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(projeto de resolução n.º 392/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Agendámos este debate porque a situação do direito à saúde e do instrumento fundamental para a sua garantia — o Serviço Nacional de Saúde — é verdadeiramente dramática.
A desagregação do Serviço Nacional de Saúde, a diminuição das suas capacidades, as crescentes dificuldades de acesso das populações são hoje um dos maiores problemas e uma das mais graves consequências da política de direita que há anos se vem aplicando nesta área e, sobretudo, da ofensiva em curso, pela mão do Governo PSD/CDS.
E, se em qualquer situação, este percurso de degradação seria bastante grave, é-o ainda mais num momento em que a crise económica e social se agrava brutalmente.
Quando a proteção das pessoas, numa questão tão essencial como a da saúde, deveria ser acrescida, porque têm menos dinheiro, porque estão mais frágeis e, logo, mais necessitadas de apoio, é quando o Governo faz recuar o Serviço Nacional de Saúde para níveis nunca vistos desde a sua criação.
Quando era preciso que os custos da saúde diminuíssem para as famílias, porque estão no desemprego, porque têm baixos salários e reformas, porque lhes retiraram outras prestações sociais, o que o Governo faz é acentuar essas dificuldades com mais custos, menos acesso e mais restrições na saúde.
Em Portugal, a despesa pública com a saúde é de 6,3% do PIB, inferior à da média dos países da União Europeia. E, se compararmos a despesa pública per capita, a diferença é abissal: em Portugal, é menos de 40% do que a média da União Europeia.
Se olharmos para a despesa das famílias, verificamos que ela é muito superior em Portugal à da média da OCDE. Em média, as famílias portuguesas gastam 4,2% do seu orçamento anual com a saúde, para além, naturalmente, do financiamento que já fazem através do pagamento dos seus impostos.
A situação que vivemos é, por isso, uma verdadeira situação de emergência, e é assim que propomos um programa que salve o Serviço Nacional de Saúde e o direito à saúde do colapso que se vai consumando.
A política de ataque ao Serviço Nacional de Saúde tem vários caminhos. É uma política de continuado subfinanciamento e de garrote financeiro das instituições públicas de saúde. Não serve que o Governo venha dizer que tem de pagar dívidas acumuladas, o que é verdade. O problema é que a razão desse acumular de dívidas — o subfinanciamento crónico do Serviço Nacional de Saúde — continua a ser uma trave mestra da política deste Governo.
O problema do orçamento da saúde, nos últimos anos, não foi o do seu crescimento exagerado. A despesa pública em saúde cresceu apenas a uma taxa média de 1,5% entre 2000 e 2009, bem inferior aos 4% que são a média da OCDE. O problema é que os sucessivos governos não orçamentaram o dinheiro necessário e, com isso, fizeram crescer o défice anual e o défice acumulado.
A redução, em cerca de 10%, do orçamento da saúde, na sequência de reduções muito significativas em orçamentos anteriores e a aplicação de uma irracional lei dos compromissos leva a que as instituições de saúde estejam manietadas no desempenho da sua missão. Para prestarem os cuidados de saúde necessários, não podem cumprir o orçamento nem as regras da lei dos compromissos. Se cumprirem as regras do orçamento e da lei dos compromissos, não prestarão os cuidados de saúde necessários às populações.
A situação de rutura, em muitas instituições, com falta de materiais, de serviços básicos de apoio, restrição em consultas, em tratamentos, em medicamentos, é disso resultado.
Esta política é, assim, um fortíssimo condicionamento da prática profissional das diversas profissões da saúde. Com esta política, o Governo pretende que as decisões dos médicos, dos enfermeiros e de outros profissionais, que as formas de organização da resposta às populações se submetam ao objetivo de cortar na despesa. E isso leva a que se estejam a tomar decisões contra os interesses da saúde dos portugueses todos os dias.
Há uns meses, o PCP afirmou que, com esta política, o Governo estava a retirar anos de vida a milhares de portugueses, o que muito indignou, na altura, o Primeiro-Ministro. Mas a realidade comprova, todos os dias, que é isso que está a acontecer.
A política de ataque ao Serviço Nacional de Saúde é uma política de afastamento dos profissionais de saúde e de degradação das suas condições de exercício e de trabalho.
Durante anos, o Serviço Nacional de Saúde foi espoliado dos meios humanos de que necessita. Não se formaram, nem contrataram médicos suficientes; não se contrataram enfermeiros que eram necessários, mesmo existindo milhares de enfermeiros desempregados; não se contrataram muitos outros técnicos de saúde, hoje indispensáveis a uma abordagem multidisciplinar; não se contrataram auxiliares e administrativos.
