Intervenção de

Orçamento de Estado para 2008 - Intervenção de Eugénio Rosa na AR

Orçamento de Estado para 2008 (debate, na generalidade)

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,

A primeira questão que quero colocar-lhe prende-se com o agravamento da injustiça fiscal. Se analisarmos globalmente e compararmos a situação de 2007 com a que se prevê para 2008, constatamos que, em cada 100 euros de receitas fiscais recebidas, em 2007, 40,5 euros vieram de impostos indirectos, enquanto que, em 2008, esse valor vai diminuir para 39,9 euros, o que significa que o peso das receitas dos impostos directos vai aumentar.

Por outro lado, mesmo dentro dos impostos directos, o que se constata é que a receita que provém do IRS - e tenha-se presente que mais de 87% dos rendimentos sujeitos a IRS são rendimentos do trabalho e de pensões - vai aumentar 5,5%, enquanto que as receitas provenientes do IRC vão aumentar 1,5%.

Portanto, a questão que lhe coloco, Sr. Ministro, é a seguinte: por que razão o Governo optou por uma política fiscal que agrava a injustiça fiscal? Por que razão o crescimento das receitas fiscais tem como origem o IRS, onde mais de 87% representa rendimento do trabalho e de pensões, que vai aumentar 3,5 vezes mais do que a receita fiscal do IRC?

Outra questão que lhe quero colocar tem a ver com o seguinte: no Orçamento do Estado para 2007 havia uma previsão de despesa fiscal de 1200 milhões de euros, no âmbito do IRC; neste Orçamento (proposta de lei n.º 162/X), relativamente ao mesmo ano, há uma previsão de receita fiscal de 2000 milhões de euros, ou seja, um crescimento de cerca de 66%. Paralelamente, enquanto se verifica este comportamento, estas «mãos largas» do Governo - permita-me o termo -, relativamente às empresas há uma redução do rendimento isento, relativamente aos pensionistas, e o rendimento dos deficientes sujeito a imposto passa de 80 para 90.

Pergunto, pois, ao Sr. Ministro qual é a razão destes «dois pesos e duas medidas».

Para finalizar, Sr. Ministro, pergunto-lhe por que é que se mantém ainda em vigor o artigo 59.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que é um autêntico escândalo, já que isenta metade dos dividendos e acções resultantes de privatizações, que, na sua maioria, estão na mão dos grandes grupos económicos.

Pergunto-lhe se isto é equidade, se esta é a equidade de que fala e que tanto defende.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo afirma que a situação económica do País será melhor no próximo ano. Infelizmente, a realidade é outra.

Portugal enfrenta actualmente um contexto internacional e comunitário e uma situação interna muito difíceis. A nossa economia ainda não saiu da crise em que está mergulhada desde 2000, não tendo entrado numa fase de cruzeiro como sucedeu com a generalidade dos países da União Europeia. E surge agora a crise financeira americana, cujas consequências são ainda imprevisíveis - o euro sobrevalorizado, que está a determinar a perda crescente de competitividade das exportações europeias; o barril de petróleo próximo dos 100 dólares; internamente, famílias e empresas fortemente endividadas; um País com uma dívida externa superior a 75% do PIB, que, por isso, perde todos os anos uma parte crescente da sua riqueza; desemprego crescente; graves desigualdades sociais; graves e crescentes assimetrias regionais; 2 milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza; e uma economia que corre o risco de sofrer uma nova recaída antes de conseguir sair da crise.

A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2008 subestima ou mesmo ignora esta realidade, e não contém medidas adequadas para enfrentar nem os novos riscos externos nem a gravidade da situação interna.

É uma proposta em que o Governo oculta a verdadeira situação do País, porque se ela fosse dita aos portugueses estes ficariam a saber que, apesar de tantos sacrifícios, eles foram inúteis porque os principais problemas do País continuam por resolver.

Pelo terceiro ano consecutivo, o Governo apresenta um Orçamento que pretende reduzir o défice para além dos compromissos tomados com Bruxelas. E gaba-se disso, esquecendo o mal que está a provocar à economia do País e aos portugueses.

Se o Governo se tivesse limitado a cumprir os objectivos que constam do PEC, o investimento público poderia ter aumentado entre 2006 e 2008 em mais de 2600 milhões de euros, sem violar o compromisso assumido com Bruxelas, o que certamente teria tido um impacto positivo na economia. Mas o Governo preferiu ser considerado «bom aluno», embora à custa do prolongamento e do agravamento da crise económica e social.

