1 - O que significa a existência de taxas de câmbio? Ou, porque é que as moedas têm valores relativos) diferentes? Como é que um marco se troca por cerca de 100$00 e um franco por cerca de 30$00?
As taxas de câmbio exprimem, em última análise, as relações entre as estruturas produtivas dos vários países, a maior parte das vezes bastante diferenciadas (a). Estas diferenças traduzem (ainda que esquematicamente) desiguais níveis de produtividade dos chamados factores de produção: trabalho e capital. A países economicamente fortes, com maiores produtividades, corresponderão, em geral, moedas fortes, valorizadas relativamente às moedas dos países economicamente mais débeis, com menores níveis de produtividade (b).
Quando dois países (por exemplo, Portugal e Alemanha), tendo níveis de produtividade diferentes, estabelecem relações comerciais entre eles, o país com mais alta produtividade (a Alemanha, no nosso exemplo) tem possibilidade de exportar relativamente mais e importar relativamente menos do país com mais baixa produtividade (Portugal). Este processo conduz a uma acumulação da dívida do país menos produtivo (Portugal) face ao país mais eficiente (Alemanha).
Face a um tal desequilíbrio, a resposta capitalista consiste em melhorar a competitividade dos preços dos produtos do país menos eficiente. Isso pode realizar-se de duas maneiras: uma «desvalorização da moeda» (alterando a taxa de câmbio) do país menos eficiente, as exportações ficam mais baratas, as importações ficam mais caras, o que permite aumentar as exportações, reduzir as importações e estimular a produção para o mercado interno. Ou pelo que chamam desinflação competitiva em que, mantendo-se fixas as taxas de câmbio, as empresas através da diminuição dos custos salariais e/ou pagamento de menos impostos, procuram reduzir igualmente os preços dos produtos importados.
Perante o primeiro (e quase único) princípio do neoliberalismo e da política de direita «a taxa de lucro é sagrada», são os assalariados que acabam, em última análise, por pagar sempre a factura.
Quer num caso quer noutro, acaba por se impor, no quadro da manutenção das taxas de lucro, uma redução dos custos (unitários) de produção suportada pelos trabalhadores, decorrente de alterações negativas: nos salários (directos e indirectos), nos horários e condições de trabalho, na capacidade redistributiva do Estado (saúde, segurança social, ensino).
A desinflação competitiva, adoptada pela maioria dos ministros da economia de Cavaco Silva (c) e prosseguida por António Guterres, tem significado: benesses fiscais e a redução da contribuição patronal para a segurança social (menos 0,5 pontos percentuais no Orçamento do Estado para 1994, que António Guterres posteriormente manteve); redução/contenção dos salários, com a sua não progressão proporcionalmente aos ganhos de produtividade; corte de regalias e direitos dos trabalhadores; precarização do trabalho (substituição de trabalhadores permanentes por precários); intensificação dos ritmos de trabalho ou alargamento da jornada laboral (pelo mesmo salário produzir mais); etc.
É esta a razão da batalha do grande capital, irmanado com o Governo PS, o PSD e o PP, pela revisão da legislação laboral, pela polivalência e flexibilidade da mão-de-obra e contra uma efectiva redução da jornada semanal de trabalho para as 40 horas.
Naturalmente que a solução alternativa face a tal desequilíbrio produtivo, reflectido nas relações comerciais entre dois países, é procurar melhorar a eficácia da economia do país com menor produtividade, mais débil (desenvolvendo os seus recursos humanos, com mais educação e formação, melhorando a organização e a gestão das suas empresas, etc.), encontrando as formas de protecção do seu mercado interno, mesmo temporariamente, ganhando tempo para que reformas na estrutura económica se traduzam em mais produtividade, e usando com ponderação a arma cambial.
«Uma vez entrados no Euro "os países renunciam definitivamente à taxa de câmbio, como o meio que tinham de sustentar as diferenças de inflação, de produtividade ou à dinâmica de endividamento". "Se a margem de manobra da política orçamental está esgotada, as diferenças de desenvolvimento da produtividade farão pesar a carga da adaptação quase que exclusivamente sobre o trabalho. Isto pode conduzir não somente a conflitos salariais graves, mas também a mais desemprego e a uma sobrecarga para o sistema de protecção social (...), e rapidamente conduzir a conflitos entre os Estados participantes ou com a política monetária supranacional".» Hans Tietmeyer, presidente do Bundesbank La Tribune — 28 de Fevereiro de 1997 |
«Quer isso dizer que ou se sobem os impostos ou se cortam as despesas públicas ou, mais provavelmente, sobem-se os impostos e cortam-se as despesas públicas. Na medida em que seja utilizado o lado da despesa da política orçamental, o governo há-de procurar encontrar formas de cortar ou eliminar despesas e de promover alternativas oferecidas pelo sector privado. Dado o elevado peso das despesas sociais nos orçamentos públicos, elas são inevitavelmente um dos alvos visados das eventuais reduções de despesas. Ao mesmo tempo, isto leva também a reduzir o emprego público. A adopção de uma política monetária restritiva tendente ao controlo da inflação, caso se verifique, tenderá de igual modo a levar à subida do desemprego.» Estudo elaborado para o Parlamento Europeu pelo departamento de Economia da Universidade de Cambridge |
«Contudo, o mercado de trabalho Europeu deverá tornar-se mais flexível. Ajustamentos salariais e migrações da força de trabalho serão necessárias para absorver as perturbações económicas regionais, que não podem mais ser compensados por mudanças das taxas de câmbio.» |
(a) Estruturas produtivas que determinam de forma essencial (mas não exclusiva) as relações comerciais que os países mantêm entre si, que por sua vez condicionam decisivamente a relação internacional do valor das moedas nacionais. Em torno dos valores assim determinados (taxas de câmbio reais), as taxas de câmbio (nominais) oscilam em função de um conjunto complexo de factores: alterações conjunturais das diversas economias, intervenções dos bancos centrais/governos na política monetária, movimentos especulativos, a guerra económica e os «negócios» entre as potências económicas, etc..
(b) Significativamente, acrescente-se, muitos países chegaram à «moeda forte» através da «moeda fraca», incentivando as suas exportações e dinamizando assim a produção...
(c) Houve um período nos primeiros governos de Cavaco Silva em que o ministro da Economia, Miguel Cadilhe, levou à prática uma «desvalorização deslizante» (crawling peg).
2. O que vai significar o estabelecimento da moeda única face às diferenças de produtividades existentes entre Portugal e os outros países aderentes à moeda única?
Segundo os dados estatísticos conhecidos, há uma diferença significativa entre as produtividades (aparentes) do trabalho, de Portugal e dos nossos principais parceiros da União Europeia: 61% face à Alemanha, 48% face à França, 21% face à Espanha...
Isto quer dizer que se, por exemplo, numa hora de trabalho se produzem 100 dólares de valor acrescentado em Portugal, na Alemanha produzem-se 160 dólares, 148 dólares em França, 121 dólares na Espanha,... (a)
Esta diferença de produtividades é a causa da acumulação de défices da Balança Comercial pelo país. Défices compensados, ao longo destes anos, pela sobre-exploração dos trabalhadores portugueses — que continuam a ser a mão-de-obra mais barata da União Europeia — pela redução drástica de rendimentos de outras camadas, como agricultores (desde 1986 a 1995 sofreram uma quebra de 25% no seu rendimento) e pequenos e médios empresários, pelas remessas de emigrantes, pelas receitas do turismo, pelo investimento estrangeiro (compra de empresas e terras) e também por algumas desvalorizações da moeda, feitas antes de se ter iniciado o processo de adesão à moeda única com a integração de Portugal no Sistema Monetário Europeu.
Pode a moeda única contribuir para Portugal (e outros países) vencer estas diferenças e dificuldades da sua estrutura produtiva? Os dirigentes alemães já responderam a esta questão: segundo eles, a moeda única não se destina a ajudar os países da União Europeia a vencer o seu atraso. Estes não têm outra solução que não seja a adaptação à realidade da moeda única. O que é que isto quer dizer?
Quando desaparecer a moeda nacional (logo, não haverá mais política cambial) os países que farão parte da União Monetária, privar-se-ão de decisivos instrumentos de política económica que lhe garantem alguma margem de manobra. A sua política monetária será conduzida ao nível Europeu pelo Banco Central Europeu e alinhada pelo país ou grupo de países dominantes. A sua política orçamental deverá visar o objectivo do equilíbrio orçamental (Despesas igual a Receitas) a partir da lógica de redução das despesas, nomeadamente das despesas sociais.
Em tais condições os factores de ajustamento (adaptação) serão os empregos, os salários, os impostos sobre os trabalhadores e outras camadas populares e as despesas sociais — educação, saúde, segurança social. É assim que os países se adaptarão à realidade da moeda única.
Os capitais — cuja circulação já livre será acelerada pela moeda única — dirigir-se-ão para os «nichos de produtividade» (países e áreas geográficas onde a produtividade é maior) para ganhar maiores lucros. Só se dirigirão para países como Portugal, caso aqui encontrem mão-de-obra «dócil» (pouco reivindicativa e pouco virada para os sindicatos) e sobretudo barata, com um mercado de trabalho flexível e fortes incentivos financeiros do Estado português. Guiados pela lógica ultraliberal da construção comunitária, os países devem melhorar a sua atractividade: via privatizações escandalosamente vantajosas para os compradores; através de benesses fiscais e outros apoios financeiros vultuosos (fundos comunitários e nacionais); aumentos da produtividade do trabalho por despedimentos massivos e pressões sobre os custos salariais. Os países e as regiões menos produtivos serão empurrados (na impossibilidade de proteger o seu mercado interno e de tempo para o desenvolvimento e modernização das suas estruturas produtivas) para o corte dos salários, a flexibilidade, polivalência e longas jornadas de trabalho, um mercado de trabalho à medida do grande capital. Esta política não cria condições de um verdadeiro desenvolvimento dos países atrasados, ela «congela» o subdesenvolvimento (relativo) dos mais débeis e arrasta os assalariados desses países para uma guerra económica impiedosa contra os seus camaradas dos outros países na concorrência salarial e na «venda de direitos sociais. Dentro da mesma lógica, esta política exacerbará as desigualdades regionais dentro de cada país e acentuará ainda mais em Portugal, um perfil produtivo assente na indústria intensiva em mão-de-obra pouco qualificada e de baixos salários, e na liquidação da pouca produção de média e alta tecnologia que o país tem.
