolvimento mais débeis.

Vejamos o que se passa com o petróleo

O petróleo mudou o mundo a partir dos finais do sec. 19, princípios do sec. 20. A sua produção não deixou de crescer desde então. A sua aplicação não foi só como fonte de energia primária, mas também como matéria-prima para a produção de centenas de produtos da indústria petroquímica e farmacêutica. Podemos dizer que os países industrializados devem o seu desenvolvimento ao petróleo.

A partir do ano 2016 a parte do petróleo no consumo energético começou a baixar ligeiramente por duas ordens de razões: uma porque, sendo o petróleo um recurso finito, cada vez se torna mais difícil extraí-lo a preços economicamente viáveis e a outra é que tem havido um esforço de descarbonização (desde a assinatura do protocolo de Kyoto em dezembro de 1997) substituindo-o por outras formas de energias nomeadamente as renováveis. O consumo do petróleo baixou mesmo em valores absolutos nas crises de 1980, 2008 e em 2020. (Gráfico 3)

Os 10 maiores produtores de petróleo são, atualmente, os EUA (18,6%), a Arábia Saudita (12,5%), a Rússia (12,1%), o Canadá (5,8%), o Iraque (4,7%), a China (4,4%), os Emiratos Árabes Unidos (4,1%), o Irão (3,5%), o Brasil (3,4%) e o Kuwait (3,0%).

Os três primeiros países (EUA, Arábia Saudita e Rússia) produzem 43,2% do petróleo do mundo.

A tecnologia de extração do shale oil e gás nos EUA, proveniente de fraccionamento das rochas onde se encontra o petróleo e gás, em 2011, fez aumentar substancialmente a produção deste país, apesar dos custos de extracção serem substancialmente superiores aos de outras regiões, nomeadamente do Médio Oriente e Rússia, só possível com fortes apoios estatais neste tipo de produção e não na produção convencional, além dos estragos geológicos e ecológicos serem enormes. No que toca ao gás os EUA passaram a ser exportadores.

Analistas de petróleo dos EUA estimam que, até ao próximo ano, as empresas de xisto dos EUA terão 42 mil milhões de dólares de prejuízos acumulados, com base em dados de 2021.

Alguns especialistas consideram que a confiança que o governo dos EU tem de que a produção de petróleo de xisto pode facilmente ser aumentada não é razoável. Uma combinação de limitações naturais, logística, inflação e impactos humanos está a aumentar e os efeitos tornar-se-ão mais evidentes à medida que o tempo avança.

No Canadá também se utilizaram técnicas (2012) para extracção de areias betuminosas

No Brasil a produção de petróleo cresceu significativamente utilizando técnicas inovadoras de extracção em águas profundas e ultra-profundas.

Estas novas técnicas e processos permitiram aumentar a produção até 2019 (fraccionamento, areias betuminosas, águas profundas e ultra-profundas), baixando 6,92% em 2020 (devido à Covid), mas havendo uma recuperação em 2021 (Gráfico 4)

Os 10 principais países que detêm a maior quantidade de reservas provadas do mundo é a Venezuela com 17,5%, a Arábia Saudita com 17,2%, o Canadá com 9,7%, o Irão com 9,1%, o Iraque com 8,4%, a Rússia com 6,2%, o Kuwait com 5,9%, os EAU com 5,6%, os EUA com 4,0% e a Líbia com 2,8%.

Já a nível do consumo, em 2020, a região da Ásia-Pacífico consumiu 45,5 % do total do mundo, a América do Norte consumiu 19,4%, a Europa 13,9%, a Rússia e outros países da antiga União Soviética 6,7%, o Médio Oriente 6,5% e África com 3,3%

Por países os EUA é o primeiro consumidor seguido da China e India.

A Europa consome 12,8 milhões de barris de petróleo por dia e destes cerca de 3,3 milhões são da Rússia. Com a guerra da Ucrânia e o bloqueio a estes fornecimentos, os países europeus tentam encontrar outras fontes de abastecimento o que não será fácil.

Apesar desta guerra e das preocupações de descarbonização que permitiu o aumento das energias renováveis o petróleo vai continuar a ser, durante as próximas décadas, uma fonte fundamental de energia primária seguida do GN.

Sitauação em Portugal

O consumo de energia primária por tipo de fonte, em Portugal, sofreu grandes alterações, nos últimos 20 anos (Gráfico 5 e 6)

De facto, em 2000, o petróleo representava 61,7%, o carvão 15,1% as energias renováveis (hidroeléctricas, solar e eólicas) 14,4%, o GN 8,2% e outras fontes 0,6%.

Passados 20 anos a situação modificou-se substancialmente e o petróleo passou para 40,9%, o carvão para 2,7%, as energias renováveis para 29,9%, o GN para 25,0% e outras fontes para 1,5%

Em valores absolutos o consumo de petróleo baixou (Gráfico 7) e deixámos de depender tanto do petróleo com a introdução do GN no nosso país e com o desenvolvimento das energias renováveis principalmente as eólicas e fotovoltaicas.