Para além disso, fomentou-se a precariedade, com um absurdo congelamento da vinculação pública dos profissionais de saúde, usando e abusando dos contratos a prazo, dos recibos verdes e das empresas de colocação de mão-de-obra, que têm vindo a lucrar milhões à custa do orçamento da saúde e da qualidade dos cuidados prestados.
O atual Governo tem vindo a insistir nesta precariedade e no acentuar da situação de carência, despedindo centenas de profissionais, designadamente com contratos precários, que muita falta fazem ao Serviço Nacional de Saúde. Acabou, aliás, de lançar um concurso para compra de dois milhões e meio de horas de prestação de serviços por empresas com o critério do mais baixo preço apresentado a concurso, que é para desguarnecer a qualidade e precarizar ainda mais os cuidados de saúde.
Fá-lo, em simultâneo, com um brutal ataque às carreiras, designadamente as dos médicos. As carreiras médicas, conquista destes profissionais após duras lutas, desde o tempo do fascismo, são um garante, não apenas da justa progressão destes profissionais. São, sobretudo, uma garantia para a população e para a qualidade dos cuidados médicos prestados. São o que impede que sejam colocados médicos ainda não capacitados para funções de maior melindre, complexidade e responsabilidade clínica apenas porque se lhes pode pagar um salário menor. São o que protege a coerência e a estabilidade das equipas. São o que garante a proteção dos profissionais médicos contra imposições arbitrárias de gestão que queiram obrigá-los a proceder contra as suas regras profissionais e deontológicas.
É, por isso, de toda a justeza, a luta dos médicos contra estas medidas, contra esta política. É uma luta que defende o direito à saúde das populações.
Para além de tudo o resto, o Governo está assim, objetivamente, a empurrar para fora do Serviço Nacional de Saúde muitos profissionais, designadamente médicos, em particular os mais qualificados.
A política de ataque ao Serviço Nacional de Saúde é uma política de drástica redução das suas capacidades e resposta.
É o que acontece com o sistemático caminho dos encerramentos de unidades, de serviços, de valências, com a diminuição dos horários, com este Governo e com os anteriores.
Os portugueses estão cansados dos argumentos de sempre: ou há desperdício, porque as unidades estão demasiado espalhadas no território; ou não há profissionais suficientes (mas nunca se considera pôr os profissionais que são necessários); ou, ainda, os serviços serão substituídos por meios de transporte, que levarão as pessoas para unidades mais centrais.
E, depois, é ver por todo o País, em particular no interior: fecham os SAP (serviços de atendimento permanente), ficam as VMER (viaturas médicas de emergência e reanimação) e as ambulâncias e depois retiram as ambulâncias, retiram as VMER, retiram os helicópteros e a população fica sem nenhum serviço.
Ainda há poucos dias, o Primeiro-Ministro se veio vangloriar de pagar menos horas extraordinárias aos profissionais de saúde, como se isso, não tendo aumentado o número de profissionais, não significasse, de facto, uma clara diminuição da resposta às populações.
Em matéria de encerramentos, o caso da Maternidade Alfredo da Costa, é particularmente significativo. Vão variando as justificações semana após semana, mas o objetivo é sempre o mesmo, o de esvaziar e encerrar a Maternidade Alfredo da Costa.
A diminuição de resposta do Serviço Nacional de Saúde está bem patente nos dados, já conhecidos, do primeiro trimestre de 2012, em que se registou uma redução de cirurgias programadas em 2,9%, em sessões de hospital de dia em 4,8%, bem como um aumento dos tempos de espera para exames, consultas e cirurgias.
O acesso à saúde é também cada vez mais dificultado pelos custos, cada vez maiores. A falta dos transportes de doentes continua a deixar de fora milhares de situações que têm de ser contempladas, apenas a partir da sua necessidade clínica. As decisões deste Governo, na sequência das regras do Governo anterior, estão a impedir muitas pessoas de se deslocarem a tratamentos e a consultas, que são indispensáveis para a sua saúde.
Aumentam os custos com as taxas moderadoras, que são já um verdadeiro copagamento, e que impedem muitas pessoas de irem aos serviços de saúde. Essa é a principal consequência da sua aplicação. O Governo pode dizer que a sua receita direta é pouco significativa no total da receita do Serviço Nacional de Saúde, mas aquilo que não se gasta porque as pessoas não vão ao Serviço é que constitui o principal objetivo de poupança deste Governo.
