Intervenção de

Pequenas e médias empresas - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Programa de apoio às pequenas e médias empresas (Projecto de Resolução nº 175/X)

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Não nos cansaremos de o sublinhar: a oposição faz milagres. Como o demonstra o novo afã e amor do PSD pelas PME. Aliás, reproduzindo aqui um também conhecido filme PS. De facto, não há nada como a oposição para se compreender a necessidade de defender as pequenas e médias empresas.

Corria o ano da graça do fim do século XX, quando em debate nesta AR sobre o «Estado da Nação» (23 de Março de 1999), o deputado Durão Barroso, então Presidente do PSD na oposição, afirmou: «o apoio às PME será uma prioridade política. Farei aprovar nos primeiros 100 dias um Programa específico de apoio às PME e entre outras medidas uma redução do IRC das PME para 20% e uma redução para 15% no IRC às PME sediadas fora da Área Metropolitana de Lisboa e Porto». Bem esperaram as PME até 20 de Fevereiro de 2005 pelo Programa específico. Mas mais vale tarde que nunca, e oito anos e um dia depois, com o PSD novamente na oposição e Durão Barroso lá longe em Bruxelas, cá estamos na mesma AR a debater um Projecto de Resolução contendo um Programa específico de apoio às PME!

Poderemos também sublinhar a (re)descoberta da Carta Europeia das Pequenas Empresas, assinada durante a Presidência Portuguesa da União Europeia na Vila da Feira, em Junho de 2000, e para a qual, num acto de profunda autocrítica, se reconhece agora «tardam respostas concretas e claras através de uma política coerente e competente».

Verdade, tão verdade que a DGE do Ministério das Actividades Económicas e de Trabalho do Governo PSD/CDS-PP Santana Lopes e Paulo Portas, no Relatório de Implementação de 2004 da referida Carta Europeia das Pequenas Empresas, reconhecia, com uma objectividade digna de nota, «Em termos de conclusões poderemos dizer que as medidas de política, ou mais propriamente a sua ausência, (sublinho: ou mais propriamente a sua ausência) de que iremos dar nota neste relatório, espelha o muito que ainda haverá que trabalhar para uma melhor implementação das preocupações manifestadas na Carta Europeia para as PEs.»

Ou ainda, recordar (tudo más recordações para as MPME!) a crítica radical e justa ao PEC - Pagamento Especial por Conta, criado pelo primeiro Governo PS/António Guterres, que além de discurso demolidor nesta AR do então deputado do PSD Rui Rio, foi julgado e condenado em OUTDOORS espalhados por todo o País a «Pena máxima para a Colecta Mínima». Mas que depois, ampliado na gravidade do seu impacto para as pequenas e médias empresas pelo Governo PSD/CDS-PP Durão Barroso e Paulo Portas, foi transformado pela então Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, no "suprasumo" dos instrumentos de combate à fuga fiscal de pequenas empresas relapsas.

Valerá ainda a pena acrescentar algumas notas sobre três das medidas agora enunciadas.

Uma, a descoberta pelo PSD das virtualidades do «sistema bancário público» (sic), sistema reduzido pelos governos PSD, PS e CDS-PP à Caixa Geral de Depósitos, que deve, segundo o Projecto de Resolução, atribuir «prioridade à concessão de crédito para investimento e crescimento das PME.»

Outra, a criação, «no âmbito do IAPMEI» da «figura do "Gestor de Cliente para as PME", interlocuptor único para tratamento dos assuntos das PME com o Estado». Sendo uma recomendação das políticas comunitárias da Carta Europeia das Pequenas Empresas, é exactamente o contrário do que o PSD, nos Governos de Cavaco Silva fez, ao alargar o objecto do IAPMEI às grandes empresas, instrumento que foi criado exclusivamente para as Pequenas e Médias Empresas!

A terceira nota, para felicitar o PSD por finalmente acolher como medida a necessidade de «discriminação positiva» das PME, no acesso aos fundos comunitários/QREN, o que nunca fez enquanto foi governo!

Feita esta breve resenha histórica, que julgamos ser útil como pedagogia política (é bom não esquecer o passado quando olhamos para o presente e quando projectamos o futuro), gostaria de afirmar que o Grupo Parlamentar do PCP considera globalmente positivo o Projecto de Resolução do PSD que «Recomenda ao Governo um Programa de Apoio às Pequenas e Médias Empresas». Mas completar essa avaliação, com a consideração de que o conjunto de medidas propostas é parcial e claramente insuficiente para responder aos graves problemas que atravessam milhares de pequenas empresas portuguesas.

 parcial porque PS e PSD, quando falam de Pequenas Empresas reduzem em geral os problemas e as respostas desse universo de cerca de 274 mil empresas (em 2003, 99,6% do universo das 275 mil sociedades), aos problemas e respostas do conjunto de algumas pequenas e das médias empresas, e particularmente a porção desse conjunto, que são exportadoras. Quando não integram nesse «universo» as pequenas e médias unidades de um grande grupo económico - lembremo-nos dos 1,6 milhões de contos do RETEX, distribuído a 50 projectos de empresas do Grupo Amorim!

