PCP defende o Sector Público de Transportes

 

Intervenção de Jerónimo de Sousa,Secretário-geral do PCP
na Sessão Pública “Em defesa do Sector Público de Transportes

O país, dois anos que estão passados de Governo do PS, não só continua confrontado com os mesmos e graves problemas de transporte, da logística e da mobilidade, cujas soluções se foram protelando nos últimos anos, como a perspectiva que se apresenta para o futuro é a do seu arrastamento e agudização, com a submissão da política nacional de transportes aos grandes interesses privados, com evidentes prejuízos para a qualidade de vida das populações, o ambiente e a economia nacional.

O Governo do PS, assumindo, no essencial, as mesmas orientações da política de direita de desregulamentação do sector dos transportes e de privatização e desmantelamento das grandes empresas esteve, nestes dois anos, mais preocupado e interessado na criação de condições para o lançamento de uma nova ofensiva privatizadora das empresas públicas ou participadas do sector do que esteve empenhado em resolver os problemas existentes.

Portugal continua sem um verdadeiro sistema transportes integrado, com complementaridades entre os vários modos.
Continua a redução da oferta de serviço público e da função social de transportes com o agravamento dos preços e das tarifas e as tentativas de destruição do passe social intermodal.
Permanece, por isso, a mesma política de subalternização dos transportes púbicos e de degradação da sua qualidade a favor do transporte privado com os consequentes impactos negativos, quer no plano económico, quer de agressão ambiental, com elevados consumos de combustíveis de energia fóssil.
As Autoridades Metropolitanas de Transportes permanecem sem condições para promover uma política coordenada de transportes.

Mantêm-se os altos défices na estrutura de transportes e logística e a sua dependência em matéria de financiamento e de localização de decisões comunitárias que tem promovido a indefinição e o protelamento do seu desenvolvimento.

Na verdade, nestes dois anos de governo do PS de José Sócrates em vez da solução dos problemas, temos assistido a uma ofensiva global que, atingindo os mais variados sectores, tem tido como objectivo nuclear a alienação dos serviços públicos e a sua subordinação à lógica do lucro, bem como a destruição do sector público que resta, prosseguindo o desbaratar de património público das últimas décadas, nomeadamente do sector empresarial do Estado, instrumento essencial à promoção do desenvolvimento económico e social e à garantia do bem-estar das populações.
A pretexto da Integração Europeia, do Pacto de Estabilidade e Crescimento, da proclamada elevação da competitividade nacional no quadro da globalização e de uma falsa ausência de vocação do Estado para a gestão empresarial, assistimos ao desenvolvimento de uma ofensiva ideológica com a qual se pretende fazer crer que há Estado a mais, pondo em causa o seu papel como entidade prestadora directa de serviços e garante dos direitos sociais das populações.

Esta ofensiva que visa acelerar a reconfiguração do Estado, plasmado na Constituição, para o moldar aos interesses do grande capital, pela via do esvaziamento das suas funções económicas e sociais, tem no anunciado novo pacote de privatizações, no qual se incluem importantes empresas estratégicas do sector dos transportes, como a TAP e a ANA, uma das suas prioridades no futuro imediato e no anunciado “Plano de Orientações Estratégicas” em relação ao sector portuário, outra das componentes desta ofensiva privatizadora deste sector.

O governo do PS prepara-se para continuar e aprofundar política de sucessivos governos que fez do ataque às empresas públicas de transporte, o seu eixo condutor principal e de que foi exemplo bem ilustrativo a privatização da Rodoviária Nacional.
As consequências desta política tem-se visto nas crescentes dificuldades de mobilidade que enfrentam as populações e nos enormes custos económicos que resultam do crescente peso que tem o transporte individual no movimento diário entre a residência e o local de trabalho, mas também no número de horas perdidas nas deslocações diárias que prolongando a jornada de trabalho de milhares e milhares de pessoas com evidentes consequências no equilíbrio familiar e na produtividade global do país.
Se muitos são os problemas sentidos pelas populações das áreas metropolitanas, o que dizer do abandono e isolamento a que milhões de portugueses são votados sobretudo no interior do país.
São hoje centenas de aldeias em todo o país que não têm qualquer ligação durante o fim-de-semana, e mesmo durante os dias de trabalho, o número de carreiras é cada vez mais reduzindo diminuindo a qualidade de vida das populações.

