Nota do Comité Central do PCP

O PCP e o momento político

A revolução democrática atravessa um momento que pode ser decisivo. Os debates, divergências e polémicas em torno de problemas concretos imediatos não podem impedir a visão mais ampla da perspectiva revolucionária. Por cima dos problemas de conjuntura, é indispensável e urgente que todas as forças políticas definam claramente os seus objectivos imediatos e a médio prazo, os seus aliados, a forma como consideram as eleições para a Assembleia Constituinte e os seus propósitos políticos para além das eleições.

Cabe a cada força política dar clara resposta a estas questões essenciais. O Partido Comunista Português entende ser o momento oportuno para dar a sua.

I — Os grandes problemas da hora presente

1. O reforço do Estado democrático continua a ser tarefa essencial para assegurar a defesa das conquistas democráticas já alcançadas e a irreversibilidade do processo revolucionário.

O aparelho do Estado em diversos sectores e variados níveis não sofreu ainda alterações que modifiquem a sua natureza, os seus quadros, os seus critérios e os seus hábitos.

A defesa da situação democrática impõe que seja completado o saneamento indispensável para que desapareçam do aparelho do Estado ninhos de resistência fascista e reaccionária activa ou passiva e para que sejam reorganizados os serviços e se forme um funcionalismo esforçado, eficiente e dedicado à causa democrática.

2. A descolonização deve prosseguir firmemente, confirmando os resultados históricos já alcançados.

Uma desaceleração do processo ou recuos ante pressões colonialistas e neocolonialistas agravariam as tensões e as dificuldades nos territórios em vias de descolonização e fariam repercutir na situação interna portuguesa dificuldades e conflitos graves verificados em África.

O PCP lembra as experiências desde o 25 de Abril de conjugação da conspiração colonialista em África com a conspiração contra-revolucionária em Portugal.

A democracia em Portugal defende-se também insistindo na luta para vencer o colonialismo em África.

3. A grave situação económica e financeira exige medidas urgentes e operativas.

O país aguarda com profundo interesse o programa de emergência que o Governo prepara. É legitimo esperar medidas enérgicas para restabelecer o equilíbrio financeiro e para atacar e impedir a sabotagem económica com que o grande capital e os grandes agrários estão minando a economia portuguesa.

Não se pode aceitar que caia sobre os trabalhadores o maior peso das dificuldades.

Se não se pode conter o aumento de preços tem de ser garantido o ajustamento periódico de salários.

Se continuam os despedimentos e não se criam rapidamente novos postos de trabalho tem de garantir-se um subsídio de desemprego.

Os monopólios retiram das empresas os capitais criados pelos trabalhadores e aumentam as fortunas privadas deixando que as empresas caminhem para a falência e o encerramento. Os grandes agrários abandonam as culturas.

Só a intervenção do Estado e a capacidade de direcção e gestão dos trabalhadores, directamente interessados, podem reanimar a produção e as actividades económicas em importantes sectores da indústria e da agricultura.

Portugal não poderá sair das dificuldades actuais sem uma consequente política antimonopolista e antilatifundista e sem a intervenção criadora das massas trabalhadoras nas actividades económicas nacionais.

4. É necessário cortar o passo à reacção, que continua muito activa, procurando entravar e destruir a revolução democrática.

Com esse objectivo utiliza as armas mais diversas.

Desenvolve uma frenética campanha anticomunista.

Leva sistematicamente a cabo uma actividade divisionista, procurando cindir a classe operária, as forças democráticas e as Forças Armadas.

Conduz a diversão ideológica através de vagas de boatos e calúnias segundo métodos da «guerra psicológica» que pressupõem uma direcção centralizada.

Utiliza largamente a sabotagem económica no domínio do crédito, dos investimentos, da produção industrial e agrícola, do emprego.

Procura utilizar formações políticas diversas, oportunistas de direita e grupos esquerdistas, como instrumentos de divisão, de agudização da tensão social, de provocação a todos os níveis.

O CC do PCP acusa a conspiração contra-revolucionária fundida com grupos pseudo-revolucionários pela provocação em torno do congresso do CDS no dia 25, no Porto.

O CC do PCP sublinha que a reacção conspira na sombra, recrutando, aliciando, tentando ganhar posições e encarando projectos e possibilidades de um sangrento golpe de força que liquidasse as liberdades e instaurasse uma nova ditadura.

A acção das forças fascistas e reaccionárias é fortemente escudada pela reacção internacional, de cuja intervenção na situação política portuguesa há cada vez mais claros indícios.

