Já no final da Reunião Nacional de Quadros do PCP «O estado da Cultura em Portugal e as propostas do PCP», começo por destacar os importantes contributos que aqui nos deixaram os camaradas que, nas suas intervenções, mostraram não apenas um significativo conhecimento da situação que se vive no sector, mas, mais importante, apontaram soluções que a serem adoptadas darão à Cultura o importante papel que deve ter como elemento central da nossa identidade enquanto País.
Há muito que o PCP chamou a atenção para a urgência de se romper com a política de desresponsabilização e asfixia financeira, de esvaziamento e secundarização da Cultura da responsabilidade de PS, PSD e CDS e que na última década se caracterizou por um processo acelerado, empurrando o sector para uma profunda crise.
Há duas importantes conclusões que é possível desde já tirar desta reunião:
- A primeira é que a política de direita lançou este sector numa profunda crise, não apenas por razões economicistas, mas sobretudo devido ao seu papel central na formação da consciência da soberania e da identidade nacional e pelo seu potencial de criação, liberdade, transformação e resistência.
- A segunda é que é fundamental romper com a política de direita que ao longo destes 40 anos bloqueou o enorme potencial de democratização cultural aberto pela Revolução de Abril e garantir uma política que assegure o acesso generalizado à livre criação e fruição culturais.
Política de direita em que a Cultura é concebida como apenas mais uma área de actividade económica, centrada em torno das chamadas industrias culturais, em que a livre e independente criação é substituída pela resposta da monocultura dominante. Uma política que tem promovido a secundarização da Cultura, reduzindo progressivamente, em sede de Orçamento do Estado, as verbas consignadas, ao mesmo tempo que se foi alimentando a ideia de que a solução reside no mecenato cultural, colocando nas mãos de mecenas uma parte do seu financiamento, promovendo-se assim cada vez mais a desresponsabilização do Estado perante a Cultura e os seus profissionais.
Em completo desrespeito pela Constituição da República Portuguesa, de que a atribuição de 0,1% do Orçamento do Estado para a Cultura é um exemplo elucidativo, a política de direita na Cultura tem como principal objectivo substituir qualquer perspectiva de democratização cultural, comprometida com as aspirações de transformação, emancipação e liberdade dos trabalhadores e do povo, pela mercantilização cultural ao serviço dos interesses de lucro privado e de hegemonia cultural da grande burguesia, dos grupos monopolistas e das industrias culturais por estes promovidas.
Fruto desta política são os sinais de grandes dificuldades por que passam os vários subsectores da cultura:
- O investimento público caiu a pique, atingindo em 2016 o valor mais baixo em democracia;
- Os cortes nos apoios às artes e os contínuos atrasos nos concursos, situação que tem levado ao cancelamento de programas, festivais e espectáculos e ao fecho de companhias por falta desses apoios;
- A grave situação que se vive nos arquivos e nas bibliotecas por dificuldades financeiras para a sua renovação;
- A falta de apoio à criação literária fruto de uma política que privilegia os monopólios literários;
- No cinema, os apoios à produção deixaram de ser considerados no Orçamento do Estado, ficando dependentes de uma taxa paga pelas empresas prestadoras de serviço de televisão;
- Museus, palácios e monumentos nacionais em que, sem a contratação de novos trabalhadores e com a reforma de muitos dos seus quadros, vão perdendo capacidade de “passagem do testemunho” e salvaguarda do conhecimento;
- A tutela do Património Cultural enfraquecida e esvaziada de meios humanos e materiais, com evidentes dificuldades de intervenção no terreno;
- O património que deveria ser objecto de especial protecção e valorização, foi-se degradando, fruto da incúria de décadas, e ficou ao abandono ou, pior ainda, foi vendido a pataco;
- O desemprego e o flagelo da precariedade que atinge grande parte dos trabalhadores da Cultura.
Política de direita que, relativamente ao património, desenvolveu ao longo dos últimos anos, em alternativa à responsabilização do Estado no financiamento da Cultura, um processo de privatização e concessão dos imóveis a privados que, entre outras consequências destaca-se a dificuldade ou mesmo impedimento do acesso e fruição pela generalidade da população e com ganhos reduzidos ou mesmo duvidosos para o Estado. Exemplo disto é o que se passa com a Parques Sintra – Monte da Lua, em que a Direcção Geral do Património Cultural recebe cerca de 500 mil euros pela concessão, enquanto a sociedade concessionária chega a declarar um volume de negócios de cerca de 15 milhões de euros. Situação semelhante pode vir a acontecer relativamente ao eixo Belém/Ajuda, caso não sejam abandonadas, em definitivo e de forma muito clara, as perspectivas que existem para a gestão do vasto património cultural existente na zona, objectivo a pensar sobretudo na oferta turística e no negócio.
Ao contrário do que parece ser uma opção do actual governo, a solução deste e outros problemas existentes no sector, não passa pela municipalização da cultura. Qualquer solução de passar para as autarquias, particularmente, o património museológico, passando para estas a sua manutenção e conservação, num quadro em que é conhecida a situação de asfixia financeira da maioria das autarquias e sabendo-se que o poder central quando transfere novas responsabilidades, não as faz acompanhar dos respectivos meios técnicos, humanos e financeiros, terá a oposição do PCP como já teve no passado.
Sem uma verdadeira descentralização administrativa do País, a municipalização de que se fala, não passa de uma delegação de competências em que as autarquias assumem os problemas, principalmente os encargos financeiros.
A Constituição da República Portuguesa consagra a responsabilidade do Estado para a promoção da “democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural”.
A criação artística livre é a primeira condição para a livre fruição cultural e artística, sendo assim imprescindível que o Estado promova os apoios necessários aos vários sectores da área da cultura. Não tem sido este o entendimento de sucessivos governos que têm vindo a proceder a cortes crescentes no apoio às artes e aos artistas, sendo que o apoio directo perdeu cerca de 75% do total do valor quando comparado 2015 com 2009. O corte entre 2014 e 2015 foi superior a 1 milhão de euros, valor que voltou a subir em 2016.
Sinal inequívoco da falta de vontade política que marca a atitude de sucessivos governos em relação ao princípio constitucional da democratização da cultura, é o continuado incumprimento de uma recomendação da UNESCO que coloca como princípio orientador para países, com o tipo de desenvolvimento do nosso, que as verbas a gastar com a cultura deveriam representar 1% do PIB. Este objectivo que vinha sendo sistematicamente anunciado, sempre em vão, tornou-se, na formulação mistificatória do governo PS já em 2006, em 1% do Orçamento do Estado. Desde então os apoios concedidos à cultura foram claramente insuficientes, como a percentagem de projectos apoiados foi muito baixa, excluindo em várias áreas, propostas de grande qualidade. Hoje o Orçamento do Estado para a cultura é pouco mais de 0,1%.
Um dos aspectos mais negativos da política de sucessivos governos para a cultura, é a contribuição que têm dado para o agravamento da situação social e profissional de muitos trabalhadores artísticos, em particular na área dos trabalhadores do espectáculo. Generalizaram-se a instabilidade, a precariedade e a insegurança, tanto nos trabalhadores individuais como nas estruturas em que se integram. O que se pretende instituir como normal é a instabilidade, a precariedade, o curto prazo, a actividade pontual e intermitente.
Foi aqui afirmado que era terrível definir um trabalhador como um precário, “o precário”. Forças políticas, inclusive da chamada esquerda radical, criando o movimento dos precários, definindo um espécie de estatuto dos precários. Nós combatemos tal concepção de um ponto de vista de classe. Precários são os vínculos, trabalhadores são todos.
Esta situação não é apenas social e humanamente gravosa e inaceitável. Ela representa também a negação do exercício da liberdade de criação artística para estes profissionais.
A política cultural que o PCP defende implica, entre outras preocupações: o reconhecimento e a valorização dos trabalhadores da área cultural e das suas estruturas e a melhoria constante da sua formação e condições de trabalho, e o apoio efectivo aos jovens artistas.
Nos últimos anos tivemos em Portugal um governo do PSD/CDS com uma política cultural medíocre, sem projecto nem responsabilidade perante os enormes atrasos e insuficiências. Política que se traduziu na adopção de uma interpretação mínima do papel do Estado na promoção de políticas culturais; na utilização dos recursos, meios e equipamentos do Estado em benefício de interesses privados e clientelas.
Foi esta política que levou à criação de uma ampla frente de luta no plano unitário, em defesa da cultura. Luta que deu um importante contributo para a derrota do governo PSD/CDS.
A expectativa de uma alteração significativa da situação na Cultura com o governo do PS não se verificou, fruto de uma assumida política que, no essencial, deixou tudo na mesma, incluindo ao nível do investimento que se tornou a reduzir.
Uma realidade que o governo do PS não pode continuar a ignorar e que está na origem de um grande e justo descontentamento a que urge dar resposta, rompendo com a mediocridade que tem caracterizado a política cultural de sucessivos governos.
O PCP não deixará de estar na linha da frente por esta exigência e não deixará de mobilizar os homens e as mulheres de Cultura para a luta em defesa da Cultura como factor de emancipação individual, social e nacional!
Vivemos um tempo que precisa de um Partido como o nosso, mais forte, mais interventivo, com mais iniciativa e mais capacidade para influenciar uma realidade e uma situação política que se move e fazer encaminhar os acontecimentos na direcção certa – na direcção da solução dos verdadeiros problemas nacionais, do desenvolvimento sustentado e da elevação das condições de vida do nosso povo.
Isso impõe-nos trabalhar ao mesmo tempo em muitas frentes: - estimular e dar apoio à luta dos mais variados sectores sociais e áreas, incluindo aquela que aqui nos reúne – a da Cultura exigindo a mudança que se impõe na condução da política cultural - continuar com a intensa iniciativa nas instituições que temos vindo a desenvolver, incluindo legislativa, preparar e fazer a 40ª Festa do Avante!, momento de elevação da cultura, a preparação das eleições autárquicas de 2017 visando a afirmação em todo o País da CDU e do seu projecto autárquico e ao mesmo tempo desenvolver os trabalhos do nosso XX Congresso, garantindo um amplo debate e participação de todo Partido nas decisões.
Desde Outubro e na sequência dos resultados eleitorais que ditaram a derrota do governo do PSD/CDS e a alteração da correlação de forças na Assembleia da República, conseguimos com a nossa determinante iniciativa, criar condições para estancar uma ofensiva de acentuação da exploração e empobrecimento do nosso povo que parecia imparável e, nalgumas áreas inverter essa ofensiva e esse rumo.
Nesta nova fase da vida nacional temos tomado iniciativas e agido, visando a tomada de medidas a favor dos trabalhadores e do povo. Medidas para defender e repor direitos e rendimentos usurpados nestes anos de PEC e políticas das troikas, nomeadamente no domínio dos salários, direitos laborais e condições de trabalho, protecção social e segurança social, impostos, na educação.
Medidas que não podem ser subestimadas, nem desvalorizadas, mas que estão aquém do que era necessário e possível, vimo-lo aqui na cultura, mas podiam falar da situação das pensões e das reformas, do combate à precariedade, a outros graves problemas sociais, em relação aos quais o PCP tem apresentado propostas e iniciativas legislativas e longe ainda de dar resposta aos problemas de fundo, cuja solução exige, quanto a nós, uma verdadeira ruptura com o rumo até hoje seguido por sucessivos governos de PSD, CDS e PS – uma efectiva ruptura com décadas de política de direita e de submissão nacional!
Abriu-se uma fenda na muralha da fortaleza que foi construída durante anos de política de direita e onde domina a exploração e empobrecimento do nosso povo, mas estamos ainda longe de assegurar uma política capaz de dar resposta a esses problemas de fundo, como são os do fraco crescimento económico, do desemprego e dos baixos níveis de investimento que persistem no País, hoje mais agravados em consequência das políticas de regressão social e económica do anterior governo do PSD/CDS, mas ainda distantes também por opções do próprio governo do PS, designadamente as de submissão ao Euro e à União Europeia e de não afrontamento dos interesses do grande capital.
Temos, por isso, muitas lutas a travar, como aquela que ainda recentemente foi travada em defesa da Escola Pública com grande participação popular!
Mas apesar do ainda insuficiente e limitado alcance das soluções que estão abertas nesta nova fase, os grandes interesses, o grande capital nacional e transnacional, os donos da União Europeia e o directório que policia a sua construção – essa União Europeia cada vez mais do grande capital, da exploração, da colonização económica e do federalismo, não admite, nem aceita qualquer desvio aos seus ditames!
A abusiva e inaceitável ingerência nos assuntos do nosso País e sobre as decisões das suas legítimas instituições é uma constante. Há meses que pressionam, intrigam, manipulam, ameaçam, fazem exigências face a cada medida de reversão das políticas de exploração que são co-autores e sempre com o objectivo de levar mais longe o condicionamento do País. Chegam ao ponto, como o Presidente do BCE, de questionar a Constituição da República. Tratam Portugal com a sobranceria de quem trata com uma colónia. Esta semana foi a vez de vir à boca de cena o ministro das finanças alemão, numa atitude de ingerência inadmissível, a anunciar resgates em andamento, com o objectivo de penalizar o País e o fazer ajoelhar.
Ontem o chefe do Mecanismo Europeu de Estabilidade, ex-ministro das finanças alemão, subiu um galão acima: Portugal seria o País que mais o preocupa! Porquê? Porque o Governo está a repor direitos e rendimentos. Expressão crua da natureza desta EU. Hoje foi a vez do chefe do Euro a ameaçar com o congelamento dos fundos comunitários, e o chefe da delegação do FMI a dizer que é preciso prosseguir a política de cortes, exploração e empobrecimento. Parece que convocaram os 5 cavaleiros do apocalipse contra um povo e um País.
No tempo de ocupação pelas hordas do Império, os ocupantes colocavam os ocupados perante um tronco a meio metro do solo e obrigavam os chefes vencidos da região a passar rastejando perante o seu povo. Hoje já não usam o tronco. Usam o défice, a dívida, o Euro, as regras e tratados. Toda esta evolução, esta chantagem, estas ameaças revela a necessidade de ruptura com os eixos fundamentais do processo de integração capitalista europeu e com a política de subserviência à União Europeia. É tempo de endireitar a coluna!
Dessa União Europeia e do seu processo de integração capitalista que sabemos está minado por cada vez mais profundas contradições e crise, onde são cada vez mais patentes e se manifestam elementos de desagregação.
Os resultados do referendo no Reino Unido são mais um elemento para o confirmar. A vitória da saída da União Europeia no referendo realizado no Reino Unido, num quadro de gigantescas e inaceitáveis pressões por parte dos grandes grupos económicos transnacionais, do capital financeiro e de organizações como FMI, OCDE e a própria União Europeia, constitui um acontecimento de enorme importância política para os seus povos e para os povos da Europa.
Uma decisão que é uma vitória sobre o medo, as inevitabilidades, a submissão e o catastrofismo e representa uma alteração de fundo no processo de integração capitalista na Europa e um novo patamar na luta contra a União Europeia do grande capital e das grandes potências, e por uma Europa dos trabalhadores e dos povos.
Sabemos das múltiplas motivações que estiveram presentes na convocação deste referendo, algumas manifestamente de carácter reaccionário e xenófobo que o PCP decididamente combate e repudia, mas os resultados o que expressam, acima de tudo, é a rejeição das políticas da União Europeia. Tal como põem em evidência o esgotamento de um processo de integração que está cada vez mais em conflito com os interesses e justas aspirações dos trabalhadores e dos povos.
Estes resultados constituem, por isso, uma oportunidade para se enfrentarem e resolverem os reais problemas dos povos, questionando todo o processo de integração capitalista da União Europeia e abrindo um novo e diferente caminho de cooperação baseado em Estados soberanos e iguais em direitos.
Um caminho que devia ser aberto com a urgente convocação de uma cimeira intergovernamental com o objectivo da consagração institucional da reversibilidade dos Tratados, da suspensão imediata e revogação do Tratado Orçamental, bem como da revogação do Tratado de Lisboa.
Hoje está cada vez mais claro que dentro do Euro, Portugal fica amarrado à estagnação e à recessão, ao desaproveitamento das suas potencialidades, ao subdesenvolvimento, ao empobrecimento, à dependência e à submissão nacional.
Portugal precisa de dotar-se dos meios e dos instrumentos para vencer o atraso e o subdesenvolvimento e a dependência. Isso implica enfrentar a União Europeia, que condiciona a nossa capacidade de produzir, a nossa liberdade de distribuir a riqueza criada, a nossa capacidade e a nossa liberdade de escolhermos o caminho que, enquanto povo, queremos seguir.
Portugal precisa de dar mais força a esta luta pela libertação do País! Precisa de concretizar uma nova política – patriótica e de esquerda.
Nós temos confiança de que é possível, com a luta dos trabalhadores e do nosso povo, caminhar em frente e abrir novos caminhos que garantam aos trabalhadores e ao povo português o direito ao seu desenvolvimento soberano, à dignidade e à justiça social.
É esse objectivo que perseguimos e queremos concretizar, sem nunca perder de vista a linha de horizonte mais avançada do nosso projecto e ideal de transformação social, a luta pela democracia e o socialismo.