Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República

O PCP vai propor a criação de uma Comissão de Inquérito à privatização da ANA

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Senhor Presidente

Senhoras e senhores deputados,

A IL traz o tema do papel do Estado e do respeito pelo contribuinte. 

Temos naturalmente visões diferentes sobre este tema. 

Por exemplo, a IL desconsidera a função redistributiva da política fiscal.

Desconsidera a importância das funções sociais do Estado, que deveriam garantir a todos os cidadãos o acesso à Educação, à Saúde, à habitação, à cultura, e a outros direitos fundamentais que o “mercado” não resolve. 

E quanto ao papel do Estado na economia, é importante que se discuta este assunto em termos concretos, e não na visão utópica que a IL aqui apresenta. É que o capitalismo real não é o da “livre concorrência”, mas sim o da formação de monopólios.

Este tema revela-se de enorme atualidade, após a publicação do Relatório do Tribunal de Contas sobre a privatização da ANA, que é um acontecimento ao qual esta Assembleia não pode fugir.

O “respeito pelo contribuinte” de que fala a IL não se coaduna com o desastre que têm sido as privatizações. 

O exemplo da ANA é gritante. 

O Tribunal de Contas arrasa a privatização, que – e cito – “não salvaguardou o interesse público”. 

Diz o relatório que, em vez dos 3.080 milhões de euros anunciados pelo Governo PSD/CDS, afinal o preço de venda foi de 1.127 milhões de euros. 

Que, inexplicavelmente, a Vinci recebeu os dividendos de 2012, quando a empresa ainda era pública. 

Que a lei que obriga a uma avaliação do ativo não foi cumprida. 

Que o Governo PSD/CDS usou o regime das concessões públicas, para fugir a obrigações legais que teria em concessões a privados, como era o caso. 

Que, se os lucros da ANA continuarem a evoluir como até agora, serão, ao longo destes 50 anos, de 23 mil milhões de euros, dos quais o Estado – mesmo contando com o valor da venda – vê menos de 3 mil milhões, o que significa que esta privatização retirou ao contribuinte e entregou aos lucros da multinacional Vinci cerca de 20 mil milhões de euros! São 25 anos a ganhar o Euromilhões todas as semanas! Aí está o “respeito pelo contribuinte” das políticas neo-liberais.

Nos CTT, colocamos-vos a mesma questão que ontem colocámos ao Chega.

Sabem que o Governo PS fez um acordo secreto com os acionistas privados dos CTT, que lhes deu mais vantagens no processo que prolongou a concessão por ajuste direto? 

Que com eles negociou a alteração da Lei Postal, que foi feita por Decreto-Lei nas costas desta Assembleia da República, uma alteração que beneficia o privado e prejudica o interesse público? 

E da parte da IL, ouvimos dizer alguma coisa? Nada! 

O que é privado é bom não é? 

Mesmo que seja um serviço de correios que não entrega cartas a tempo, cada vez mais distante das populações, e que trata mal os seus próprios trabalhadores – que, ao contrário do que a IL afirmou, são hoje menos, na área postal, do que antes da privatização.

Mesmo que os acionistas privados tenham delapidado património para poderem distribuir dividendos acima dos lucros operacionais!

Mas falemos também do caso da PT. Uma empresa que, enquanto era pública, era líder na investigação e desenvolvimento, na inovação tecnológica, com impactos muito para lá do serviço de telecomunicações. 

Desde que foi privatizada, deixou de ter esse papel, e passou a servir os desmandos, primeiro do grupo Espírito Santo, e agora da Altice, com os negócios fraudulentos em que os seus administradores foram apanhados. 

E agora, a Altice já se prepara para vender ativos estratégicos do país a fundos internacionais ou à operadora de comunicações saudita. A venda destes ativos não preocupa a IL? Claro que não.

E quanto ao SNS, sabemos bem o que querem: a parte lucrativa – e muito lucrativa – da prestação de cuidados de saúde, passa para os privados, subsidiados pelo estado. Para o serviço público ficará o resto: o que não interessa aos privados, porque sai caro de mais. 

Por fim, vamos lá falar de transparência. O PCP anunciou que vai propor a criação de uma Comissão de Inquérito à privatização da ANA e assume perante os portugueses o compromisso de apresentar e votar essa proposta assim que abrir a próxima legislatura. 

E a IL, está disposta a apoiar essa proposta?

E o PSD, que até já disse publicamente que os Ministros do PSD querem exercer o direito ao contraditório e explicar as circunstâncias daquela privatização?

E o Chega, que propõe uma Comissão de Inquérito por semana, vai apoiar a criação de uma sobre a privatização da ANA? 

E o PS? Apoia ou não apoia, compromete-se ou não se compromete? 

Um Relatório como aquele que o Tribunal de Contas acaba de publicar não pode deixar esta Assembleia indiferente. E se o deixar, os eleitores que tomem as medidas necessárias!

É que cada um destes processos de privatização – da ANA, dos CTT, da TAP, da PT, da EDP e da REN, da Efacec – mostram o contrário do respeito pelo contribuinte. 

Mostram a submissão aos grandes interesses; mostram a entrega do país ao capital estrangeiro; mostram que há grupos económicos que vivem à grande, e à custa desta promiscuidade.

Mostram uma direita que está desejosa de vender o que resta do país. E, por outro lado, um PS que diz que é contra as privatizações do passado, mas não as quis nem quer reverter. E até prepara novas privatizações, como no caso da TAP. 

Para arrepiar caminho, para respeitar, sim, o interesse público e assegurar o controlo público, e democrático, dos principais sectores estratégicos, é preciso uma alternativa, é preciso o reforço da CDU. 
 

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