Os adeptos da moeda única defendem (mais ou menos explicitamente) a velha tese liberal «deitam-se as empresas (há quem prefira os empresários) ao mar, as que souberem nadar, salvar-se-ão... e depois o país será reconstruído com unidades novas, modernas, tecnologicamente apetrechadas e economicamente competitivas... Não é por acaso que falam para o curto prazo de «sacrifícios» e «purgatórios» com a esperança de a médio prazo alcançarem o «paraíso»!
O «Argumentário Euro» (b) é transparente nos objectivos e análises que faz das consequências da moeda única: «Um mercado único dotado de uma moeda única permitirá mais transparência, mais concorrência e uma melhor divisão do trabalho». E depois explica, utilizando como exemplo concreto Picasso a braços com a pintura da sua casa.
Isto é, o Argumentário diz, de forma franca e acessível a toda a gente (que ele julga estúpidas) qual é a divisão de trabalho que vai resultar da moeda única: uns (os alemães, os holandeses,...) serão Picassos, que farão obras-primas que «valem milhões» (em linguagem económica: a produção de alto valor acrescentado) e ainda «enriquecem por acréscimo o património artístico da humanidade»; e os outros (os portugueses, os gregos, alguns espanhóis,...) serão os pintores da construção civil (em linguagem económica: o trabalho não qualificado) que, muito contentes, vão «ganhar o seu» a pintar as casas dos Picassos. Resta-lhes a consolação de, quando emigrantes, poderem visitar as obras-primas dos Picassos nos museus... Portugal pode ter ainda a esperança de se transformar numa enorme Casa de Repouso para a terceira idade pois, segundo a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (c), com o tempo é possível que «mais reformados do Norte optem pelos céus mais clementes do Mediterrâneo».
Esta é de facto a divisão eficaz para o grande capital, para os mercados financeiros! A divisão que torna o capital mais eficiente na produção de lucros...
Esta eficácia não terá contemplações com a actividade produtiva, com a cultura, com os trabalhadores e o povo de um país como Portugal.
Produtividade do trabalho e afastamento português (em %),
face a outros países da União Europeia, em 1993
Países | Nível em dólares | Índice (Alemanha=100) | Afastamento [(P-X) x 100] / X |
Portugal | 30946 | 39,4 | - |
Bélgica | 54523 | 69,4 | -43,24 |
Dinamarca | 50447 | 64,2 | -38,66 |
França | 59012 | 75,1 | -47,56 |
Alemanha (Ocidental) | 78580 | 100 | -60,62 |
Alemanha (Oriental) | 24308 | 30,9 | 27,31 |
Grécia | 31820 | 40,5 | -2,75 |
Irlanda | 86128 | 109,6 | -64,07 |
Itália | 44788 | 57 | -30,91 |
Luxemburgo | 63013 | 80,2 | -50,89 |
Países Baixos | 65132 | 82,9 | -52,49 |
Espanha | 38980 | 49,6 | -20,61 |
Suécia | 53371 | 67,9 | -42,02 |
Grã-Bretanha | 52081 | 66,3 | -40,58 |
Áustria | 58680 | 74,7 | -47,26 |
Finlândia | 50474 | 64,2 | -38,69 |
Nota:
Este quadro, construído a partir do Relatório da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), refere-se à produtividade aparente do trabalho (valor acrescentado/número de assalariados) na indústria.Se se integrasse a produtividade aparente do capital, as diferenças de produtividade global dos factores (capital e trabalho) seriam ainda maiores.
«Uma divisão do trabalho mais eficaz permite:
assegurar que cada um se especialize no domínio onde dispõe de vantagens comparativas mais significativas.Imaginemos, por exemplo, que Picasso tinha um dia querido renovar a pintura da sua casa.
É evidente que o podia perfeitamente fazer, e que o teria certamente feito, talvez menos rapidamente, mas com mais bom gosto que um pintor da construção civil. Mas não é menos evidente que isto lhe tomaria muito tempo, e que ele tinha objectivamente muito mais que fazer. A divisão do trabalho é, então, em primeiro lugar, um elemento de eficácia.
libertar um rendimento suplementar que poderá ser repartido entre os parceiros da troca. Retomemos o exemplo de Picasso. Entregando a pintura dos seus muros a um pintor da construção civil, Picasso fica com tempo livre. Durante este tempo, ele pode pintar um certo número de obras-primas. Cada uma valendo vários milhões, ele aumenta muito mais a riqueza colectiva do que se ele próprio pintasse a sua casa. Não prejudicando ninguém, ele enriquece por acréscimo o património artístico da humanidade.
Com toda a lógica, não somente Picasso, mas a colectividade no seu conjunto, tem interesse em que ele contrate alguém para pintar a sua casa e que ele se concentre no que sabe fazer melhor.»
Argumentário Euro
«O principal problema é este: ver como um país dispondo de uma menos boa produtividade poderá manter a sua competitividade com a moeda única. As únicas variáveis de adaptação serão então o emprego e os salários». Karl Otto Poehl, presidente do Bundesbank Conferência de Janeiro de 1997, na Companhia financeira Eduard Rothschild |
«O Euro reforçará a concorrência entre os países e os mercados e suprimirá o instrumento das taxas de câmbio, que podiam servir até aqui de almofada. Mais precisamente: a competitividade das nossas economias não será ferida de novo se fizermos um esforço de flexibilidade sobre o mercado do trabalho.» Hans Tietmeyer, presidente do Bundesbank — Humanité Dimanche, n.o 359, 30.1.97 |
«(...) Ao mesmo tempo, as exigências da convergência nominal permitem eliminar pelo caminho as empresas marginais mais obsoletas de tecnologias mais antigas e essa limpeza da destruição criadora facilita o processo espontâneo e fácil de convergência real.» Vitor Constâncio — Cadernos de Economia — Abr./Jun. 1994 |
«Os defeitos que aponta na construção da moeda única de que modo nos vão atingir? Poderão ser potencialmente importantes para nós, porque a economia portuguesa tem uma estrutura produtiva diferente e certos choques económicos atingem-nos particularmente.» Vitor Constâncio — Diário de Notícias — 9 de Abril de 1997 |
«DN — O uso do Euro causará choques nas empresas? JFA — Portugal possui uma estrutura produtiva que, em grande parte, é concorrencial com países fora da Europa. São países num processo de liberalização acelerada do comércio externo, o que, sendo positivo a prazo, não deixa de ser um choque adicional, se entrarmos para uma zona de moeda forte como o Euro. Julgo que não temos condições para absorver estes choques. João Ferreira do Amaral, Professor Catedrático do ISEG — Diário de Notícias/Negócios — 27 de Maio de 1996 |
«A nossa situação, inseridos numa zona de moeda forte, longe de ser incentivadora, será, pelo contrário extremamente difícil. É o que sucederá quando entrarmos na zona da moeda única, pois tudo leva a crer que, por pressão alemã, esta será a moeda mais forte a nível mundial. Isso significa que a nossa produção de bens transaccionáveis terá uma dificuldade extrema em competir com as produções dos países fora da moeda única, sejam eles Europeus, asiáticos, ou, até americanos, para não falar do norte de África. E esta competição irá sendo cada vez mais intensa à medida que for progredindo o processo de liberalização das trocas internacionais acordado no âmbito do Uruguay Round.» João Ferreira do Amaral, Professor Catedrático do ISEG — Boletim do Grupo BFE — Março de 1996 |
«É possível que o pior esteja ainda para vir, com a liberalização do comércio mundial em curso, intensificada pelos acordos comerciais externos de uma União Europeia que tem revelado pouca condescendência para com as nossas dificuldades. No passado, de uma forma ou de outra, o ajustamento acabaria por ser realizado por via cambial — uma desvalorização da taxa de câmbio que faria regressar a maior parte das empresas marginais acima da linha de água. Voltariam a respirar. É isso que acaba. É aí que residirá o essencial dos sacrifícios. No maior número de empresas que poderão falir. Nas falências que poderão surgir mais depressa. No maior número de postos de trabalho que poderão ser perdidos..» Daniel Bessa, ex-ministro da Economia — Público — 10 de Outubro de 1996 |
«Com a União Monetária desaparece a possibilidade de recorrer à valorização ou desvalorização da moeda nacional para corrigir assimetrias entre os diferentes países. Ora isto significa que quando surgirem problemas, outros sectores serão chamados para os resolver. Concretamente, a política salarial ou a financeira.» Otmar Issing, Administrador do Bundesbank — Diário de Notícias — 29 de Janeiro de 1996 |
«(...) algumas reformas estruturais como as dos sectores sociais e da Segurança Social terão necessariamente que ser feitas, de outra forma não é possível cumprir o Pacto de Estabilidade.» Abel Mateus, administrador do Banco de Portugal — Diário Económico — 17 de Abril de 1997 |
a) E não é por os trabalhadores portugueses trabalharem menos, até porque, por exemplo, para os 148 dólares de produtividade na França contribuem decisivamente os emigrantes portugueses...
b) Livro de receitas editado pela Comissão para nos convencer a todos da bondade da moeda única...
c) Relatório, sobre as consequências para a Europa de uma união económica e monetária, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 13 de Dezembro de 1996, onde foram relatores: M. Mikko Elo, Finlândia, Grupo Socialista; e M. John Townand, Reino Unido, Grupo Democrático Europeu.
3. A moeda única vai promover o crescimento económico e o emprego em Portugal?
Mentira. E por várias razões.
A livre circulação de capitais — facilitada e acelerada pela moeda única — vai impulsionar a deslocalização do dinheiro (dos investimentos) para as regiões da Comunidade Europeia com maiores produtividades e dinamismo económico.
Em Portugal a menor eficiência da economia e produtos com preços expressos numa moeda sobrevalorizada — o EURO — vão reduzir a nossa capacidade de concorrência (competitividade). No mercado comunitário, incluindo no mercado nacional, os produtos portugueses ou aparecem mais caros e as empresas não vendem, ou têm preços semelhantes aos de outros países comunitários e as empresas portugueses vendem com prejuízo e/ou, mais provavelmente pressionam a redução de custos salariais, relativos ou absolutos, para defenderem as taxas de lucro.