Esta linha de abandono das acessibilidades e mobilidade no interior, confirma uma opção mais vasta de um Governo que esquece e ignora metade de um país.
Está hoje muito claro e todos os dados o confirmam que os anunciados benefícios para os utentes que resultariam da privatização do sistema de transportes públicos se traduziram, afinal, não só numa crescente incapacidade para promover uma política integrada de transportes, essencial para a superação dos graves bloqueios à circulação existentes, como se traduziram, em geral, em enormes custos para os utentes dos transportes e sem qualquer contrapartida na qualidade dos serviços prestados.

Assim hoje, são cada vez mais os utentes, e populações a quem lhe é negado o direito constitucional à mobilidade, e a quem não lhe resta outra alternativa que não seja, o táxi, o transporte individual, ou o ir a pé.
Entre outros argumentos, os sucessivos governos sempre afirmaram, para justificar as suas opções, medidas e as privatizações, o estafado argumento das dificuldades financeiras das empresas.
No entanto, a verdade é outra e bem diferente. São os Governos que, ao não cumpriram com as obrigações de dotar as empresa dos meios financeiros e técnicos necessários ao seu funcionamento, são os responsáveis pelos problemas com que estas se confrontam.
Mas, como se isto não fosse bastante, as empresas públicas de transportes, nomeadamente a Carris, são ainda espoliadas em muitos milhões de contos na repartição das receitas do passe social a favor das empresas privadas de passageiros designadamente do Grupo Barraqueiro, que é o principal beneficiado.
Para o PCP existe a necessidade de inverter a política de transportes em que as privatizações, os ataques ao passe social intermodal na forma de aumento do seu preço, bem como dos bilhetes, a par da proliferação de títulos de transportes por operador e da redução e ausência de oferta às novas necessidades, constituem um elemento central para a perda de utentes para o transporte individual e a causa do agravamento dos problemas de mobilidade com que a região e o país se confrontam.
No que se refere ao importante sector ferroviário o desmembramento por fases da CP foi o caminho seguido no processo de criação de condições para a privatização. Iniciou-se com os primeiros governos do PS, continuou com os governos do PSD, e assim sucessivamente.

As consequências desta política estão à vista:

•    Encerramento de linhas, ramais e estações;

•    Desguarnecimento galopante de estações mesmo quando têm serviço ferroviário, deixando-as abandonadas e sem apoio para os utentes;

•    Abate de elevadas quantidades de material circulante, mesmo em bom estado de conservação ou com operações de manutenção e reparação recentes;

•    Redução brutal de trabalhadores, ataques sistemáticos aos seus direitos e garantias, provocando a desmotivação e as condições objectivas para cederem à chantagem para saírem das empresas;
•    Redução de serviços e de comboios, empurrando para a utilização do transporte próprio, assim como o recurso às rodoviárias privadas;

•    Criação de condições subjectivas e objectivas para colocar em risco a segurança;
Com esta política de destruição a rede ferroviária nacional passou dos 3616 km para os actuais 2839 km e o número de trabalhadores ferroviários diminuiu de 27000 em 1976 para cerca de 11.000 em 2005 (em todo o sector).

Mas esta ofensiva não tem apenas reflexos nos utentes dos transportes públicos, são os próprios trabalhadores das empresas de transporte que são também vítimas desta política de ataque ao sector público de transportes. 

Os trabalhadores das empresas rodoviárias, ferroviárias, aviação civil, marítimas, portuárias, fluviais, táxi e despachantes oficiais, além de serem objecto de uma maior e mais crescente exploração, viram destruídos milhares de postos de trabalho.

O PCP chama a atenção para o facto de estar em desenvolvimento uma enorme e renovada ofensiva contra os direitos dos trabalhadores deste sector. Ofensiva que, estando ligada aos objectivos de interesses privados, tem tido por parte do Governo PS o seu principal dinamizador.
Falamos dos baixos salários, da crescente precariedade, do bloqueio à contratação colectiva, do recurso frequente a empresas de aluguer de mão-de-obra, das reformas compulsivas, do aumento da idade da reforma e do cada vez menor valor das pensões, da liquidação de direitos no plano da saúde e outras regalias que ao longo de anos contribuíram para manter um mínimo de dignidade para quem trabalha.
Ofensiva em curso que tem tido por parte dos trabalhadores uma importante mobilização e luta não apenas nas grandiosas manifestações, como é exemplo a que se registou a 2 de Março, mas também lutas concretas nestes últimos meses no Metro, na Carris, na Transtejo, na CP, lutas desenvolvidas por objectivos concretos e que têm sido um factor decisivo muitas vezes para impedir que o patronato e administrações vão mais longe mas, também, para alcançar importantes vitórias em matéria reivindicativa.

