Intervenção de

PCP interpela Governo sobre política de educação - Intervenção de Bernardino Soares na AR

 

 

Interpelação ao Governo centrada na política de educação

 

 

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

A interpelação de hoje traz à Assembleia da República um sentimento profundo que atravessa a sociedade portuguesa: o de que a política do Governo arrasta o País para uma profunda crise económica e social, ataca direitos fundamentais e corrói aspectos nucleares da nossa democracia.

Perante as poderosas manifestações de descontentamento e a rejeição geral da política do Governo, o PS limita-se à pesporrenta resposta de que a «rua» não governa, quem governa é o Governo.

As manifestações e acções de luta organizadas pelo movimento sindical são uma expressão profundamente democrática do descontentamento social. O que é antidemocrático é o envio da polícia para tentar condicionar o direito de manifestação, prática reiterada deste Governo, que os inquéritos a posteriori não conseguem já esconder.

Mas nem o Primeiro-Ministro, nem a Ministra da Educação, nem o PS ignoram a contestação social. Procuram apenas desvalorizá-la para tentar continuar ainda a sua política de destruição da escola pública.

Não ouvir o protesto e a contestação não é sinal de força, é sinal de arrogância e de falta de disponibilidade para o diálogo democrático. E há que reconhecer que também neste aspecto a Ministra da Educação é uma boa aluna do Primeiro-Ministro, José Sócrates, na política do «quero, posso e mando».

Não vale a pena o Governo e o PS ensaiarem linhas de vitimização que não têm adesão à realidade. Quem é vítima no nosso país é o povo, a comunidade educativa, os profissionais do sector educativo, os estudantes e suas famílias, alvos de uma política de direita do Governo e da sua arrogância militante.

O Governo PS declarou guerra à escola pública, em todas as frentes, no quadro mais amplo do ataque à Administração Pública.

O ataque à escola pública começa na degradação das instalações escolares, abandonadas a uma política de sistemático desinvestimento, cujas consequências o Governo quer transferir para as autarquias.

Este Governo diminuiu brutalmente a rede escolar e não é verdade que tenha sido em escolas com menos de 10 alunos; foi em escolas com 20, 30 e mais alunos. Não está em causa que nalguns desses casos não fosse aconselhável, por razões pedagógicas, concentrar as escolas. Mas não foi essa a preocupação do Governo.

Em muitos casos, a mudança fez-se não para melhores escolas, mas para escolas piores. Foram prometidos financiamentos para novos centros escolares, mas o que vemos é que muitos não terão nos próximos anos acesso a eles.

Para o Governo era prioritário fechar milhares de escolas. A socialização que o Governo invocou faz-se agora nos transportes em que as crianças passam várias horas ao dia. Para diminuir o sacrossanto défice das contas públicas, o Governo impôs a milhares de crianças um défice de convívio familiar que naquelas idades não tem preço.

O ataque à escola pública está também na carência e precarização de profissionais não docentes, no insuficiente financiamento dos estabelecimentos públicos, em comparação com o crescente financiamento dos privados. Mas para que o ataque à escola pública tivesse sucesso, era preciso

apontar aos professores e diminuir o seu papel no sistema educativo.

Foi por isso que este Governo avançou com a alteração do Estatuto da Carreira Docente. Foi no Estatuto que o Governo criou a absurda divisão entre professores e professores titulares pura e simplesmente para limitar o acesso aos escalões superiores da carreira, sujeitos a quotas, mesmo para os professores que obtenham sucesso total na sua avaliação.

Foi no Estatuto que o Governo criou um tal sistema de avaliação que agora não consegue cumprir. Foi no Estatuto que o Governo criou uma prova de acesso à carreira docente de carácter fortemente exclusivo.

O sistema de avaliação e outras alterações do Estatuto da Carreira Docente consagraram o primado do administrativo sobre o educativo e do economicismo sobre a pedagogia. Para o Governo avaliar não visa ultrapassar e corrigir insuficiências e erros, mas punir os docentes e impedir a sua progressão na carreira.

Além de mais, comporta um pesado esquema de aplicação, incompatível com o funcionamento regular da escola.

O Governo avança, por outro lado, com a alteração da gestão dos estabelecimentos de ensino, tentando pôr fim à sua gestão democrática. Trata-se de impor a figura do director e de fazer depender as funções mais importantes na escola dele. Sob o falso argumento da maior autonomia, viola-se a Lei de Bases e a Constituição, impõe-se na escola um delegado do Ministério, procurando transformar a escola num protectorado do Governo e do partido que o apoia.

É por isso que o PCP avança com um programa mínimo nesta interpelação para retomar seriamente o debate sobre política educativa. Desafiamos o Governo a aceitar a realização de um debate nacional descentralizado e incluindo os vários parceiros educativos, sobre a avaliação dos professores, suspendendo entretanto a inviável aplicação do regime em vigor.

Desafiamos, igualmente, o Governo a apresentar à Assembleia da República, sob a forma de proposta de lei, a alteração que propõe para a gestão dos estabelecimentos de ensino para que possa ser discutida e confrontada com outras iniciativas, designadamente a do PCP.

Entretanto, na educação especial o Governo acentua o desinvestimento do governo anterior, concentrando as escolas onde há respostas educativas, aplicando uma classificação de saúde que se centra apenas nas necessidades graves e permanentes e condenando os restantes alunos com necessidades educativas especiais ao abandono e ao insucesso.

Com a drástica redução dos estudantes abrangidos pelas necessidades educativas especiais, o Governo poupa duas vezes: poupa nos apoios, docentes e não docentes, que deixa de atribuir às escolas para este fim (colocando, por exemplo, professores do ensino secundário de electrotecnia em unidades de multideficiência ou de ciências agro-pecuárias no apoio à educação pré-escolar); e poupa também porque pode agora aumentar a dimensão de muitas turmas e assim reduzir substancialmente o número de horários e de professores.