Em 2008, para ocultar uma eventual quebra do investimento público, o Governo retirou do PIDDAC a REFER e a Estradas de Portugal, cujo contributo para o investimento público em 2007 atinge 2000 milhões de euros. Desta forma, o Governo pode reduzir o investimento público em 2008 sem dar nas vistas, porque aquelas empresas foram retiradas ao controlo da Assembleia da República.

O Governo tem esperança que o investimento privado compense a quebra no investimento público. Mas o passado já mostrou que as previsões do Governo neste campo nunca acertam.

Em 2005 e 2006, o Governo previu um crescimento do investimento total entre 2% e 5%, mas o investimento diminuiu cerca de 2% em cada ano. Em 2007, o aumento do investimento total deverá ser metade do previsto pelo Governo.

O Governo afirma - e o Sr. Ministro também já o fez aqui - que, durante os dois anos da sua

governação, foram criados 60 000 postos de trabalho. Mas para obter este valor manipulou as estatísticas do INE, comparando trimestres não homólogos.

Se tivesse comparado o primeiro trimestre de 2005 com o primeiro trimestre de 2007, o aumento seria apenas de 41 000. E se a comparação fosse entre o segundo trimestre de 2005 e o segundo trimestre de 2007, o aumento já seria de 21 000, ou seja, um terço daquilo que o Governo diz que cresceu. E mesmo este aumento é aparente, porque foi conseguido através do aumento de 28 000 empregos a tempo parcial. Ora, um emprego a tempo parcial não é um emprego a tempo completo.

Contrariamente ao que o Governo pretende fazer crer, a nossa economia não está a criar um número líquido significativo de empregos qualificados. Apesar do nível de escolaridade da população empregada ter aumentado, embora lentamente, 116 000 empregos qualificados foram destruídos durante os últimos dois anos deste Governo, tendo sido substituídos, na sua maioria, por postos de trabalho menos qualificados e com salários mais baixos. A prová-lo está o número de desempregados com ensino superior, que em dois anos aumentaram 63%, ou seja, seis vezes mais do que o desemprego total. É a perpetuação de um modelo de crescimento que não tem futuro.

Embora o desemprego esteja a aumentar em Portugal, como confirmam os dados recentes do Eurostat, os desempregados a receberem subsídio de desemprego têm diminuído. De acordo com informações dadas pelo próprio Governo nesta Assembleia, entre Março de 2006 e Junho de 2007, o número de desempregados a receber subsídio diminuiu em 42 000, tendo a taxa de cobertura passado de 57% para 46%.

E vai continuar a baixar em 2008, porque, depois das despesas com o subsídio de desemprego terem diminuído 4,2% em 2007, elas vão aumentar apenas 1,6% em 2008. Aliás, esta matéria foi objecto de uma pergunta que fizemos ontem ao Sr. Primeiro-Ministro, mas, como é habitual quando as perguntas são incómodas, o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu.

No Orçamento do Estado para 2007 previa-se que o Estado perdesse, nesse ano, 1200 milhões de euros de receita fiscal devido a benefícios fiscais concedidos no âmbito do IRC. Mas o Governo entendeu que era ainda pouco. Como consequência de uma alteração legislativa aprovada depois da aprovação do Orçamento, a perda de receita fiscal, só em 2007, será superior a mais de 2000 milhões de euros - ou seja, mais 66% do que o previsto inicialmente -, valor esse que vai aumentar ainda mais em 2008.

Compare-se estas «mãos largas» do Governo em relação aos grandes grupos económicos e empresas com a actualização dos escalões do IRS em apenas 2,1%, com a redução do rendimento dos reformados isentos de IRS de 6100 € para 6000 € e com o aumento de 80% para 90%, em 2008, do rendimento dos deficientes sujeito a IRS.

Será esta a equidade de que o Sr. Ministro das Finanças tanto fala e que tanto defende?

O Governo afirma que a sua consolidação orçamental foi conseguida sem medidas extraordinárias. O Sr. Ministro das Finanças usou aqui a expressão «sem truques». No entanto, se o valor das «remunerações certas e permanentes» dos trabalhadores da Administração Pública de 2006 tivesse sido actualizado com base apenas na taxa de inflação, essas remunerações corresponderiam, em 2008, a um valor superior em 1700 milhões de euros ao valor inscrito no Orçamento do Estado para 2008. E não incluímos neste valor o efeito do congelamento das carreiras. Entre 2006 e 2008, a redução do défice das Administrações Públicas é de 1900 milhões de euros a preços correntes. Por isso, dizer que o aumento das remunerações, sistematicamente inferior à taxa de inflação, e o congelamento das carreiras não são medidas extraordinárias não deixa de ser surpreendente.