E, quanto aos medicamentos, as baixas de preços de alguns, cujos efeitos concretos ainda terão de ser verificados, não repõem as diminuições de comparticipações dos últimos anos e, sobretudo, não compensam as crescentes dificuldades financeiras das pessoas. Dizer a um reformado, cuja pensão não aumentou, que, eventualmente, ficou sem subsídio de férias, que o seu acesso aos medicamentos está melhor é ignorar a verdadeira realidade do País. No País real, as pessoas estão a deixar de comprar os medicamentos de que precisam.
Nos cuidados primários de saúde prossegue a política de desestruturação, mesmo no plano das USF (unidades de saúde familiar), a quem são negados meios, diminuída autonomia e a quem se ameaça a saída de 30% dos seus profissionais, que têm contratos precários.
Registe-se que o Governo, como o PSD fazia no seu programa eleitoral, já assume que não quer um Serviço Nacional de Saúde geral. Quer apenas um pacote mínimo de cuidados. O resto estará disponível apenas para quem tem dinheiro.
E não vale a pena dizer que este racionamento anunciado e em concretização é para responder à diretiva Bolkestein da saúde. A resposta não pode ser que, para não pagar aos que venham de fora, se tem de deixar de tratar os cidadãos portugueses e os residentes em Portugal. É, aliás, boa altura para lembrar que este é um dos efeitos de PS, PSD e CDS terem aceitado que os países deixassem de ter direito de veto na União Europeia em matérias que colidissem com os seus interesses vitais, como é o caso. Aí está uma boa demonstração do erro que consiste em defender mais cedência de soberania.
A política de ataque ao Serviço Nacional de Saúde é uma política de favorecimento dos interesses privados.
É assim nas PPP (parcerias público-privadas), como o Grupo Espírito Santo, o Grupo Mello e outros, para onde vão, só este ano, 320 milhões de euros, que é mais de 14 vezes todo o investimento público no Serviço Nacional de Saúde.
Assim é na transferência de vultuosos recursos da ADSE para os hospitais privados — à volta de 600 milhões de euros.
Assim é com uma política de angariação objetiva de negócio para os privados, que é a política dos encerramentos. Onde se encerra público, abre privado, por vezes com o Estado a mandar para lá os utentes, que deixou de tratar nas suas unidades, e tantas vezes a coberto das mais escandalosas situações de promiscuidade.
É por isso que é preciso salvar o Serviço Nacional de Saúde!
O PCP apresenta, por isso, um conjunto de propostas de emergência, que garantam mais acesso, que garantam o Serviço Nacional de Saúde com os meios necessários, propostas que melhorem, de facto, a gestão, combatendo a promiscuidade e combatendo o benefício dos privados.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Agradeço todas as perguntas que me colocaram. Mas devo dizer que gostei muito das perguntas do PSD, e vou já dizer porquê.
Por exemplo, gostei muito que a Sr.ª Deputada Laura Esperança nos tivesse acusado de demagogia ou de falta de sensibilidade. Quero perguntar-lhe se no centro de saúde da sua freguesia não faltam nove médicos!
Faltam, não faltam?
É ou não verdade que no hospital da sua cidade não abriram vagas para o internato médico?!
À Sr.ª Deputada Carina Oliveira gostaria de perguntar se não participou, há tempos, numa vigília contra o encerramento de extensões de saúde em Ourém!?
É ou não verdade que, em Ourém, se diminuiu o horário de funcionamento para as 18 horas e que a Sr.ª Deputada se manifestou contra essa diminuição?!
Pergunto também se a Sr.ª Deputada não é a relatora da petição que está apresentada contra o encerramento de serviços no Centro Hospitalar do Médio Tejo, que aguarda o seu relatório, porque a Sr.ª Deputada não se quer comprometer com o encerramento que está a ser feito nessa matéria.
Olhe, Sr.ª Deputada, na segunda-feira, vou participar num debate em Tomar sobre o Centro Hospitalar do Médio Tejo. Vá lá a Sr.ª Deputada fazer o discurso que fez aqui que eu quero ver se tem coragem de o fazer em frente às populações e em frente aos profissionais de saúde.
Gostaria também de responder à Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro e dizer-lhe que, em relação à questão das dádivas de sangue, todas as informações apontam para o facto de que eliminação da isenção de taxas moderadoras penaliza severamente as dádivas de sangue.
Não é que as pessoas dessem sangue por causa da taxa moderadora, o problema é que se sentiram ofendidas por o Estado português não reconhecer a sua postura de dádiva retirando-lhes as taxas moderadoras.