E nem o já tão carenciado ensino artístico escapou à política do Governo. Confundindo a formação de intérpretes profissionais e professores com o acesso mais amplo à formação musical e artística avançada, por todos os que o desejarem, o Governo procura dar uma machadada nas escolas artísticas, cujos professores continuam amplamente sujeitos a inaceitáveis situações de precariedade.

No ensino superior, o Governo reduziu a autonomia das instituições a uma espécie de autonomia vigiada e condicionada em que só se faz o que o Governo quer, porque para o resto não há financiamento.

A política do Governo não é, pois, a política da escola pública. É a política da demagogia de quem afirma que os professores não querem ser avaliados, que trabalham pouco e de forma pouco rigorosa; a demagogia de quem pretende responsabilizar os professores pelos problemas do sistema educativo.

Certamente que entre os professores há bons e maus profissionais.

Só que o Governo procurou fazer vingar a ideia de que os professores eram em geral incompetentes e pouco trabalhadores e que era preciso pô-los na ordem. Foi esta a ideia que o Governo quis passar para a sociedade.

Mas são os professores - e os portugueses sabem disso -, perante a degradação das condições de ensino, fruto da política de vários governos, quem garante, com dedicação e profissionalismo, o progresso educativo do País.

É demagogia brandir com as impropriamente chamadas actividades de enriquecimento curricular que, lembre-se, foram retiradas dos currículos e estão em tantos casos entregues ao negócio privado, à irregularidade de funcionamento e à exploração de docentes em situação precária.

É demagógica a instrumentalização das expectativas e do esforço de muitos portugueses para melhorarem as suas habilitações escolares, quando o Governo, com o programa Novas Oportunidades, proporciona certificação, mas nega a qualificação, sacrifica direitos de formadores e docentes e não garante uniformidade de critérios. Bem merecia este programa uma avaliação qualitativa, para além da propaganda estatística do Governo.

A política do Governo não é a política da escola pública. É a política da desumanidade, bem patente na situação a que se entregam milhares de crianças excluídas do apoio para necessidade educativas especiais ou no tratamento dado pelo Ministério a vários professores com graves doenças e, mesmo assim, compelidos a leccionarem.

A política do Governo não é a política da escola pública. É a política da ilegalidade, em que o Ministério se comporta como um verdadeiro Ministério fora da lei: os tribunais e o direito administrativo impõem o pagamento das aulas de substituição, mas o Secretário de Estado diz que não é assim; a pendência de providências cautelares impõe a suspensão dos despachos da avaliação, mas o Governo continua a impor a sua aplicação às escolas com orientações internas e até através de documentos não assinados; acossado pela luta dos professores, mas não querendo ceder, inventa agora uma «flexibilização» da avaliação que não tem correspondência na lei e que criaria sérias discriminações de escola para escola; criou na lei um conselho científico que definiria princípios definidores da avaliação, mas depois quis aplicá-los sem o mesmo estar em funções; altera questões fundamentais do sistema educativo em clara violação da Lei de Bases em vigor.

O Governo está convencido de que existe na 5 de Outubro um «offshore legislativo» que o isenta de cumprir a lei, sempre que isso seja necessário para continuar a sua política.

Por tudo isto, a política do Governo é a principal causa de instabilidade nas escolas e, por tudo isto, é preciso pôr fim a esta política.

O Governo pode insistir no erro, procurando escapar à imagem de parte vencida. Mas, por muito que disfarce e resista, já nada pode evitar a profunda derrota política e social da sua política para a educação.

(...)

Sr. Presidente,

Até agora, questionámos a Sr.ª Ministra sobre a avaliação de docentes, mas não respondeu! Desafiámo-la a entregar na Assembleia da República a proposta de lei da gestão das escolas, não respondeu! Fizemos perguntas sobre educação especial, não respondeu!

Sobre obras nas escolas, mais uma vez, não respondeu!

Portanto, Sr. Presidente, agora vou fazer uma pergunta ao Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, para ver se, ao menos, desta vez obtemos alguma resposta, porque da Sr.ª Ministra da Educação já não esperamos nada neste debate!

Em 2007, quatro universidades não tiveram orçamento suficiente para pagar, sequer, os salários, por isso tiveram de recorrer a contratos de saneamento financeiro junto do Ministério - uma espécie de «chapéu na mão», a pedir o financiamento que o Estado, o Governo, por obrigação, devia dar, pelo menos para cobrir as despesas mínimas de funcionamento daquelas universidades.

Esses contratos impunham regras: impunham a redução de pessoal, o encerramento de cursos, propinas máximas onde não as houvesse, a não renovação de contratos a um conjunto de professores, a mobilidade forçada e a dificultação, o impedir da nomeação definitiva de muitos dos professores. Estas eram as contrapartidas que o Governo impunha - e impôs - a estas universidades a quem não deu o dinheiro suficiente para poderem funcionar.

Portanto, hoje vivemos, no ensino superior, num regime de financiamento condicionado: condicionado à vontade do Governo e não às necessidades do ensino superior e das instituições. Regressámos ao velho tempo de antes da fórmula de financiamento, mesmo que injusta e incompleta, em que o financiamento era arbitrário e à medida da vontade do governo em cada momento.

A falta de financiamento é uma forma de moldar o ensino superior ao ensino superior mercantilizado que o Governo quer impor na sociedade portuguesa. Não há autonomia quando o financiamento do funcionamento das instituições de ensino superior está dependente da vontade política de cada ministro e de cada governo.

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