A Galp, única empresa que importa e refina petróleo no nosso país comprou-o, em 2021, a 11 países diferentes: 46% da América Latina (com destaque para o Brasil), 27% da África Ocidental (com destaque para Angola, Nigéria e Guiné Equatorial), 9% do Médio Oriente (com destaque para a Arábia Saudita), 8% dos EUA, 7% do Azerbaijão e 3% da Argélia (Gráfico 8)

A Galp produziu, fora do nosso território, em 2021, 114 milhares de barris de petróleo por dia (sendo 13 mil em Angola, 101 mil no Brasil) e 13 mil de gás no Brasil.

A Galp possui 13 poços de águas profundas e ultra-profundas em exploração, desenvolvimento e produção no Brasil, 3 poços de águas ultra-profundas em desenvolvimento e produção em Angola, 1 poço de águas ultra-profundas em desenvolvimento em Moçambique, 1 poço de águas ultra-profundas em exploração na Namíbia e 3 poços de águas ultra-profundas em exploração em São Tomé e Príncipe.

Dado que o país importa cerca de 10 milhões de toneladas de petróleo por ano (Gráfico 9), a produção da Galp já representa 60% do consumo interno, mas será maior quando todos os poços que detém estiverem em produção.

Também em Portugal estão, desde há vários anos, identificadas áreas offshore que possuem uma alta probabilidade de conterem petróleo nomeadamente no Algarve e Peniche. Resta saber se são economicamente viáveis e se existe interesse governamental na sua pesquisa.

A refinação de produtos é feita, hoje, só na refinaria de Sines depois do fecho da refinaria de Matosinhos que, apesar de mais pequena (110 mil b/d) tinha uma particularidade que era a de ser a única que produzia óleos base e aromáticos que passámos a importar na integra.

Por outro lado, as duas refinarias complementavam-se e a produção de gasóleo de vácuo, p.e produzido só em Matosinhos passou também a ser importado, agora com dificuldades devido ao embargo às compras da Rússia, o que obrigou à diminuição da actividade da refinaria de Sines em abril/maio deste ano.

O 1º trimestre de 2022 foi um ótimo tempo para a Galp.

As duas áreas que contribuíram para este aumento foram a refinação e principalmente a produção de petróleo refletindo o efeito da guerra da Ucrânia.

A margem de refinação da Galp passou de 1,9$/barril no 1º trimestre de 2021 e 3,3 $/barril para o global do ano de 2021 para 6,9$/barril no 1º trimestre de 2022.

Esta tendência de subida da margem reflete a subida mais acelerada dos preços dos produtos a nível internacional comparado com o aumento do preço de petróleo, ou seja apesar do preço da matéria prima da refinação (o petróleo) ter subido muito (no inicio de 2021 era de 61$/barril, nos finais de 2021 era de 80$/barril e no 1º trimestre 2022 foi de 102$/barril) os preços dos derivados do petróleo subiram proporcionalmente mais, devido à pressão da procura para a reposição dos stocks que tinham atingido níveis muitos baixos.

Os 2 efeitos conjugados, margem de refinação e preço do petróleo, fizeram aumentar os resultados do 1º trimestre de 2022 da empresa que subiram 89% comparados com o mesmo período do ano passado.

Que futuro?

Pensamos que a tendência de diminuição do consumo dos produtos petrolíferos vai continuar a verificar-se também no nosso país.

A substituição do petróleo pela eletricidade vai encontrar dificuldades várias ligadas à disponibilidade de recursos minerais que são necessários para a produção de veículos elétricos, turbinas, painéis solares etc.

Segundo a AIE, um veículo elétrico requer seis vezes mais recursos minerais do que um a diesel; uma turbina eólica requer nove vezes mais do que uma central a gás. O lítio, níquel, cobalto, manganésio e grafite são cruciais para a produção de baterias de alta performance, as terras raras são cruciais para as turbinas eólicas e motores elétricos de veículos.

Estima-se que para cumprir o Acordo de Paris durante as duas próximas décadas o consumo das terras raras subiria 40%, o níquel e cobalto 60-70% e cerca de 90% para o lítio.

Estamos, portanto, perante importantes limitações dos recursos naturais disponíveis no desenvolvimento das energias renováveis que é preciso ter em conta.

Apesar destas limitações é expectável que as energias renováveis, nomeadamente a eólica e fotovoltaica, tenham cada vez mais peso no sistema energético do nosso país, substituindo parte dos combustíveis fosseis.

Também os biocombustíveis de 3ªgeração que não utilizam produtos agrícolas para fins alimentares podem ajudar a substituir parte dos combustíveis fósseis. O mesmo acontecendo com o biometano e a biomassa.

Será, portanto, uma mistura de várias energias que nos permitirá construir uma transição energética sem sobressaltos alicerçada num planeamento energético que elimine decisões avulsas e de duvidoso resultado para o nosso povo.

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