Como diz o Argumentário Euro, «As posições concorrenciais das empresas reflectirão, fundamentalmente as diferenças de produtividade e de inovação». Ora, é sabido que não são as empresas portuguesas as campeãs da produtividade e da inovação!
Em qualquer dos casos a tendência é evidente: falência e encerramento.
Por outro lado, um Euro sobrevalorizado (tão valorizado como o marco, querem os alemães) vai, por acréscimo, dificultar as exportações portuguesas para fora da Comunidade e facilitar ainda mais as importações de países terceiros (em geral de mão-de-obra barata e moedas desvalorizadas), que no mercado comunitário e mundial concorrem connosco. É inteiramente razoável admitir que a evocada redução dos custos da actividade exportadora com a moeda única — fim dos custos do seguro exigido pelos riscos cambiais e das comissões pagas pelo câmbio das moedas — seja mais que «comida» pelas dificuldades acrescidas de uma exportação feita numa moeda fortemente valorizada. (a)
Sob a imposição dos critérios de Maastricht e a previsão das multas do Pacto de Estabilidade, o Estado português fica obrigado a rigoroso equilíbrio orçamental e a conter-se no recurso à contracção de empréstimos (contenção da Dívida Pública). Nessas condições, resta ao Governo: aumentar os impostos; cortar no número e salários dos trabalhadores da Administração Pública; cortar nas despesas sociais (saúde, ensino, segurança social); limitar os investimentos para infraestruturas e para o sistema produtivo.
Será bom recordar o desproporcionado papel do investimento público face ao investimento privado em Portugal, em comparação com o que sucede noutros países da Comunidade...
Todos estes factores vão significar redução do investimento, menos mercados, redução da produção, mais empresas encerradas e menos empresas novas, mais desemprego, menos criação de novos postos de trabalho, piores condições de vida para os portugueses.
Com o espartilho da moeda única resta aos portugueses continuarem a ser a mão-de-obra mais barata da União Europeia e a aceitarem o desemprego ou continuarem a emigrar para as regiões para onde se deslocam os capitais. Conhecida a dimensão do desemprego na Europa, esta hipótese é pouco viável e/ou ficará reduzida ao trabalho sem qualificação... Segundo a fábula do Argumentário Euro, trabalhadores da construção civil nas casas dos outros cidadãos (os Picassos) da União Europeia!
A Moeda Única e as privatizações
As privatizações têm sido um importante instrumento da política de direita (PS, PSD, CDS/PP) no caminho para a União Económica e Monetária e a moeda única. Os encaixes resultantes das privatizações têm sido utilizados para uma redução a galope da Dívida Pública. Mas não vão as privatizações, acabando com as despesas do Estado para colmatar os prejuízos das empresas públicas, libertar meios financeiros para despesas sociais e apoios ao investimento produtivo? Como pretende o Governo? Mentira.
Com as privatizações, não só o Estado perde(u) alavancas essenciais para a dinamização da economia portuguesa, como perde(u) receitas significativas provenientes dos lucros (dividendos) dessas empresas e das suas certas e vultuosas contribuições para as receitas fiscais.
Receitas decisivas na contenção das despesas orçamentais, como é facilmente comprovado pela leitura dos dois últimos orçamentos do Estado...
Por outro lado, tudo indica que aquelas empresas públicas que apresentam saldos negativos nas suas contas de exploração (os ditos «prejuízos») derivados da sua condição de prestadores de serviços públicos a preços (tarifas) decididos pelo Estado, vão continuar públicos! É a exemplar estratégia de desarticulação dessas empresas em várias, como se pretende para a CP, em que as unidades lucrativas são privatizadas e as deficitárias continuam públicas!»
«Eu felicito Louis Schweitzer pela sua coragem, porque ele fez o que era necessário pela Renault (...). A Europa deve reencontrar a sua competitividade (...). Mas é preciso um verdadeiro mercado comum, uma moeda única (...), é preciso ter a coragem de dizer às pessoas que os salários e o poder de compra devem ser reduzidos para permitir uma melhoria posteriormente.» Helmut Werner, presidente do Directório da Mercedes-Benz |
«Não vai ser fácil. Os próximos tempos vão ser difíceis, mas temos que ser realistas. É o preço a pagar. Empresas vão fechar e existe o risco de um aumento do desemprego». Vitor Constâncio — Jornal de Notícias — 15 de Fevereiro de 1997 |
«Precisamos urgentemente de uma "poção mágica" para as empresas e principalmente para o país, pois com a mania do pelotão da frente vamos deixando pelo caminho um rasto de desemprego e de exclusão, que mais tarde ou mais cedo se transformará em conflitos difíceis de resolver, porque vão atingir a alma das gentes.» J. Vicente Ferreira, Consultor e docente universitário — Expresso — 5 de Abril de 1997 |
a) Em recente estudo «A rendibilidade das empresas na indústria portuguesa: 1986/94», publicado no Boletim Trimestral do Banco de Portugal (Dez. 96), conclui-se que, a partir de 1989, com a alteração da política cambial e o reforço da apreciação real do escudo, há um reflexo mínimo na rendibilidade global das empresas, mas uma acentuada redução da rendibilidade no sector exportador.
4. Mas a moeda única não vai permitir baixar as taxas de juro em Portugal e assim facilitar o investimento criador de empresas e empregos?
A taxa de juro poderá vir a ter valores médios inferiores aos actuais. Mas o crédito continuará a ser mais caro (taxas de juro mais elevadas), para a generalidade das empresas portuguesas e para o País em geral, dada a sua relativa maior fragilidade e atraso económico. Os investimentos serão sempre mais arriscados (no País e nas nossas empresas) e o risco, na lógica bancária, paga-se caro.
O preço desse risco são valores mais elevados das taxas de juro. Segundo José Martins Barata (a), esse maior risco [e também a menor eficiência (produtividade) do sistema financeiro nacional] é uma das razões para a diferença significativa entre as taxas pagas pelos depósitos a prazo e as taxas exigidas para o crédito: cerca de 11 pontos percentuais. Nos outros países esta margem bancária anda à volta de 2 a 3 pontos percentuais!
Outro factor de encarecimento da taxa de juro é o carácter monopolista (oligopolista) do sector bancário português. Na opinião do mesmo especialista, o carácter oligopolista é responsável, só por si, pela diferença de 5 pontos percentuais entre o valor de 10,5% que se poderia estimar para a taxa do crédito a um ano, partindo da taxa de juro média dos depósitos a prazo, e o valor que está a ser praticado pela banca (15,5%/16%).
Estas «especificidades» portuguesas, que não tenderão a atenuar-se, bem pelo contrário, com o avanço da União Económica e Monetária e da Moeda Única, vão encaixar-se num ambiente financeiro Europeu favorável a altas taxas de juro:
— Um Euro forte e estável, e em competição com o dólar e o iene, exigirá taxas elevadas para atrair/manter os capitais nas Comunidades Europeias;
— a chamada e defendida independência dos bancos centrais e do futuro Banco Central Europeu face aos governos, vai favorecer a pressão e a influência dos mercados financeiros, cuja «lógica rentista» imporá altas taxas de juro. Argumentarão os adeptos da moeda única que a situação será bem pior caso Portugal fique de fora do núcleo dos países (o tal pelotão da frente) que vão criar o Euro. Porque Portugal ficaria obrigado a suportar um «prémio» nas taxas de juro, decorrente da sua não participação. (O que reflectirá a maior confiança dos mercados na moeda única do que na divisa nacional dos países exteriores à zona económica do Euro). Este raciocínio, segundo o Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (b), poderá ser válido no curto prazo, mas não necessariamente a longo prazo.
Mas a resposta fundamental àquele argumento é outra: o Estado português deve poder realizar as políticas monetária, cambial e orçamental que permitam taxas de juro baixas e o incremento do investimento produtivo.
Sabem as pequenas e médias empresas portuguesas, e em particular as do sector produtivo, as localizadas nas regiões mais atrasadas do País, as explorações agrícolas e os portugueses a quem a fraqueza dos salários obriga a recorrer ao crédito ao consumo que, nascendo o sol para todos, o mesmo não acontece com o crédito concedido pela banca. Sabem, por exemplo, as pequenas e médias empresas portuguesas que pagam juros em média seis pontos percentuais acima das taxas das grandes empresas (na média Europeia o diferencial existe mas é apenas de dois pontos percentuais!)
Sabem que não têm as prime rates e as facilidades das empresas do grande capital nacional ou das multinacionais de recorrer ao crédito dos bancos da sua holding ou grupo, ou na contracção de empréstimos no estrangeiro. Sabem que, contrariamente a outros países da Comunidade (Alemanha, por exemplo), é débil a articulação entre o sistema financeiro e o sistema produtivo, e que aquele tem funcionado em Portugal como uma voraz sanguessuga do valor acrescentado produzido pelas actividades agrícolas e industriais. A moeda única não vem pôr fim ao regabofe do sector financeiro. Em 1995 uma subida de 15,2% nos lucros da banca e em 1996 e 1997 tudo indica que as coisas continuam no melhor dos mundos.
Sabem, de experiência feita, que a taxa de juro é inversamente proporcional à força económica do agente que contrai o empréstimo!
Lucros do Sector Bancário
C.A.E. / PCP
Empresas | Resultados Líquidos (*) 1995 |
Resultados Líquidos (*) 1996 |
Taxa de Crescimento |
Caixa Geral de Depósitos | 58.373,5 | ||
Banco Nacional Ultramarino (1) | 2.697,8 | 1.787,2 | (33,75%) |
Banco Comercial Português | 20.273 | 23.268 | 14,77% |
Banco Português do Atlântico | 13.599,7 | 13.734,4 | 0,99% |
Banco Espírito Santo | 19.452 | 23.647 | 21,57% |
Banco Internacional de Crédito (2) | 1.316 | 2.552 | 93,90% |
Banco Pinto & Sotto Mayor (4) | 7.634 | 11.965,8 | 56,74% |
Banco Totta&Açores (4) | 17.183 | 15.580 | (9,33%) |
Crédito Predial Português (4) | 3.889,3 | 4.074,6 | 4,76% |
Banco Português de Investimento | 9.662,9 | 15.107,8 | 56,35 % |
Banco Borges & Irmão (3) | 6.514 | 4.281 | (34,28%) |
Banco de Fomento e Exterior (3) | 10.061,9 | 19.084 | 89,66% |
Banco Nacional de Crédito Imobiliário | 246,3 | 490,1 | 98,98% |
Banco Mello | 384,9 | 503,4 | 30,78% |
Banco Internacional do Funchal | 1.004,8 | 1.753,2 | 74,78% |
Finlândia | 50474 | 64,2 | -38,69 |
(*) Resultados Consolidados em milhares de contos.