A luta contra a reacção continua na ordem do dia. Continuam por julgar os pides e os responsáveis do regime fascista. Continua a ser indispensável o combate à reacção, a constante e infatigável vigilância popular, a detecção e a denúncia das actividades de conspiradores, o seu pronto castigo quando descobertos. Torna-se indispensável a pronta publicação de uma legislação revolucionária.

II — O movimento popuIar e democrático e o MFA

1. A força motora da revolução democrática portuguesa tem duas componentes: o movimento popular e democrático e o Movimento das Forças Armadas.

Na construção do novo Portugal democrático estas duas componentes são complementares e inseparáveis. Nenhuma delas só por si poderia assegurar o processo democrático.

A aliança Povo-Forças Armadas exige o reforço da actividade e da unidade do movimento popular e democrático e o reforço da intervenção e da unidade do MFA.

O PCP considera este sistema de alianças indispensável para o prosseguimento do processo revolucionário, para a vitória definitiva da democracia em Portugal, para a realização das transformações profundas da sociedade portuguesa exigidas pela situação económica, social e política.

Em toda a sua actividade, o PCP é consequente com esta sua conclusão.

2. A classe operária, pela sua natureza revolucionária, pela sua consciência de classe, pelo elevado grau da sua combatividade e de organização, desempenha um papel determinante e impulsionador de todo o movimento popular.

A unidade da classe operária portuguesa é fruto duma longa luta que a unicidade sindical defende contra os que querem destrui-la.

O estabelecimento da unicidade representa uma grande vitória da classe operária e dos trabalhadores contra as tentativas da sua divisão e do seu controlo pelo patronato, pela burocracia de certos partidos burgueses e pequeno-burgueses.

A interdição da criação numa mesma profissão ou ramo de actividade de sindicatos rivais e a formação de uma única central sindical, com uma vida amplamente democrática em toda a organização sindical, é a melhor garantia da unidade dos trabalhadores e da independência dos sindicatos em relação ao patronato, ao Estado e aos partidos políticos. É também garantia das liberdades de todo o povo português.

A unicidade é nas condições actuais a melhor expressão da liberdade sindical. A unicidade não só permitirá a melhor defesa dos interesses dos trabalhadores como possibilitará uma mais efectiva e determinante contribuição da classe operária na construção do novo Portugal democrático.

3. O movimento popular abrange também o campesinato, os pequenos e médios comerciantes e industriais, os artesãos, os intelectuais.

Todas estas classes e camadas estão interessadas na consolidação das liberdades, na instauração de um regime democrático, numa política antimonopolista e antilatifundista.

O movimento popular desenvolve-se tanto no plano político como no plano económico.

A luta organizada dos pequenos e médios camponeses, comerciantes e industriais, assim como dos intelectuais, da juventude, das mulheres, das populações, tem particular importância tanto para a defesa diária dos seus interesses concretos e imediatos como para a participação dessas classes e camadas na construção do novo Portugal democrático.

4. A cooperação e a unidade de acção dos partidos democráticos é um dos aspectos essenciais do movimento popular e democrático.

O PCP continua fiel à sua política de unidade e de alianças continua a defender um governo de coligação eventualmente alargada. Está pronto a cooperar com todas as formações políticas democráticas que, pela sua parte, estejam também sinceramente dispostas a cooperar com o PCP no processo revolucionário.

O entendimento de comunistas e católicos é também uma das realidades positivas do movimento popular e democrático. Esse entendimento tem por base o acordo quanto a objectivos essenciais e o respeito sempre demonstrado pelos comunistas das crenças e da prática de culto.

5. As relações do PCP com o Partido Socialista têm importantes reflexos na vida política, podendo a cooperação entre os dois partidos (no quadro da unidade das forças democráticas) representar um papel altamente positivo.

As dificuldades surgidas nos últimos tempos nas relações entre os dois partidos devem-se fundamentalmente a uma deslocação do PS para a direita, que o aproxima e em certos aspectos identifica com as forças mais conservadoras. A sua violenta campanha anticomunista, à sua revisão de alianças na propaganda e na acção política, às suas tentativas em numerosas ocasiões de formação de «santas alianças» contra o PCP, ao seu projecto político, que não coincide com a realidade objectiva do processo da revolução portuguesa.

Apesar dessas dificuldades, o PCP está pronto a examinar com o PS todos os problemas de interesse comum e os termos da cooperação no imediato e para o futuro.

6. A aliança Povo-Forças Armadas revelou-se desde o 25 de Abril, e os factos têm-no confirmado, ser o eixo político do processo da revolução democrática portuguesa.