E como se tudo isso já não fosse suficiente, em 2008, os trabalhadores da Administração Pública vão sofrer mais uma redução do seu poder de compra a juntar à redução de 10% que já sofreram desde 2000. Isto porque a proposta de subida nos vencimentos de apenas 2,1% será certamente inferior à inflação que se verificará em 2008, como tem sucedido sempre em anos anteriores, com este Governo.

Estão orçamentados em 2008, para «remunerações certas e permanentes», menos 500 milhões de euros do que em 2006, o que determinará o despedimento ou a colocação de pessoal em situação de mobilidade especial ou a aposentação forçada e prematura para milhares de trabalhadores.

Enquanto se verifica uma redução nas remunerações, o Governo prevê gastar, no período 2006 a 2008, com a aquisição de serviços a empresas privadas - estudos, pareceres, projectos, assistência técnica, trabalhos especializados e outros serviços -, cerca de 3500 milhões de euros, ou seja, sete vezes mais do que a redução das remunerações, sendo 1200 milhões de euros em 2008.

Em vez de aproveitar a capacidade dos trabalhadores da Administração Pública para realizar parte daqueles serviços, poupando milhões de euros ao Estado, o Governo prefere «externalizar» esses serviços, para dar bons e lucrativos negócios aos privados, embora à custa da dignidade e da segurança dos trabalhadores e das suas famílias. Esta matéria foi também objecto de uma pergunta que fizemos ontem ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Ministro das Finanças, mas, como é habitual quando as perguntas são incómodas, não houve resposta.

Fazemos votos para que o Governo não se mantenha «surdo» e «cego» na sua «torre de arrogância», convencido de que só ele é o detentor da verdade, como tem acontecido até aqui, e que a consciência social do PS não esteja nem amordaçada nem extinta.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,

Gostava de colocar ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social várias questões, já que estamos perante um Orçamento de progresso.

Passando ao concreto e deixando a poesia, a minha primeira questão é a seguinte: relativamente a 2008, e tendo como base a lei que estabelece os aumentos de pensões e que determina que apenas (estamos numa situação em que o crescimento económico ainda é inferior a 2%, este ano) os pensionistas com pensões inferiores a 1,5 IAS (indexante de apoios sociais) terão uma actualização correspondente ao índice de preços no consumidor, quantos centenas de milhares de pensionistas vão ter um aumento de pensão inferior ao aumento de preços do ano anterior. Ou seja, qual é o número de pensionistas que vão ter uma redução do seu poder de compra, já não digo aumento mas uma redução do seu poder de compra?

Uma segunda questão, já que estamos perante um Orçamento de progresso, é relativa ao número de desempregados subsidiados. De acordo com os números oficiais, temos, em Portugal, 7,9% - diz o Sr. Primeiro-Ministro - de desemprego, mas o EUROSTAT fala em 8,3%

Deixe-me agora falar e depois, no fim, esclarece.

Portanto, dizia eu que o EUROSTAT fala em 8,3%. No entanto, se somarmos a estes números oficiais todos aqueles desempregados que, nesse mês, não procuraram emprego e por isso não são considerados desempregados mas são desempregados, de facto - e isso já dá 588 000 -, há, de facto, um aumento do desemprego.

A questão que quero colocar-lhe, e de acordo com dados que foram fornecidos nesta Assembleia, é esta: como é que se explica (e não me venha dizer que é apenas a máquina do desempenho) que, entre Março de 2006 e Junho de 2007, o número de desempregados subsidiados, numa altura em que o desemprego está a crescer, tenha passado de 316 000 para 274 000, ou seja, menos 42 000?

Estamos perante um Orçamento de progresso!...

Terceira questão: estive a comparar os dados do Orçamento com aquele famoso relatório de sustentabilidade que aqui apresentaram para justificar o aumento de pensões - e, neste momento, ainda não se concretizaram os efeitos das medidas que o Governo aprovou, porque a antecipação do cálculo da pensão com base em todos os anos só entra em vigor em 2008 e o factor de sustentabilidade também só entra em vigor em 2008 - e pergunto como é que se explicam os grandes desvios que se verificaram nesse relatório com os números que o Sr. Ministro agora apresenta. Esse relatório não terá sido feito para justificar todas as medidas que vieram a ser tomadas para reduzir as pensões?

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