(1) Consolidado na CGD.
(2) Consolidado no BES.
(3) Consolidação:
· em 1995: consolidou no BFE;
· em 1996: consolidou no BPI.
(4) Consolidam na Companhia de Seguros Mundial Confiança.
«Os três maiores grupos (Caixa Geral de Depósitos, Banco Comercial Português/Banco Português do Atlântico, Banco Pinto & Sotto Mayor/Banco Totta & Açores) controlam 2/3 do sistema em termos de activos, e os cinco primeiros (os anteriores, mais o Banco Português de Investimento/Banco de Fomento Exterior e o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa) assumem 3/4 dos activos. Situação decorrente das privatizações dos bancos públicos, seguidos de processos de concentração. Situação que tenderá a agravar-se pela concretização de novas privatizações e concentrações bancárias.»
«(...) se os países exteriores à zona da moeda única conseguirem manter uma inflação baixa e uma moeda economicamente sã, aquele prémio da taxa de juro poderá diminuir e acabar, a prazo, por desaparecer». Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 13 de Dezembro de 1996 |
«Após a adopção da moeda única não é de esperar uma descida substancial das taxas de juro activas em Portugal, atendendo aos factores que as explicam. José Martins Barata, professor no ISEG, 25 de Janeiro de 1997 — Expresso |
«DN — Mas fora da moeda única, as taxas de juro serão mais altas, devido a um aumento do prémio de risco para a economia portuguesa. JFA —Com o País no SME II serão, naturalmente, mais altas. Mas não é claro para mim que a entrada na moeda única resultará em grandes quebras nas taxas de juro para as empresas. Isto porque o grau de risco da economia também aumentará e, nos sectores pressionados, os bancos praticarão taxas de juro mais altas. Ou seja, os sectores que conseguirem absorver choques terão, certamente, taxas mais baixas. Mas, em termos médios, as taxas não descerão muito. Como conclusão, digo que a diferença não será tão grande que compense todos os outros efeitos negativos, como a concorrência de outros países exteriores à UE e até mesmo dentro da União, se países como a Espanha não entrarem.» João Ferreira do Amaral, Professor Catedrático do ISEG — Diário de Notícias/Negócios — 27 de Maio de 1996 |
«(...) Dito de outro modo: as nossas taxas de juro têm de descer ainda mais. Só que, tanto quanto julgo saber, a generalidade dos bancos não aguenta novas descidas, por força dos seus encargos de estrutura. O problema desliza para outro plano: a descida das taxas de juro terá de ser acompanhada de um controlo muito apertado dos custos? Percebem o eufemismo? Maldita economia que sempre desemboca no despedimento de pessoas!» Daniel Amaral — Visão — 23 de Janeiro de 1997 |
«Em segundo lugar, a moeda única pode contribuir para que as nossas PME, não tanto pela sua dimensão, mas sobretudo pelo factor risco que lhes está associado, possam ver agravadas a sua posição nas condições de acesso ao crédito, relativamente às empresas Europeias de maior dimensão, visibilidade e credibilidade.» Vitor Santos, Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica, Ministério das Finanças — Semanário — 15 de Março de 1997 |
a) Artigo no Expresso de 25 de Janeiro de 1997, de José Martins Barata, Professor Catedrático no ISEG, de quem se seguiu no texto a reflexão e dados sobre a situação das taxas de juro em Portugal.
b) Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de 13 de Dezembro de 1996
5. A moeda única vai permitir que os portugueses tenham salários e pensões
iguais aos de outros países Europeus?
É certamente a maior ilusão que se pode criar na cabeça dos portugueses, mas que é animada pela perspectiva de entrarmos no «paraíso económico» (mesmo que depois da passagem pelo purgatório) com a adesão à moeda única, segundo os seus advogados. Paraíso que só o trabalho dos portugueses e uma adequada política económica permitirão atingir. É uma ilusão do tamanho da que foi vendida aquando da adesão de Portugal à CEE, em 1986!
De facto, os salários e as pensões dos portugueses, mesmo se expressos em Euros, continuarão a valer 1/2, 1/3, 1/5 do valor dos salários e pensões dos espanhóis, dos alemães, dos franceses, etc. (Supondo 1 Euro = 200 escudos, se hoje ganho 100 mil escudos passarei, com a moeda única, a ganhar exactamente o mesmo, só que agora expressos em Euros, 100000 : 200 = 500 Euros).
Mas como haverá que forçar a competitividade das empresas portuguesas e suscitar um estreito controlo das despesas orçamentais, no quadro da perda de comando dos instrumentos económicos (taxa de câmbio, taxa de juro, etc.) a tendência será para comprimir os custos salariais, cortar nas despesas sociais (segurança social, saúde, educação) e reduzir os postos de trabalho. Isto é: os salários e pensões dos portugueses não vão aproximar-se dos valores pagos nos outros países da União Europeia.
É muito difícil prever o que vai acontecer à generalidade dos preços dos produtos e serviços em que os portugueses consomem os seus rendimentos (salários, pensões, resultados de uma exploração agrícola, de uma pequena empresa familiar, ou dos juros das suas poupanças).
É pouco credível que a diminuição dos custos dos produtos importados, resultante do fim das transacções cambiais, vá traduzir-se em redução generalizada de preços no consumo, como pretende o Argumentário Euro. Muitos exemplos são conhecidos (redução do IVA, redução de preços no produtor agrícola, etc.) em que a diminuição dos custos de produção ou comercialização de bens e serviços não tem qualquer impacto sobre os preços ao consumidor! Esses diferenciais de custos são, em geral, absorvidos pelas estruturas comerciais.
Mas haverá produtos, e em particular os alimentares, cujo preço poderá baixar por motivo de uma maior invasão do mercado nacional por produção comunitária importada.
É evidente que isso, a acontecer, significará a aceleração da destruição do tecido agrícola e industrial do País, como já hoje sucede. Haverá produtos cujo preço, uma vez liquidada a concorrência interna, começará a subir para os níveis mais elevados praticados nos outros países comunitários. Haverá bens e serviços (os chamados não transaccionáveis), cujos preços, porque em grande medida determinados pelo valor da mão-de-obra portuguesa, poder-se-ão manter por períodos mais ou menos longos, ao nível actual. Muitos preços poderão ser altamente influenciados pelo valor da taxa de câmbio do escudo quando se der a ancoragem definitiva da moeda nacional ao Euro. Mas não será de estranhar que, apesar de movimentos complexos e contraditórios, se assista a uma subida geral de preços, à semelhança do que aconteceu na ex-RDA. Um facto que certamente vai empurrar os preços serão os arredondamentos para mais que deverão ser feitos, decorrentes da menor moeda, submúltiplo do Euro, ser igual a cerca de dois escudos (considerando que o Euro terá um valor equivalente e aproximado ao do Ecu hoje). (Por exemplo, o produto que na altura da transição para a moeda única custar 10$50, irá ser arredondado para 12$00, o valor por excesso mais próximo susceptível de ser expresso em Euros: 6 cêntimos do Euro!, pois é pouco credível que os agentes económicos façam o arredondamento por defeito: 10$00, igual a 5 cêntimos do Euro!
Tendo o nível de consumo mais baixo da Europa e em retrocesso desde 1993, segundo um estudo do Eurostat (resultado do aperto na massa salarial e nos níveis de consumo privado determinados pelo cumprimento dos critérios de convergência e pela recessão económica que os acompanha) e um padrão de consumo afunilado na aquisição dos bens alimentares e tabaco (onde se gasta cerca de 30% do rendimento) é de complexa previsão o futuro poder de compra dos portugueses.
Uma coisa é certa: não haverá convergência com o poder de compra dos restantes cidadãos da comunidade.
«Dentro de cinco anos, Portugal será um País completamente diferente e melhor para todos», (...) tudo o que é obsoleto na nossa indústria e agricultura terá de desaparecer, para dar lugar ao que é novo e dinâmico». Mário Soares nos jornais portugueses de 30 de Março de 1985! |
«Os sacrifícios que há a fazer, aqui e ali, em matéria de salário nominal, como única forma de assegurar a manutenção de empresas antes viabilizadas pela desvalorização cambial. Daniel Bessa, ex-ministro da Economia — Público — 10 de Outubro de 1996 |
«Por muito que a política industrial portuguesa estimule a criação de vantagens comparativas dinâmicas (é esse o bom sentido da política industrial) as diferenças de salários continuarão ainda por muitos anos a constituir a base das vantagens comparativas de largos sectores de actividade, desde o vestuário e calçado até ao turismo, passando pela indústria automóvel.» Maria José Constâncio, economista — Anuário da Economia Portuguesa — 1996 |
6. As empresas e os consumidores vão beneficiar com a moeda única?
Não é por acaso que o Argumentário propagandístico da moeda única fabricado por Bruxelas dirige as suas mensagens aos consumidores, às empresas e aos agricultores.
Mas quando falam dos agricultores «esquecem-se» das diferentes «agriculturas» existentes na Comunidade. «Esquecem-se» que, por exemplo, Portugal importa 2/3 das suas necessidades alimentares agrícolas. Isto é, se o Euro pode facilitar as exportações agrícolas dos holandeses e franceses, isso significará novas dificuldades para os agricultores portugueses, sem qualquer capacidade de competir no mercado agrícola comunitário, excepto num número muito reduzido de produtos agro-pecuários.
Acenam novamente às empresas e empresários com grandes facilidades e vantagens na exportação. Devem alguns mais esquecidos recordar quem, em vésperas de adesão à CEE, lhes falava das «novas oportunidades de um mercado de 300 milhões de habitantes» e, passados uns anos, lhes está a propor como estratégia exportadora as «franjas» do mercado comunitário! Mas a ilusão mais grave que propagandeiam (não por ignorância) é confundir o universo das empresas com as empresas exportadoras. Como se a partir da moeda única todas as empresas portuguesas passassem a produzir para o mercado comunitário.