Tudo deve ser feito para reforçar essa aliança. Nada deve ser feito que possa prejudicar a unidade do MFA e a sua dinâmica revolucionária.

O PCP critica severamente quaisquer actividades que, com estreitos objectivos partidários, visam criar atritos e divisões no seio do MFA ou que tendam à sua dissolução.

Na revolução portuguesa, o MFA é hoje e continuará a ser após as eleições uma garantia do processo democrático.

7. A dinâmica da revolução democrática assenta na associação da decisão e força do MFA com a organização e a acção criadora da classe trabalhadora e dos massas populares.

O PCP, fundido com a classe operária e as massas, transmitindo-lhes as suas experiências e aprendendo com elas, emprega os seus esforços e energias para organizar, impulsionar e orientar a sua luta numa justa perspectiva — a perspectiva dum Portugal democrático, pacífico e independente.

III — As eleições para a Assembleia Constituinte

1. As eleições para a Assembleia Constituinte representarão um importante momento da revolução portuguesa.

O CC do PCP desmente formalmente as acusações de que pretende que as eleições se não realizem. A realização de eleições livres para a Assembleia Constituinte é de há muitos anos um dos objectivos centrais definidos pelo PCP para a revolução democrática.

2. Defendendo a realização de eleições realmente livres, o PCP sublinha certas disposições da lei eleitoral e combate certas situações que virão a viciar, em alguns aspectos, a genuinidade do voto.

O que sucede em certas regiões, onde a reacção está ainda em condições de impedir a propaganda democrática, onde caciques reaccionários mantêm uma situação de coacção física, material e moral sobre as populações, onde os comunistas foram excluídos das comissões e operações de recenseamento.

O que sucede, por exemplo, no Brasil, onde existe uma ditadura reaccionária, ou nos Estados Unidos, onde não foi autorizada a entrada de um enviado do PCP para esclarecer os emigrantes portugueses, ao mesmo tempo que era autorizada para o PS e para o PPD.

Em tais situações, que podem falsear gravemente o resultado das eleições, não se poderá considerar o voto genuíno e livre.

Por isso, o PCP reclama que, até às eleições, se corrijam tais situações irregulares e antidemocráticas. Se não se corrigirem, devem ser impugnadas e declaradas nulas as votações nas áreas respectivas.

3. O saneamento total das autarquias locais é indispensável para garantir a realização das eleições livres.

É lamentável que, já terminado o recenseamento, ainda existam juntas de freguesia por sanear, tendo fascistas à sua frente, apesar da influência que efectivamente têm no processo eleitoral, O PCP insiste na urgência do completo saneamento das autarquias locais.

4. A Assembleia Constituinte tem como único objectivo a elaboração da Constituição, ou seja, a lei fundamental em que ficarão consagrados os direitos e liberdades dos cidadãos e determinados os órgãos do poder do Estado, o PCP chama a atenção para a tendência de meios eleitoralistas que, admitindo a possibilidade duma maioria de direita, se manifestam no sentido de transformar a Assembleia Constituinte numa Assembleia Legislativa e soberana da qual dependeria o Governo.

O PCP rejeita firmemente tal plano. A Constituinte deve manter-se nos limites da sua missão qualquer que seja o resultado das eleições.

5. Não é de considerar nem seria possível deliberar sobre a futura Constituição sem ter em conta a opinião do MFA.

Não estando o MFA representado na Constituinte, uma vez que nos termos da !ei eleitoral apenas os partidos políticos poderão apresentar candidatos a deputados, é indispensável chegar a acordo e a tempo sobre tal matéria. O PCP, pela sua parte, está pronto a considerar este problema em comum com as outras forças interessadas.

6. A orgânica do novo Estado português consagrada na futura Constituição deverá reflectir, ao nível das instituições, as particularidades da situação e do processo revolucionário em Portugal.

Designadamente, é indispensável que apareça institucionalizado o que por tempo difícil de determinar será o eixo social e político da democracia a aliança Povo-Forças Armadas.

7. Seria extremamente perigoso que as eleições para a Constituinte e os trabalhos desta fossem um momento de rotura da cooperação entre as forças democráticas e entre estas e o MFA. A desagregação da cooperação das forças democráticas e uma quebra da aliança com o MFA seria o fim do processo democrático. A segurança do processo de democratização política e económica exige que a cooperação e a aliança se mantenham antes, durante e depois das eleições.