Sobre a dotação do Orçamento do Estado — refiro-me às perguntas colocadas pelas Sr.as Deputadas Teresa Caeiro e Laura Esperança —, isso é uma falácia, porque os senhores querem contabilizar aquilo que se vai pagar de dívidas que estão para trás (que têm de se pagar), que são da responsabilidade do governo anterior, como verba para este ano. Ora, o problema é que não podemos dizer às pessoas que hoje precisam de um tratamento «olhe, o seu tratamento não está disponível, porque estamos a pagar o tratamento de há dois anos».
As pessoas precisam este ano de orçamento para fazerem tratamentos, para fazerem consultas e para fazerem cirurgias. Portanto, isso é uma falácia, Sr.as Deputadas. É preciso pagar as dívidas? Sim! E é preciso pôr no orçamento deste ano dinheiro suficiente para as coisas funcionarem. Isso foi o que os senhores não fizeram e, por isso, é que há subfinanciamento.
Quanto ao favorecimento de interesses privados e privatização, as PPP são privatizações e foram criadas pelo anterior governo PSD/CDS; as PPP da saúde têm origem nesse governo, as rodoviárias são do PS, é verdade, mas as da saúde são exclusivamente vossas. São «pai» e «mãe» das PPP da saúde os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP.
Quando, em Coimbra, se fecham urgências, quando em Coimbra se congregam unidades de saúde, abriu um hospital privado com as valências que estão a fechar nos hospitais públicos.
Em que há manifestas situações de promiscuidade. É assim que se faz a privatização, empurrando para o privado, porque deixa de se atender no público. É assim que estão a fazer a privatização na saúde!
Quanto ao transporte de doentes, vamos abordar mais à frente esse tema, porque já estou a ultrapassar o meu tempo.
Sobre a questão da despesa das famílias com a saúde, queria apenas dizer que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro tem razão. De facto, devo ter-me enganado nessa estatística, porque os 4,2% estimados pela OCDE penso que são de 2010 e, com a diminuição dos salários, com a diminuição das pensões e das reformas e com o aumento dos custos na saúde, certamente que já é superior o custo que as famílias têm com a saúde.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada,
Isto não é nenhuma pessoalização, isto é uma questão política. O que a Sr.ª Deputada queria era poder andar lá a dizer que defende as extensões e defende tudo para o concelho e depois vir aqui dizer que não é preciso investir mais dinheiro na saúde.
O que a Sr.ª Deputada queria era poder dizer lá tudo, defender tudo para o concelho de Ourém e aqui defender sempre o contrário, mas não vamos permitir-lhe isso.
A Sr.ª Deputada está à espera da resposta do Governo. Sim senhor, é a sua justificação, mas sabe o que isso significa? Que o seu Governo não quer responder à questão e não quer responder à petição!
Termino, Sr.ª Presidente, dizendo que vejo também que a Sr.ª Deputada não negou, afinal, que participou na vigília, como foi noticiado na comunicação social regional, em defesa das extensões do concelho de Ourém, em defesa do horário alargado de funcionamento do concelho de Ourém.
Segunda-feira lá estaremos em Tomar no debate pelo Centro Hospitalar do Médio Tejo, Sr.ª Deputada! Lá a espero para defender aquilo que defendeu aqui hoje.
(…)
Sr. Presidente,
Tenho apenas 30 segundos mas serão suficientes para, numa fase final deste debate, dizer que a maioria que apoia o Governo não tem razão e está comprometida com a destruição do Serviço Nacional de Saúde.
Quando a maioria diz, na intervenção do Sr. Deputado Couto dos Santos, que a Maternidade Dr. Alfredo da Costa é um pormenor, isso diz tudo da sua atitude em relação aos serviços de saúde!
Quando a maioria diz, em relação aos transportes de doentes, que não há problema nenhum, sabendo-se o que se está a passar neste País e que as pessoas não têm acesso, porque não é o critério clínico que está a determinar o acesso a estes transportes, é evidente que não percebem o que é que se está a passar no País!
Quanto aos dados da despesa das famílias, Sr. Deputado Couto dos Santos, estão na pág. 135 do relatório da OCDE para 2009. E a OCDE já tem também alguns dados mais atualizados em relação à percentagem da despesa em saúde que é paga pelas famílias, em Portugal. Em 2009, era 27,3%; em 2010, foi 27,5%; em 2011, foi 28,9%, e em 2012 ainda vai ser mais, graças à política do vosso Governo, que é a de pôr as pessoas a pagar pela saúde quando, às vezes, não têm sequer dinheiro para pagar a sua alimentação.