Uma coisa que o Argumentário não diz é quem vai pagar os custos da transição monetária. A mudança de moeda trará custos significativos, sobretudo para o sistema financeiro (banca) e para todas as empresas e, entre estas, para empresas de comércio e serviços de retalho: duas contabilidades, novo software, dupla afixação de preços, etc.. Suspeita-se que sejam as pequenas e médias empresas e os consumidores a pagar o grosso da factura: um recente parecer do CES defende que seja «o mercado» a decidir quem vai pagar...
Aos consumidores, acenam-lhes com uma baixa de preços: «Com o Euro as suas compras tornar-se-ão menos caras», pois «muitos produtos que você consome quotidianamente franqueiam fronteiras nacionais antes que os possa comprar no seu país», e a conversão (câmbio) de moedas tem um custo que deixa de haver com a moeda única. Como referimos anteriormente, é pouco credível que a diminuição dos custos dos produtos importados, resultante do fim das transacções cambiais, vá traduzir-se em redução de preços no consumo.
Outro factor, segundo o Argumentário, a impulsionar a baixa de preços é a concorrência acrescida facilitada pelo Euro que «permitirá verdadeiramente comparar os preços à escala do continente».
O «pequeno problema» que o Argumentário Euro «esquece» é que a generalidade dos cidadãos, para acederem à categoria de «consumidores», precisam de começar por ter um trabalho, precisam de ter a garantia de que esse trabalho tem continuidade (e não é uma mera ocupação temporária, precária), e ainda que a esse trabalho corresponde um salário suficiente, que ultrapasse o nível mínimo da simples sobrevivência. Ora, a moeda única garante tudo menos isso. Ou antes, a moeda única para os portugueses é a perspectiva de menos postos de trabalho, mais trabalho precário e a continuação de salários baixos. Isto é, com o Euro os portugueses «consumidores» terão uma ainda maior quantidade de produtos importados, restando saber se os portugueses «trabalhadores» terão rendimentos para continuarem «consumidores», e assim «beneficiar da diversidade de produtos dos nossos vizinhos»! (do Argumentário)
Não é por acaso que o Argumentário não apresenta nenhuma mensagem específica dirigida aos trabalhadores, a todos os que têm como principal fonte de rendimento um salário ou uma pensão, porque sabe que nesta matéria o que tem a dizer não é agradável, e que no melhor dos casos se traduz por «contenção»! São exemplos as seguintes pérolas: «se a evolução dos salários se mantém compatível com o objectivo da inflação e a preservação da rentabilidade do investimento»; «a continuação de uma política salarial adequada (sublinhado do Argumentário) pelos parceiros sociais, que respeite o objectivo da estabilidade dos preços (...), não trave o investimento, (...)»!
O que significa que vai acentuar-se a prevalência dos lucros sobre os salários, os interesses do capital sobre os do trabalho.
«Euro, a quanto obrigas (...) As previsões da FBE, que consultou cerca de cem bancos Europeus, indicam que a adopção do Euro obrigará o sistema financeiro comunitário a despender um montante mínimo de 1,5 a 2 mil milhões de contos. As alterações tecnológicas absorverão 54% deste total, enquanto o marketing, a comunicação e as relações públicas serão responsáveis por cerca de 15% dos custos calculados. A formação profissional absorverá 10% daquele montante.» João Paulo Vieira, Revista — Visão — 31 de Outubro de 1996 |
«Os prémios dos seguros poderão vir a aumentar nos próximos anos, para suportar os elevados custos das companhias, resultantes da adopção da moeda única, afirmou o presidente da Associação Portuguesa de Seguros (APS). Ruy de Carvalho adiantou que estes custos "poderão ser muito elevados" e vão surgir "desde já", enquanto os benefícios decorrentes da circulação do Euro só se vão sentir a médio prazo. "Alguém vai ter de suportar este investimento e, o mais provável, é virem a ser repartidos pelos clientes — com um aumento do preço das apólices — pelos accionistas — através de aumentos de capital — e pelas próprias seguradoras, se estas tiverem recursos para isso", adianta.» Ruy de Carvalho, presidente da Associação Portuguesa de Seguros — Correio da Manhã — 23 de Janeiro de 1997 |
«(...) Quem paga a factura? O Euro terá o seu custo, que todos (consumidores e empresas) iremos suportar. Só que alguns (leia-se as empresas) também irão ganhar mais com a moeda única. Como é usual nestas coisas, as empresas vão queixar-se dos custos e "esquecer" as vantagens da introdução do Euro. Na esperança de que a factura seja remetida ao consumidor.» Dinheiro & Direitos — Março de 1997 |
(...) As vantagens da redução de custos nas transacções poderão significar no máximo dois pontos percentuais sobre o valor de venda das mercadorias e serviços, sendo, pois, muito mais reduzidas que as provocadas pelo desarmamento aduaneiro que teve lugar durante o período transitório da adesão de Portugal à CEE. (...) (...) (...) (...) (...) Maria José Constâncio, economista — Anuário da Economia Portuguesa — 1996 |
«Penso que no caso das seguradoras não vamos atingir o nível de custo previsto para os bancos, porque julgo que os ajustamentos são menos sofisticados. No caso da Império estamos a contar gastar três ou quatro milhões de contos.» Jaime de Almeida, Presidente da Comissão Executiva da Companhia de Seguros Império — Semanário — 8 de Março de 1997 |
«Os representantes do sector bancário Europeu — franceses, alemães e associações de caixas de crédito Europeias — querem que os consumidores paguem uma parte dos custos inerentes à preparação da moeda única. Segundo Claude Beaurin, da Associação Francesa de Bancos, "o consumidor deverá pagar uma fatia dos custos", no que foi secundado por Wilhelm Kiehoff, da Federação dos Bancos Alemães e por Hans Pfistgerer, do Grupo das Caixas de Créditos Europeias.» Claude Beaurin, da Associação Francesa de Bancos; Wilhelm Kiehoff, da Federação dos Bancos Alemães; e Hans Pfistgerer, do Grupo das Caixas de Créditos Europeias — Diário Económico — 3 de Março de 1997 |
«(...) Os custos da passagem à moeda única devem ser suportados e repartidos segundo as regras do mercado, sem intervenções que não sejam realmente necessárias.» Parecer sobre o «Livro verde sobre as modalidades de passagem à moeda única», do Comité Económico e Social |
«O comércio não fica alheio às despesas impostas pela mudança. Segundo Tamames, calcula-se que os ajustamentos poderão chegar a 21 mil milhões de Euros no período 1999-2001. Resta saber quem paga, uma vez que as margens, já de si estreitas, não podem ser ainda mais esmagadas nem é previsível um aumento dos preços, que iria ter efeitos inflacionistas. Diz Tamames que o Estado — logo os contribuintes — irão pagar a factura.» Ramón Tamames, catedrático espanhol Trabalho sobre «União Monetária Europeia: Euro, sector financeiro e desenvolvimento económico», — Expresso — 28 de Março de 1997 |
«A moeda única tem custos antecipados e certos, outros ocultos que vão cair sobre as pequenas e médias empresas (PME) e benefícios diferidos e voláteis.» Godinho de Almeida, (quadro da terceira maior produtora mundial de máquinas domésticas de café expresso, a empresa nacional Briel), 17 de Maio de 1996 — Público |
7. A moeda única vai limitar/acabar com a especulação monetária e financeira?
Vai permitir uma moeda estável, o EURO?
É pouco credível que tal aconteça. Comparando com o marco, a base económica da nova moeda (Euro) é mais frágil, dado assentar num conjunto de economias com diversidades e assimetrias acentuadas. Economias como as dos países do Sul (Itália, Espanha e Portugal) que, sendo bastante diferenciadas, apresentam debilidades conhecidas, e cuja sustentabilidade dos critérios de convergência levanta fundadas dúvidas. Por outro lado, o facto de um conjunto de países da actual Comunidade Europeia não substituírem a moeda nacional pelo Euro, vai intensificar os jogos especulativos entre as moedas desses países e o Euro, à medida que se aproximar a data da entrada em curso da moeda única. Situação que tenderá a prolongar-se mesmo depois dessa data. As próprias moedas de países de economias mais frágeis (caso de Portugal) e que pretendem integrar desde o início o primeiro grupo dos países, vão ser sujeitas a grandes pressões dos mercados financeiros durante os períodos anteriores e posteriores à criação da moeda única.
Era paradoxal que os patrões dos mercados financeiros (os chamados investidores institucionais, os grupos dos fundos de pensões e de investimento, Soros e cia.) que comandam a filosofia neoliberal e monetarista que preside à «construção» Europeia de Maastricht, da UEM e da moeda única, que garantiram a «independência» dos bancos centrais e do Banco Central Europeu, arranjassem uma moeda única para matar uma das suas galinhas de ovos de ouro: a instabilidade monetária! Instabilidade, em nome da qual se vai continuar a puxar parar cima as taxas de juro para maior glória de um Euro forte e estável, para maiores benefícios dos mercados financeiros.
Um dos objectivos confessados da moeda única, é estimular as praças financeiras, o mercado financeiro, ou seja, a especulação na Europa: com a rivalidade entre a City londrina, as praças de Frankfurt e outras alemãs, Paris, e também para levar a guerra às praças de Tóquio ou de Nova Iorque.
As medidas para travar/limitar a instabilidade monetária, e o seu corolário lógico, a especulação, são conhecidas e não passam pela moeda única: Exigem como questão nuclear o controlo da circulação dos capitais financeiros! Várias soluções são apontadas por estudiosos desta questão:
— Impor uma carga fiscal à especulação e aos movimentos cambiais: o economista americano, prémio Nobel James Tobin, propõe uma taxa fiscal de 0,5% sobre todos os movimentos de câmbio (1,25 biliões de dólares por dia); outros economistas avançam com a proposta de um mecanismo de depósitos prévios, não remunerados, em moeda nacional junto do Banco Central, que seria imposto em todas as compras de divisas feitas em situação de crise por toda a instituição financeira residente, quer por sua conta quer por conta da sua clientela;
— desenvolver uma intervenção política e económica que ponha fim aos chamados «paraísos fiscais»;
— controlar os «preços de transferência» e os fluxos financeiros entre as empresas localizadas em diversos países, dos grupos multinacionais;
— promover uma cooperação monetária entre os diversos países Europeus partindo do Ecu como uma moeda comum e o recurso aos fundos estruturais que devem ser reforçados, a fim de salvaguardar o emprego, a coesão económica e social, e defender os sistemas produtivos dos diversos países e a convergência real das economias.
«(...) nada pode garantir que as pressões sobre as divisas candidatas, durante o período transitório, não se tornam insuportáveis nem, aliás, que um Euro acabado de nascer não será, ele também, submetido ao mesmo tipo de tratamento (...)». «(...) a estabilidade do Euro face ao dólar e ao iene supõe em primeiro lugar que estas duas divisas permanecem estáveis uma em relação à outra. Ora, isto raramente aconteceu no decurso dos últimos anos. E assim, na medida em que o dólar e o iene continuam a flutuar um em relação ao outro, o Euro flutuará forçosamente em relação a um e a outro». Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Os governos como o da Alemanha e o da França que prometem o advento do paraíso na terra graças ao Euro, estão a mentir a si próprios ou mentem aos seus eleitores. Com o Euro, a crise virá, mais precisamente, ela agravar-se-á. Os grandes tubarões devorarão os pequenos peixes. Mas, sobretudo: os milhares que foram investidos nas velhas moedas sólidas não se deixarão trocar sem reagir a um Euro ainda noviço — e com cursos totalmente desconhecidos. Eles mudarão antes de país e de moeda — e esperarão para ver entretanto o que se passa. Somente, ela significa que o Euro será introduzido e cunhado a taxas de juro muito mais elevadas que as taxas actuais. Teremos a escalada das taxas e tempestades monetárias graves, exactamente aquilo que queríamos evitar com a criação do Euro — sem falar dos efeitos reais que provocarão estes choques monetários e bolsistas sobre a conjuntura, o emprego e as finanças públicas.» Wilhelm Hankel, professor de Economia Política na Universidade de Frankfurt, Géopolitique, n.o 53 |
8. Portugal não tem alternativa à moeda única?
Os adeptos da moeda única não têm dúvidas: ou a moeda única, um «desígnio nacional» ou o desastre!
E há os que são mesmo mais dramáticos: ou a moeda única ou a guerra! (Ernâni Lopes). Os mais «realistas», afirmando também que não há alternativas, consentem, no entanto, que haverá «sacrifícios» a fazer.
Sucessivos governos do PS e PSD (com ou sem o apoio do CDS), colocaram sempre as sucessivas fases do processo de integração comunitária como questões inelutáveis e inevitáveis, sem alternativa nem saída que não fosse aquela que perfilham. Um posicionamento do tipo: ou crês ou morres! Foi com a adesão à CEE, com a construção do mercado único e as suas consequências sobre o período de transição, com a reforma da PAC, com o Tratado de Maastricht, é agora com a moeda única e amanhã será com o alargamento e o federalismo. Tem que ser, é a palavra de ordem. Uma alternativa sempre coincidente com os interesses e as posições do grande capital nacional e das transnacionais!
É evidente que face ao processo da UEM e da moeda única estabelecidas por Maastricht (e a outras políticas comunitárias comuns), a margem de manobra de um país como Portugal é sempre muito pequena. Processos e políticas que, aliás, sempre poderão avançar quer o país o deseje ou não: temos uma capacidade muito limitada de influenciar e menos ainda de determinar o rumo dos acontecimentos. E não há dúvida que, dentro ou fora da moeda única, no primeiro pelotão, no segundo pelotão (SME II) ou no carro vassoura, as consequências para Portugal serão sempre muito más. (Mas essas são as inevitáveis consequências das decisões políticas de quem apoia e apoiou o percurso e as sucessivas mudanças de velocidade que o país vem percorrendo desde a adesão, em 1986. Não tem o PCP a responsabilidade). Mas umas são piores que outras!
Hoje, com os elementos, limitações e imposições conhecidos (a estrutura económica do país, as suas relações económicas externas, os critérios de convergência e o pacto de estabilidade, etc.) a resposta só pode ser uma: Portugal não deve integrar a moeda única e a UEM! E lutar politicamente nos órgãos comunitários por outra construção da Europa. Uma Europa de países soberanos cooperando entre si pelo emprego e bem estar dos povos, pelo seu mútuo desenvolvimento, afastando a lógica da rentabilidade financeira e da dominação do capital transnacional, e dos seus instrumentos neoliberais, como a moeda única, a liberalização, desregulamentação e privatização total das economias nacionais. Uma construção Europeia que tenha por objectivo central a concretização do princípio da coesão económica e social e a convergência real das economias. Uma construção Europeia diferente da estabelecida em Maastricht, que possa explorar, entre outras, a hipótese de uma moeda comum que, sem anular o papel das moedas nacionais, seja um instrumento para a cooperação e a convergência económica e social entre todos os países. Uma moeda comum que desenvolva algumas das potencialidades do Ecu (além de unidade de conta, possa servir, por exemplo, de meio de crédito e de regulação), mas sem o peso dominante que hoje tem, no cabaz de moedas que lhe serve de base, o marco e as outras moedas da zona do marco.
Fora do núcleo duro dos países que integrarem o chamado «primeiro pelotão», as dificuldades serão muitas. Mas, face às consequências para um país com as fragilidades estruturais económicas e sociais de Portugal, integrar uma zona económica de moeda única com economias muito mais poderosas, a solução é ficar de fora e usar os seus atributos de Estado soberano para defender e promover o seu desenvolvimento económico.
A livre disposição da moeda nacional é, para o país, uma condição imperativa e indispensável para se proteger e cooperar. Ela dá-lhe certa margem de manobra (ainda que limitada) enquanto a moeda única o entrega de mãos e pés amarrados nos braços dos mercados financeiros. Por exemplo, para reduzir os seus défices externos, um país pode tentar relançar as suas exportações e reduzir as suas importações, pela gestão cuidadosa das suas taxas de câmbio. Isto não será mais possível com o Euro. Com uma moeda nacional, podem facilitar-se os créditos ou taxar os rendimentos financeiros e a especulação. Isto será interdito com o Euro. Seria desnecessário dizer que esta opção política nada terá a ver com uma qualquer autarcia económica (manifestamente uma impossibilidade nos dias que correm) ou com uma desregrada e desequilibrada gestão das contas públicas e do Orçamento do Estado, se não fosse essa a identificação que os adeptos da moeda única farão, com a alternativa daqueles que a ela se oponham. Oposição que pode, aliás, ter diversas razões: uma avaliação negativa dos prazos e ritmos do processo da UEM, a ausência de um suficiente orçamento comunitário, ou razões que se prendem com o conteúdo político e económico do processo da união monetária.
É uma evidência que continuarão fora da moeda única países que agora integram a União Europeia (Grécia, Dinamarca, Reino Unido), e outros países da Europa (Suíça, Noruega, etc.). E isto acontecerá quer perante um primeiro núcleo de países que venham a criá-la, quer perante um eventual e posterior alargamento do núcleo inicial do Euro a outros países.
A tese divulgada por António Guterres e outros de que a presença de Portugal no primeiro pelotão dos países que vão criar o Euro é de grande importância, porque passaríamos (contra o que sucederia hoje em que com boa ou má vontade se tem de alinhar com o marco), a ter capacidade política de intervir sobre a gestão do Euro e das políticas económicas associadas é pura demagogia e argumentação balofa. Hoje não influenciamos nada ou quase nada (é ver o número de decisões comunitárias tomadas contra os interesses portugueses) e amanhã nesse primeiro pelotão nada influenciaríamos.
Não é por acaso que a Alemanha condiciona a sua participação a uma gestão do Euro por um BCE «independente» dos poderes políticos e vem sendo desenvolvida toda a «filosofia» dos bancos centrais «independentes» dos governos (mas, naturalmente, dependentes dos mercados financeiros). O que deve ser articulado com as propostas para a revisão do Tratado de Maastricht na CIG, em que se pretende o reforço do peso em votos dos grandes países no Conselho de Ministros e a generalização das decisões por maioria qualificada, pondo fim à obrigação da unanimidade que ainda vigora em determinadas matérias.
É fácil perceber esta política de classe. Para os banqueiros e grandes capitalistas as vantagens decorrentes da maior e mais fácil mobilidade dos capitais, do acesso a capitais a bom preço e de um mais amplo espaço para a especulação bolsista e financeira é a possibilidade de bons negócios e maiores lucros. Por outro lado, as desvantagens do desemprego, de pior segurança social, de baixos salários e pensões, de manutenção de longas jornadas de trabalho, não lhe dizem nada. É lógico que quando põem na balança as vantagens e desvantagens, o fiel se incline decididamente para o lado das suas vantagens. É lógica e natural a sua opção pela moeda única.
Para os trabalhadores e a grande maioria do povo português a situação é matematicamente a simétrica.
«Não estamos em condições de competir numa zona de moeda forte. A nossa estrutura produtiva não aguenta uma moeda forte». «Não digo que a estratégia (do caminho para a moeda única) seja suicida. Mas é muito perigosa. Pode agravar a situação de perifericidade do país. Não é por adiarmos, em cinco ou dez anos, a adesão à moeda única que nos vamos tornar mais periféricos. Tornamo-nos mais periféricos se não tivermos uma estrutura produtiva que possa competir dentro do espaço Europeu. Não foi pelo facto de ter a mesma moeda de Lisboa que o nordeste transmontano se tornou menos periférico». João Ferreira do Amaral, Professor do ISEG e militante do PS — Público, Economia — 11 de Dezembro de 1995 |
«Portugal não se pode isolar da Europa. O que temos é de reconhecer que nem o nosso aparelho produtivo nem a nossa mão-de-obra estão à altura de poder competir num mercado totalmente liberalizado, pelo que se terão de pensar formas de proteger esse aparelho produtivo até que a nossa produtividade tenha atingido os níveis médios Europeus.» Nuno Cardoso da Silva, Professor auxiliar da ULHT — Expresso — 21 de Dezembro de 1996 |
«(...) mesmo se um País pode actualmente escolher seguir o Bundesbank, resta-lhe ainda a possibilidade de decidir em definitivo e com toda a soberania, não o fazer, como o fizeram a Suécia, a Finlândia, a França e outros, no decurso dos últimos anos, quando as taxas de juro estiveram submetidas a uma muito forte pressão. Na UEM, uma tal possibilidade será excluída». Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Pensar que um país sozinho como Portugal, será capaz de influenciar o conselho executivo do BCE com argumentos políticos e desculpas para não viver de acordo com os rígidos critérios monetários impostos pelo Tratado de Maastricht é uma ilusão. O controlo político está fora de questão, como foi tornado absolutamente claro pelo antigo presidente do Bundesbank, Karl Otto Pöhl, num artigo recente no Frankfurter Allgemeine Zeitung». Patrick Blum, ex-correspondente do «Financial Times» — Público — 24 de Janeiro de 1997 |
«(...) Esta história da Moeda Única não vai correr bem. Ou porque, uma vez entrados, a penúria continua ou até se acentua, ou mesmo porque nem chegamos a entrar na data pretendida. Esta última hipótese, dado o nível de expectativas, algo primárias, que foi sendo criado no cavaquismo e que Guterres, após breve hesitação inicial, ainda mais acentuou (de forma que me parece politicamente imprudente), pode conduzir a uma situação de grande desânimo e desorientação, com reacções de pânico a nível dos aforradores, dos mercados e dos cidadãos em geral. Criou-se, com a superficialidade que nos caracteriza, uma tal ideia de que só vale a pena viver se estivermos no "primeiro pelotão", que qualquer alternativa vai parecer o abismo. Leonardo Ferraz de Carvalho — Independente (sem data) |
«A moeda única é uma revolução e em todas as revoluções se aproveita para proceder a uma redistribuição da riqueza: as economias mais fortes ficarão mais fortes e as mais pobres, mais pobres. E nós sabemos em Portugal que as assimetrias são gritantes. Os monopólios aproveitarão para aumentar os seus preços e a banca repercutirá os seus custos no cliente.» Godinho de Almeida (quadro da terceira maior produtora mundial de máquinas domésticas de café expresso, a empresa nacional Briel) — Público — 17 de Maio de 1996 |
«Esta pressa de construção Europeia, feita apenas por interesses económicos, custa a entender. A Europa é cada vez menos uma construção de povos e cada vez mais uma construção dum outro mundo de negócios.» J. Vicente Ferreira, Consultor e docente universitário — Expresso — 5 de Abril de 1997 |
«Mas não, o "Euro" não é o cimento da Europa moderna, mas a dinamite que a fará explodir. E é para tomar à letra, porque com a UEM a Europa será dividida em três como a velha Gália: os países que têm a Euro-moeda, os países com moedas diferentes, pois o fosso alargar-se-á entre eles e nós, e os "fora de jogo" da Europa de Leste que não entrarão pois os obstáculos monetários são demasiado elevados para eles. É por isto que Maastricht não será o derrota da Europa mas o fim de um projecto estúpido. E é por isto que aquele que está contra este projecto absurdo não é nem um anti-Europeu, nem um "nacionalismo do marco alemão". Quem quer verdadeiramente uma Europa integrada deve reflectir em relação a todas as outras coisas, que não o dinheiro, a economia e os mercados, que comunicam entre eles sem ajuda da política — como o demonstra a economia mundial.» Wilhelm Hankel, professor de Economia Política na Universidade de Frankfurt |
9. Porque defendem a moeda única os governos de direita e da social democracia,
a maioria do grande capital Europeu, do capital transnacional?
Não é certamente para facilitar a viagem de turismo do Sr. Silva e família a Paris e a Roma, ou facilitar a vida ao emigrante Sr. Santos, embora seja um facto que a moeda única elimina os custos (comissões) do câmbio de moedas. Mas diga-se, custos que têm tendência a reduzir-se graças ao desenvolvimento tecnológico.
A questão central é que as consequências da moeda única para o País poderão determinar que alguns dos poucos Srs. Silva que fazem turismo no estrangeiro deixem de viajar (desemprego/redução de salários), e que muitos dos Srs. Santos que transferem e cambiam os seus marcos, francos, do seu trabalho de emigrantes, o deixem de fazer (porque o farão?), a não ser que os bancos portugueses lhes ofereçam uma taxa de juro mais alta!!!
Mas o grande capital nacional e transnacional tem fundadas razões para apostar na moeda única. Vai facilitar a mobilidade dos capitais, e suas aplicações em títulos, acções, fundos de investimento e pensões, etc., sem qualquer risco de esses valores serem depreciados (desvalorizados) por uma qualquer alteração repentina dos câmbios, decorrente de uma tempestade monetária ou instabilidade política!
A moeda única vai abrir novas portas à concentração e centralização de capital por via dos negócios, oleados pelo Euro, de compra, fusão, troca de participações, etc., de empresas; a uma nova divisão e organização do trabalho (subcontratação de pequena se médias empresas, recurso a mão-de-obra barata, etc.), conforme os interesses dos pólos dominantes do capital multinacional, no quadro da mundialização económica; ao desenvolvimento de actividades especulativas e ao reforço do papel das principais praças financeiras da Europa, dando uma voz única e (que se quer) grossa à União Europeia na guerra económica com os EUA e o Japão. (Guerra que devasta o Terceiro Mundo, promove o desemprego, a liquidação de direitos sociais e a pobreza na Europa, nos EUA, etc.,...).
Por outro lado, as forças e sectores políticos que (temporária ou tacticamente) recuaram nas suas intenções e projecto federalista para a União Europeia (que pretendiam consolidar na CIG/revisão do Tratado de Maastricht) ao darem conta da crescente oposição dos cidadãos e dos povos Europeus, descobriram que podem realizar o mesmo objectivo por outros caminhos. A moeda única e a UEM (que a CIG não vai discutir) vão permitir de forma sub-reptícia dar passos seguros na direcção do federalismo. A moeda única vai obrigar, mais cedo do que tarde, e para lá da federalização/comunitarização das políticas monetária, cambial, orçamental, que ela própria significa, à federalização de outras decisões políticas até hoje pertença da soberania dos Estados nacionais.
E é certo e seguro que, socialistas, sociais democratas e outros federalistas mais ou menos encapotados, perante as consequências económicas e sociais da moeda única, vão aparecer a clamar: o mal não é da moeda única! É dos atrasos na organização institucional e política da União Europeia! A solução é o Estado Federal Europeu! Como quem diz que a solução não é procurar um caminho diferente do que conduz ao abismo, mas... dar um passo em frente!
«Em primeiro lugar, graças às inovações tecnológicas, pode-se esperar que os custos das operações de câmbio — hoje estimados entre 0,3% e 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia — continuem a baixar para não representar, segundo a Comissão Europeia, mais que 0,017% do PIB dos países mais avançados. Em segundo lugar, as economias feitas nos custos de transacção de moedas, só acontecerão nas operações entre países aderentes à UEM. Os câmbios com o resto do mundo continuarão a gerar custos de transacção. Ora, numerosos bens alimentares e matérias-primas, como o petróleo e metais, comercializam-se em dólares.» Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Que importância pode ter o Euro para os emigrantes e respectivas remessas? Já tem a de, na correria do governo para estar entre "os primeiros", se observar uma valorização mais ou menos artificial do escudo para se apresentar como uma moeda forte. Se ontem o franco francês valia 30$00 e amanhã valer só 27$00 porque o escudo se valorizou, o emigrante português em França, por cada 100 mil francos franceses das suas poupanças, tinha, ontem, em Portugal, 3 mil contos, e amanhã só terá 2 700 contos. Depois, ainda, se vier a concretizar-se a adopção do Euro, o governo português ficará impossibilitado de proceder a ajustamentos do valor do escudo no sentido da desvalorização, o que só poderia beneficiar os emigrantes que enviam remessas. Assim, deixará de ser possível que, através de uma desvalorização do escudo de 10% — exemplo numérico —, o franco passe a valer 33$00, de onde resultaria que, por cada 100 mil francos, o emigrante poderia ter, em Portugal 3 300 contos.» Sérgio Ribeiro, deputado do Parlamento Europeu — Não à Moeda única — Um contributo |
«A transparência acrescida das condições de concorrência deverá também facilitar (...) as fusões, aquisições e alianças ao nível da União e, mais geralmente, as estratégias de desenvolvimento das empresas.» Argumentário Euro |
«A introdução de uma moeda única gerida por um banco central Europeu é um projecto essencialmente político que conduzirá rapidamente a políticas económicas comuns e a concretizar uma Europa federal.» Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Os Relatores consideram que a concretização do Pacto de Estabilidade, tal como é proposto pela Comissão, confirma claramente, por sua vez, a evolução para o federalismo no caso de se realizar a UEM e, por outro lado, o importante papel que se apresta a desenvolver neste processo uma Comissão Europeia não democrática (...). Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Instituir a moeda única desagua, com implacável lógica, num processo federativo imparável. Desagua nos Estados Unidos da Europa. EUE em três línguas latinas. USE na inglesa, EVS na alemã, SUE na italiana.» Rogério Martins, 5 de Novembro de 1995 — Público Magazine |
«A chegada do Euro provocará uma revolução no mundo financeiro com repercussões fortes ao nível das bolsas, onde tudo vai mudar. Alves Monteiro, presidente da Bolsa de Derivados do Porto, pode deitar contas à vida e arranjar soluções para viabilizar a instituição que a revista britânica The Economist apelidou de excêntrica. Tudo porque a sua criação veio "contra a maré", pois a tendência das principais praças Europeias aponta para a fusão destas bolsas com as de acções e para a centralização dos negócios em mercados de maior dimensão, entre elas as inglesas, francesas e alemãs. Esta centralização estender-se-á à Banca de investimentos, motivo pelo qual Paulo Pinho prevê um futuro pouco risonho para todos os bancos de investimento portugueses que não estejam integrados em grupos financeiros. A centralização do mercado de capitais tornar-se-á inevitável com a queda daquela que é a última barreira ao investimento transnacional — o risco cambial.» João Paulo Vieira — revista Visão — 31 de Outubro de 1996 |
«A médio prazo, tendo em vista as alterações introduzidas pela UEM na envolvente competitiva, é provável que voltem a justificar-se operações de concentração, que se deverão consubstanciar em alianças e fusões, em vez de aquisições.» Jardim Gonçalves, presidente do Grupo BCP — Semanário — 1 de Março de 1997 |
«O Euro, enquanto instrumento decisivo da União Económica e Monetária, é um facto essencialmente político. Na realidade, como disse o antigo ministro das Finanças de Espanha, Pedro Solhes, "a criação da moeda única é um passo fundamental no projecto federal Europeu". Ele sabia do que falava. O Euro não é apenas o culminar da integração dos mercados, é também um pilar do novo edifício federal.» Luís Marques — Expresso — 28 de Março de 1997 |
«Investimento atractivo e oportunidades financeiras serão oferecidas por um mais extenso mercado financeiro, sem riscos cambiais. Os investidores podem tirar proveito de um amplo crescimento da carteira.» (de acções) «O Banco Central Europeu lutará por uma política monetária, que terá pelo menos uma orientação para a estabilidade idêntica à política monetária do Bundesbank. Com uma única taxa de câmbio a União Europeia terá uma voz mais forte nas negociações internacionais.» Associação para a União Monetária Europeia, (ver página 39) |
«"A adopção da moeda única permitirá aos fundos portugueses investir em empresas estrangeiras, mais seguras, cotadas nas grandes bolsas da União."» João Paulo Vieira — revista Visão — 31 de Outubro de 1996 |
10. Qual foi o resultado de outras «uniões monetárias»?
O caso exemplar e bem recente foi a «união monetária» das duas Alemanhas, República Federal da Alemanha e República Democrática da Alemanha. Como é sabido, a «união monetária» (que melhor se diria «moedofagia ou anexação monetária»), foi concretizada da noite para o dia, com o estabelecimento da paridade (taxa de câmbio): um marco da República Democrática igual a um marco da República Federal (com a substituição de um marco «democrático» por um marco «federal»).
O resultado é conhecido: o choque das diferenças de produtividades, a que se juntou o processo de privatizações, provocou a falência de milhares de empresas.
Rapidamente se esfumou a euforia daqueles alemães que julgaram ter feito o negócio da sua vida quando trocaram a moeda fraca que tinham pela moeda forte do vizinho, as suas poupanças em marcos da RDA por marcos da RFA! (Embora tivesse havido certamente especuladores (e não só) ocidentais e orientais, que ganharam rios de dinheiro com o negócio). O desemprego brutal e a manutenção dos salários ao nível anterior, embora agora expressos em moeda forte (marcos da RFA), enquanto os preços (bens alimentares, rendas de casa, etc.) galgaram para o nível da República Federal, depressa acabaram com as ilusões.
Mas outros países realizaram «uniões monetárias» e em todos eles se verificou que a «moeda única» não resolveu as assimetrias existentes entre as regiões, e na grande maioria dos casos agravou as diferenças. É o caso da Itália onde, apesar da unificação, o Sul continuou pobre e a ter na migração (para o Norte desenvolvido ou para outros países) o grande remédio para o seu subdesenvolvimento.
No caso dos EUA, onde a unificação monetária durou cerca de trinta anos, e onde igualmente se verifica uma grande mobilidade da mão-de-obra.
Mas nestes casos (seja na Alemanha unificada, seja no Estado unitário italiano, seja no Estado federal dos EUA) há um elemento central que não se verifica no caso da União Monetária Europeia: há um significativo Orçamento do Estado (unitário ou federal) para compensar algumas da consequências negativas da unificação monetária, da existência de uma mesma moeda para um espaço (unificado economicamente pelo mercado) onde existem grandes diferenças de desenvolvimento entre as várias regiões que o integram. Por outro lado, nos casos referidos, a união monetária realizou-se em todos eles após a concretização da unificação política. Para lá de dispor de um mecanismo de transferência fiscal automático (penalizando as regiões ricas e beneficiando as pobres), o Orçamento dos EUA representa cerca de 35% do PIB total do país, enquanto o da Comunidade Europeia não representa senão cerca de 1,15% dos PIB agregados dos Estados membros. Na ex-RDA, apesar de consequências devastadoras, impossíveis de indemnizar ou compensar, houve um Orçamento do Estado para atenuar alguns custos sociais e económicos, pagar o subsídio de desemprego, após a concretização do marco único alemão. O que, aliás, como também é sabido, acabou por ser suportado por toda a Comunidade Europeia, pois obrigou à subida das taxas de juro na Alemanha, o que desencadeou um efeito em cascata, atingindo todos os outros Estados da União Europeia, incluindo Portugal!
Mas dirão alguns dos ferrenhos prosélitos da moeda única: Mas o Orçamento da Comunidade vai ter que crescer. Mas a harmonização fiscal vai ter que realizar-se. Mas o Estado Federal vai ter que avançar!
Ora a hipótese de um maior Orçamento Comunitário (para lá de podermos dizer que se tenta pôr o carro à frente dos bois, para ver se o carro também pega de empurrão) é desmentida pela franqueza de várias declarações de declarados protagonistas da moeda única.
Mas o problema é mais grave, pois o que se perspectiva é o corte na transferência de fundos para os países menos desenvolvidos da Europa, entre os quais se encontra Portugal. Na reunião do Comité Monetário que antecedeu a Cimeira de Dublin de Dezembro passado, surgiu uma proposta dos países do Norte para que no Pacto de Estabilidade ficasse estabelecida a saída automática dos benefícios do Fundo de Coesão dos países que cumpram os critérios de convergência e entrem na zona do Euro. A proposta não foi acolhida na versão final do Pacto mas, como diz alguém, «a bisca está lançada».
Por outro lado, em 1999 esgota-se o pacote financeiro dos Fundos de Coesão enquanto avança um conjunto de linhas convergentes para reduzir os Fundos Estruturais. Cortes de muitos milhões de contos no Orçamento Comunitário para 1997, e iguais perspectivas para 1998, como foi oportunamente denunciado pelo deputado do PCP, Joaquim Miranda. O estabelecimento no texto aprovado em Dublin, do emprego como uma das prioridades a financiar, coerente com a tese (da Comissária Wulf Mathies) que faz do «objectivo emprego» um dos critérios para a atribuição dos Fundos Comunitários. As aparentes boas intenções não disfarçam que tudo isto se traduzirá numa redivisão do bolo dos fundos, a favor dos países mais ricos (Alemanha, França, e até de Espanha) que apresentam elevadas taxas de desemprego.
E tudo isto deve ser articulado com os objectivos do alargamento a Leste, onde aparecem novos candidatos a fundos comunitários, e com a nenhuma disposição dos actuais contribuintes líquidos do Orçamento da Comunidade em alargar os cordões à bolsa. Não foi por acaso que em 1995, a Conferência dos Ministros das Finanças dos Länder alemães aprovou um Relatório sobre «As relações financeiras entre a República federal da Alemanha e a União Europeia», onde se defende a redução da contribuição alemã.
O exemplo do Sistema Monetário Europeu (SME)
Um exemplo simples, que permite visualizar o problema da moeda única é a reflexão sobre o nosso próprio País e o funcionamento da sua economia, na base da moeda única «escudo». Essa moeda única não tem evitado o alargamento das diferenças de desenvolvimento económico entre as várias regiões do País (Trás-os-Montes e Lisboa, por exemplo), das chamadas assimetrias regionais. O que acontece, apesar do efeito compensador, ainda que insuficiente, das transferências do Orçamento do Estado! Pelo contrário, na lógica do funcionamento do sistema capitalista, a «moeda única», através do sistema bancário nacional, catapulta os saldos financeiros criados nas regiões «atrasadas» para os depositar (e investir) nas regiões com mais dinamismo económico (ver quadro) |
Crédito bancário a empresas não financeiras e particulares
Depósitos a prazo em bancos
Ano de 1996
unidade: milhões de contos
Distritos
a prazo
Depósitos
poupanças
emigrantes
Depósitos
bancários
Depósitos/
Empréstimos
Empréstimos
/Depósito
Ratio
«A reintegração monetária da Alemanha de Este na Alemanha Ocidental tem sido um laboratório interessante, construído sobre a realidade vivida. Ela arrastou a falência da economia este alemã — mais de 3 milhões de empregos na indústria e na agricultura foram aniquilados. Porquê? Porque uma união monetária nivela os preços mas não os custos. Como se produzia na ex-RDA três vezes mais caro que na antiga RFA, praticamente nenhuma empresa este alemã pode fazer face à concorrência oeste alemã.» Wilhelm Hankel, professor de Economia Política da Universidade de Frankfurt, Geopolítica — Moeda Única, o Debate Interdito, Primavera de 1996, página 86. |
«De uma maneira habitual, quer o ano seja bom ou mau, cerca de 17% da população americana deixa as regiões em recessão para regiões mais prósperas — da costa Este para a Califórnia, ou ainda dos Estados da "rust belt", no Norte, em direcção ao "sun belt", a Sul. No total, todos os anos, quase 3% da população do país, ou seja, 7,7 milhões de habitantes, muda de Estado de residência.» Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Se a questão é saber se o Orçamento comunitário aumentará para fazer novas transferências financeiras em proveito de certos Estados da União Europeia, a resposta é claramente não.» Yves Thibault de Silguy, comissário Europeu para os assuntos económicos e financeiros — Público — 25 de Janeiro de 1997 |
«Como é que os países que aderirem ao Euro vão ajustar choques assimétricos que possam ocorrer entre as suas economias, uma vez que não há um orçamento Europeu com tamanho suficiente para fazer os ajustamentos necessários numa situação dessas?», responde: «(...) O que é necessário é haver suficiente mobilidade de recursos ou flexibilidade dos custos. Se não for esse o caso, pode haver problemas, porque não vejo, num futuro próximo, a possibilidade de se avançar para um sistema de estabilizadores automáticos, como um sistema de Segurança Social ou um sistema fiscal a nível Europeu.» Hans Tietmeyer, presidente do Bundesbank — Público — 20 de Novembro de 1996 |
«a contribuição líquida da República Federal da Alemanha ultrapassa cada vez mais, e de muito, uma dimensão correspondente a um nível de prosperidade relativa». (...) Uma reforma se impõe a fim de criar as condições financeiras necessárias à entrada na União Europeia dos Estados da Europa Central e da Europa do Leste.» As relações financeiras entre a República Federal da Alemanha e a União Europeia, Relatório aprovado pela Conferência de Ministros das Finanças dos Länder de 28 de Setembro de 1995 |
«... a falta de mecanismos do orçamento comunitário para fazer face a eventuais choques económicos nos Estados membros e (...) a total independência do futuro banco central Europeu vai criar problemas». Vitor Constâncio — Jornal de Notícias — 15 de Fevereiro de 1997 |
«(...) um dos economistas que estudou o problema das zonas monetárias óptimas, Peter Kenen, sempre salientou: a necessidade de um grau elevado de integração orçamental para acompanhar qualquer processo bem sucedido de União Monetária.» Vitor Constâncio — