Intervenção de

Orçamento do Estado para 2004 (encerramento) - Intervenção de Bernardino Soares

Sr. Presidente Srs. Deputados

Este debate orçamental teve duas faces. Teve por um lado o discurso de ficção do Governo sobre o orçamento e por outro o orçamento real e as suas consequências para os portugueses.

O Sr. Primeiro Ministro definiu como três grandes linhas de orientação deste orçamento:

- Rigor na contenção da despesa - Redução da carga fiscal - Aposta num investimento de qualidade

Mas ficou claro que o orçamento não corresponde a este discurso.

Não ouve na realidade rigor na contenção da despesa. Nem sequer a apregoada contenção na saúde, em que o défice do exercício aumenta para o dobro. O Governo repete até à exaustão o argumento de que não é com mais despesa pública que se resolvem os problemas do país e trata sistematicamente a despesa pública como sinónimo de desperdício.

Mas o que verdadeiramente o preocupa não é o combate ao desperdício, não é uma melhor utilização dos recursos existentes. O que preocupa o Governo é o irracional e estúpido Pacto de Estabilidade e em simultâneo a degradação das capacidades que o Estado deve pôr ao serviço dos cidadãos.

Estivesse o Governo preocupado com o combate ao desperdício e não tinha nomeado milhares de boys para o aparelho de Estado. Estivesse o Governo preocupado com o combate ao desperdício e não aumentava as transferências de dinheiros públicos para o sector privado, havendo serviços públicos para o mesmo. Estivesse o Governo preocupado com o combate ao desperdício e promoveria um verdadeiro combate à fraude e evasão fiscal e agiria com determinação, por exemplo, em relação à escandalosa situação de impunidade das empresas do off-shore da Madeira, apurada pela própria Inspecção-Geral de Finanças.

Quanto à redução da carga fiscal, sim ela existe. Mas só para alguns. Para a especulação bolsista, sim. Para que a banca mantenha taxas efectivas de IRC de 12% e 13%, sim. Mas para os trabalhadores por conta de outrem o que sobra é um verdadeiro agravamento da carga fiscal, à semelhança do que já aconteceu em 2003 e que os portugueses sentiram no bolso. Para os cidadãos com deficiência a quem o governo resolveu não actualizar os benefícios de que justamente beneficiam, menos ainda. Para as micro e pequenas empresas nada.

Temos um orçamento e uma política que mantém a divergência de Portugal em relação à União Europeia e que ao juntar mais crise à crise será responsável pela continuação deste afastamento. Por isso o Sr. Primeiro-ministro não respondeu neste debate à pergunta, que o próprio fazia na oposição, de quando vamos atingir afinal a média europeia.

Bem pode o Governo prometer que adiante virão as vantagens, que a retoma económica já lá vem, que adiante os portugueses terão uma vida melhor. É a atitude típica de quem quer esconder os problemas do presente com promessas para o futuro. No tempo de Cavaco Silva tínhamos a teoria do oásis; com Durão Barroso temos a teoria da miragem.

Quanto à aposta num investimento de qualidade, bem gostaríamos de ter ouvido o governo explicar se cortar no investimento reprodutivo com importância estratégica para a nossa economia e provocar com isso encerramentos sucessivos de empresas e a perda de postos de trabalho é apostar num investimento de qualidade; se cortar 20% no investimento em educação ou 28% em saúde é apostar num investimento de qualidade; se asfixiar a actividade dos laboratórios de Estado é apostar num investimento de qualidade.

Assim se compreende que o Primeiro-ministro tanto fale na sua aversão ao que chama o paternalismo do Estado. Traduza-se: para aqueles que o Estado deve proteger – os cidadãos – menos apoios, para aqueles que mais têm e cada vez mais concentram a riqueza do país – cada vez mais benesses. Afinal a aversão do Sr. Primeiro-ministro ao que chama paternalismo de Estado traduz-se em ser padrasto para quem menos tem e pai e mãe para quem já tem muito.

O problema, Sr. Primeiro-ministro e Srs. Membros do Governo é que para além dos vossos discursos há o orçamento real que os desmente e uma realidade no país que os confronta.

São os reformados, faixa onde a pobreza é dramática e não respeita a dignidade mínima a que todos devem ter direito, a quem o Governo “oferece” aumentos entre 30 e 60 cêntimos por dia e mesmo assim em parte adiados para utilização eleitoralista próximo das eleições europeias.

São os trabalhadores, a quem o governo sempre tenta responsabilizar pela baixa produtividade nacional, a quem trata como relapsos que recorrem em geral a baixas fraudulentas e para quem o orçamento prevê mais desemprego, a engrossar o aumento de mais de 100 mil desempregados em 2003. Em Setembro Portogal teve o maior agravamento da taxa de desemprego na União Europeia, atingindo especialmente os jovens e as mulheres – o Ministro Bagão Félix é o campeão europeu do desemprego.

São os trabalhadores da administração pública, a quem o governo promete mais um ano de degradação salarial e de perda do poder de compra, a quem restringe direitos nas aposentações, a quem ataca na segurança no emprego.

São os micro e pequenos empresários que continuam a não ter uma política fiscal adequada às suas características e à sua importância para a economia e para a criação de emprego.

São as populações em geral, que num momento de crise económica e social em que aumenta a insegurança vêem o Governo gastar 8 milhões euros para proteger os interesses americanos no Iraque, (apesar de, ao que se sabe, terem de utilizar no primeiro mês as munições do Sr. Berlusconi) enquanto corta no orçamento para a GNR e para a PSP e nos apoios sociais aos seus profissionais.

Durante este debate o Governo repetiu a ideia de que estava em curso um novo modelo de desenvolvimento para o país. E é verdade que o país bem precisa de um novo modelo de desenvolvimento, que aposte na recuperação do aparelho produtivo nacional, no investimento com valor acrescentado para o país, na dignificação dos salários e melhor distribuição da riqueza.

Não é isso que o Governo faz mas sim o contrário. O Governo e este orçamento mantêm e acentuam o modelo em vigor, assente nos baixos salários, na baixa especialização produtiva, no atraso científico e tecnológico, nas privatizações e consequente perda de centros de decisão fundamentais para o país, na destruição da administração pública.

Neste debate apresentámos alternativas para uma nova política para o país e para os portugueses. Para um caminho futuro de progresso e justiça social.

Diz o Governo que a História não pode andar para trás.

Mas é com a sua política que o país anda para trás. Nos direitos diminuídos, no aumento da injustiça, na insensibilidade social, na crescente subordinação do poder político e das suas decisões ao poder económico, na degradação das condições de vida de milhões de portugueses, que vão ter mais desemprego e menores salários e prestações sociais, que vão pagar a saúde e educação mais caras, que vão continuar a viver com reformas de miséria.

Mas que ninguém, nem o Governo, tenha dúvidas de que esta política acabará por ser derrotada pelas populações, pelos trabalhadores, por todos os que anseiam por um país mais justo, e que contará com a firme oposição e com o contributo do PCP para interromper o mais rápido possível a política deste Governo.

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