8. O CC do PCP encara seriamente a batalha eleitoral.

O CC sublinha que nem sempre nas organizações partidárias tem sido dada a devida atenção ao trabalho de recenseamento, à sua fiscalização, à detecção de irregularidades e às reclamações contra elas, à preparação da campanha eleitoral. Uma grande votação nos candidatos comunistas e um número elevado de deputados comunistas na Assembleia Constituinte será uma das melhores garantias de instauração dum regime democrático adequado à realidade portuguesa e ao prosseguimento do processo revolucionário.

IV — O Portugal democrático de amanhã

1. O PCP lutará firmemente para que no Portugal democrático de amanhã sejam reconhecidas e respeitadas as mais amplas liberdades, entre as quais a de formação e actividade de partidos políticos.

O PCP foi ao longo de quase meio século de ditadura fascista e continua a ser no Portugal democrático de hoje o mais consequente lutador pela liberdade.

Os comunistas conhecem por experiência própria o alto valor da liberdade.

O PCP lutará firmemente para defender as conquistas até hoje alcançadas pela revolução democrática portuguesa.

As campanhas de desinformação e de calúnias contra o PCP só à reacção podem servir. Nas condições existentes em Portugal, não se poderá construir uma sociedade democrática sem o PCP e muito menos contra o PCP. Estar contra o PCP é estar contra a classe operária e contra as massas populares.

A participação activa e responsável do PCP no governo do País é uma sólida garantia de que as liberdades serão asseguradas e defendidas.

2. A democracia política não pode ser instaurada, defendida e edificada sem uma política antimonopolista e antilatifundista.

A própria sobrevivência do poder político democrático exige que seja abatido o poder económico dos monopólios.

Qualquer tentativa para salvar os monopólios, para atraí-los e integrá-los num novo regime democrático, não teria em conta as realidades e estaria condenada ao fracasso.

O desenvolvimento económico e a elevação do nível de vida das amplas massas populares dependem da nacionalização de sectores fundamentais da economia nacional, da transformação profunda das estruturas agrárias, da participação viva e entusiástica dos trabalhadores e das amplas massas na construção da nova sociedade democrática.

3. Portugal democrático terá de ser um Portugal independente.

São de rejeitar as pressões, que já hoje são feitas sobre Portugal, através da não concessão de créditos, de ameaças económicas, de diligências diplomáticas, de uma propaganda nos meios de informação internacionais, das falsidades mais vergonhosas acerca da situação existente em Portugal.

A conclusão da descolonização é condição de verdadeira independência do povo português.

O desenvolvimento das relações com os países socialistas é um factor de reforço da independência nacional.

A plena independência política de Portugal exige a sua independência económica.

O povo português tem pleno direito de escolher livremente e sem intervenções externas o regime social e político que entender.

4. O Portugal democrático de amanhã terá de ser construído não copiando mecanicamente modelos de outros países, mas encontrando as soluções que respondam às condições concretas da realidade nacional e às características próprias da revolução portuguesa.

Com vista à solução dos problemas nacionais, as forças revolucionárias portuguesas têm de estudar atentamente as experiências de outros países, incluindo as dos países socialistas.

O curso democrático desde o 25 de Abril mostra já a originalidade da revolução portuguesa. Para situações originais serão necessárias soluções originais.

Não vivemos a evolução de um regime. Vivemos a construção de um regime novo. O povo português construirá a sua própria democracia.

V — Apelo à unidade

As forças interessadas no processo revolucionário têm o dever de saber definir o inimigo principal do curso democrático.

Para o PCP, o inimigo principal no plano político é o fascismo e a reacção, no plano económico e social são os monopólios e os latifundiários.

Uma ampla coligação de forças sociais e políticas é necessária e possível para resolver os problemas imediatos e urgentes e para construir um novo Portugal democrático, em que sejam realizadas profundas transformações sociais, abrindo caminho para o socialismo.

Uma coligação não poderia construir um Portugal democrático se as forças aliadas, em vez de combaterem o inimigo comum, escolhessem os aliados como direcção fundamental dos seus ataques.

Para assegurar a irreversibilidade do processo revolucionário e a construção de um novo regime e duma nova sociedade o que importa fundamentalmente é combater em comum o inimigo principal e comum.

Consciente das suas responsabilidades ante o povo e o País, colocando acima de tudo o objectivo da consolidação das liberdades e da instauração dum regime democrático escolhido pelo próprio povo, o PCP apela para a classe operária, para os trabalhadores, para todos os portugueses e portuguesas, para todas as forças populares e democráticas, para que unam as suas forças, as suas energias, as suas capacidades, na luta para resolver os problemas urgentes da hora presente, para seguirem unidos até às eleições e para construírem em comum após as eleições um Portugal democrático, pacífico, independente, caminhando para o socialismo.