O PCP, naturalmente, associa-se a esta luta, saudando os milhares de trabalhadores do sector dos transportes pela sua disponibilidade para continuar a resistir e a lutar e deposita uma grande confiança numa ideia na qual tantas e tantas vezes insistimos – quem luta sempre alcança.
No quadro actual da ofensiva contra os serviços públicos emerge a luta pela defesa da TAP, como empresa aérea de bandeira e de capitais totalmente públicos e a defesa da ANA, empresa pública gestora dos aeroportos do país, que o governo do PS inscreveu no Orçamento do Estado para privatizar em 2007.

Luta tanto mais necessária quando se sabe que a TAP já não existiria se a sua venda à Swissair se tivesse concretizado como o quis o anterior governo do PS com graves prejuízos para a economia e soberania nacionais.

Depois dessa operação ruinosa que causou danos à TAP, depois da segmentação e privatização do handling, feita pelo governo PSD-CDS, depois de os trabalhadores terem provado que a TAP era e continua a ser viável, eis que o governo PS quer agora reincidir na política de venda da nossa Companhia aérea, com consequências que são bem conhecidas de outras privatizações.
Ainda não são conhecidos cabalmente os elementos concretos deste projecto de privatização. No entanto, a concretizar-se, são já previsíveis algumas das consequências que dele podem decorrer.
Em primeiro lugar, à entrega de parte do capital a investidores privados suceder-se-á a alienação do restante, como tem ocorrido em muitas empresas do sector empresarial do Estado que foram privatizadas por fases e às fatias.
É óbvio que os investidores quererão deter todas as rédeas da gestão sem quaisquer constrangimentos. 
A concretizar-se, o futuro da TAP estaria irremediavelmente comprometido, face, à pequenez do mercado nacional e à concorrência dos gigantes europeus. Poderia quanto muito subsistir como pequena companhia regional, deixando de garantir grande parte dos serviços que vem prestando ao país.
Olhando para o exemplo do que aconteceu no handling, com a desnecessária privatização da SPDH, onde a maioria do capital da empresa é detida por espanhóis, é mais claro do que pode acontecer com a privatização da TAP e do caminho que urge interromper.

A venda de parte do capital da TAP implica claramente o risco de Portugal perder a sua companhia aérea de bandeira e deixar de poder assegurar todos os serviços que presta actualmente, em favor de interesses privados cuja actuação se funda unicamente nos lucros gerados pela actividade das empresas, sem ter em conta responsabilidades sociais ou nacionais.      
E no que se refere à ANA, que desde o início da sua actividade em 1979 teve sempre um excelente desempenho com resultados económicos e financeiros crescentemente positivos, nós reafirmamos que não há nenhuma razão nos planos financeiro, económico ou político  que justifique a decisão da sua privatização.

O PCP considera que não se justifica, nem é aceitável associar a privatização desta importante empresa pública à construção do novo Aeroporto de Lisboa, criando nos portugueses a ilusão que o país garante uma nova infra-estrutura sem custos para Estado quando, na verdade, o que vai acontecer é a perda de receitas e de capacidade de investimento nas restantes infra-estruturas aeroportuárias, com a transferência de património público a favor dos interesses do grande capital nacional e estrangeiro.
No momento em que se procura envolver o país na discussão em torno de grandes projectos de investimento na área dos transportes nomeadamente do novo aeroporto de Lisboa e a construção da rede ferroviária de alta velocidade, o PCP aproveita esta iniciativa para mais uma vez tornar públicas as suas preocupações sobre a evolução de tais projectos.  