Ora, as micro e pequenas empresas são absolutamente dominantes (como se constata no estudo do INE, as micro são 81,8% e as pequenas 15,4%) naquele universo. Conjunto que produz 55,4% do emprego e 36,2% do volume de negócios!

Milhares e milhares dessas pequenas empresas produzem para o mercado interno. Quando as políticas económicas orçamentais restritivas (ver Pacto de Estabilidade), como as dos anteriores governos PSD/CDS-PP e as actuais do Governo PS, penalizam o poder de compra dos portugueses e estrangulam financeiramente as autarquias locais (ver também Lei das Finanças Locais), principais clientes em muitos concelhos das pequenas empresas, a sobrevivência destas unidades económicas torna-se um calvário. O Projecto nada diz sobre este problema!

Milhares e milhares dessas empresas estão ligadas ao comércio (tradicional) - 99,7% das empresas desse sector são MPME! Ora, as políticas de expansão explosiva e desordenada de unidades e formatos dos grupos da grande distribuição, graças às políticas de total liberalização antes e total permissividade após a legislação do Governo PSD/CDS-PP, que o Governo PS não revogou, vem liquidando irreversivelmente o pequeno comércio tradicional. Mas não só! A grande distribuição continua a impor condições predatórias aos seus fornecedores industriais e agrícolas, sem que nenhum governo lhe ponha cobro. O Projecto de Resolução nada diz sobre o assunto!

Milhares e milhares de pequenas empresas de serviços e sectores tão diversos com as oficinas de automóveis, as empresas de desempanagem, proprietários florestais, pequenos retalhistas de combustíveis, pequeno comércio e pequenas unidades dos sectores produtivos são vítimas da voracidade dos grandes grupos económicos da banca, dos seguros, da grande distribuição, das petrolíferas, das celuloses, violando as regras de uma concorrência leal, abusando de posições dominantes, impondo preços monopolistas, sem que o Governo intervenha a tempo e horas e em devida forma. A venda abaixo de custo pelas grandes superfícies é o pão nosso de cada dia e as coimas são ridículas. Colocada perante esta realidade, a AdC diz que não tem meios! O Projecto de Resolução nada diz sobre o tema!

Milhares e milhares de pequenas empresas, em particular dos sectores produtivos, suportam elevados custos de factores de produção essenciais, como os da energia (electricidade, gás, combustível, etc) e telecomunicações, afectando a sua competitividade interna e externa, porque superiores ao dos seus concorrentes estrangeiros. O pequeno consumidor industrial de electricidade ou gás paga respectivamente o triplo ou o dobro do grande consumidor! Corolário lógico das políticas de reestruturação, liberalização e privatização das empresas do sector público fornecedoras desses bens, com liquidação dos mecanismos de perequação, possíveis pela natureza das empresas públicas verticais! O Projecto de Resolução faz silêncio sobre este problema!

Mas não só o Projecto de Resolução do PSD nada diz como o Governo PS/Sócrates prossegue a generalidade destas políticas para as MPME. Com algumas agravantes.

Com uma nova lei do arrendamento penalizando os direitos e a estabilidade dos pequenos estabelecimentos e liquidando de facto o valor do «trespasse».

Com um QREN que transferindo os apoios às MPE para os Programas Operacionais Regionais, sem o estabelecimento de plafonds com esse objectivo, vai agravar ainda mais as dificuldades do acesso às ajudas comunitárias das PME, que ao nível regional dificilmente poderão ter prioridade, num quadro de escassez de meios, na concorrência com outros projectos!

Com os atrasos de meses e meses nos pagamentos das dívidas do Estado às pequenas empresas, em particular respeitantes a projectos apoiados por fundos comunitários, decorrentes da política ortodoxa de redução do défice das contas públicas em curso, ainda ontem aqui elogiadas pelo 1º Ministro!

Na manutenção de uma política fiscal, com significativos diferenciais do IVA relativamente a Espanha, que estão a causar a dizimação de centenas de pequenas e médias unidades de retalho nas zonas fronteiriças!

São necessárias outras políticas para as pequenas empresas portuguesas. Não basta tecer-lhes louvores no discurso político.

São necessárias e possíveis políticas que atendam à sua especificidade, natureza e implantação no tecido económico português.

Gostaria de recordar, para terminar e para os mais esquecidos nestas matérias, que a Constituição da República não é neutra face à dimensão das empresas. Diz, no seu artigo 86.º, «O Estado incentiva a actividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas.»!

Disse.

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