O PCP considera imprescindível que se planifiquem e desenvolvam os estudos e as iniciativas que visam dotar o país no futuro de modernas infra-estruturas de transportes e logística. É por isso que acompanhamos com atenção o que tem sido dito e apresentado em torno de grandes projectos como sejam o Novo Aeroporto de Lisboa e a Linha de Alta Velocidade, ao mesmo tempo queremos sublinhar três observações que nos parecem essenciais e que cabe ao poder político e mais concretamente ao governo tomar opções.

Em primeiro lugar é que estes grandes projectos, devem corresponder e estar integrados num plano nacional de transportes, que como se sabe não existe. Plano que deve prever a articulação destas infra-estruturas de transporte e logística existente e em desenvolvimento.
Uma segunda observação prende-se com a natureza destes projectos no que diz respeito à sua concepção, execução, financiamento e exploração. A melhor solução que defende o interesse nacional é o carácter público destes projectos, carácter público que o Governo PS não garante e que a direita, pese embora o alarido feito em torno deste problema, também finge ignorar.

Uma terceira observação, prende-se com o volume de investimento previsto e do necessário equilíbrio entre projectos de grande dimensão, mas também a manutenção e desenvolvimento das restantes infra-estruturas. Falamos de estradas e eixos rodoviários, linhas e estações de caminho de ferros, manutenção e modernização de equipamentos circulantes. Falamos, sobretudo, de uma ideia de país que implica o desenvolvimento do todo e não apenas de uma parte do território, da mobilidade e da qualidade de vida das populações, onde quer que estas se encontrem.

Para o PCP há respostas e soluções para os problemas dos transportes! Exige-se que o interesse nacional esteja em primeiro lugar o que impõe que o sector dos Transportes seja efectivamente considerado como estruturante e estratégico para a vida económica da País, quer pela importância decisiva que possui para a mobilidade das populações e das mercadorias e bens, quer pelo peso que tem em termos do investimento e da balança de transportes, quer pelo papel que representa no desenvolvimento sustentado da nossa economia e sociedade.

Nós dizemos que para fazer frente a um problema com esta dimensão é necessário efectuar investimentos nesta área. Mas tal necessidade implica em primeiro lugar a definição de objectivos e prioridades, questões que como claramente se verifica as populações e o tecido produtivo crescentemente sentem, não tem estado presentes na acção Governativa.
A política que o país necessita não deve de assentar em anúncios mais ao menos demagógicos como os que recorrentemente são feitos, mas antes obedecer a um conjunto de orientações, cujo traço essencial seja o de assegurar o efectivo direito ao transporte dos portugueses, e a modernização do país tais como:

 

- Elaborar um Plano Nacional de Transportes, integrado, que seja um elemento fundamental de uma política de transportes de esquerda, que tenha um papel estratégico e estruturante na economia nacional, no ordenamento do território e desenvolvimento harmonioso e sustentável das regiões, respondendo a imperativos de economia energética, menor custo social e preservação do ambiente;

- Dar prioridade absoluta ao transporte público, ao peão e aos espaços públicos, numa perspectiva de defesa do meio ambiente, da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável;

- Parar com os aumentos sistemáticos e frequentes dos preços dos transportes e alargar o conceito de serviço público de transportes;

- Assentar o sistema de transportes num forte sector constituído por empresas públicas, única forma de garantir a efectiva prioridade ao serviço público, com transportes coordenados e frequentes, seguros, com boa qualidade e a preços sociais, recebendo as respectivas empresas, adequada e atempadamente, as indemnizações compensatórias pelo mesmo;

- Assegurar a complementaridade entre os diversos modos de transporte, com adequados interfaces e terminais multimodais;

- Parar com os despedimentos e reduções de postos de trabalho e ataques aos direitos dos trabalhadores nas empresas do sector de transportes;

- Alterar os estatutos das Autoridades Metropolitanas de Transportes, garantindo a representação dos trabalhadores do sector e impedindo a sua governamentalização, para que intervenham activamente no planeamento e no financiamento dos transportes;

- Promover o desenvolvimento sustentável da mobilidade, de modo a contribuir para a melhoria da qualidade de vida, do acesso ao trabalho e às escolas e para o lazer;

- Implementar uma política de investigação e desenvolvimento tecnológico ao nível dos transportes.
Em tempo de sacralização do défice das contas públicas, o PCP reafirma que o país precisa de corrigir outros défices estruturais. Isso é possível! Com outra política, com uma política de esquerda, também no sector dos transportes!

 

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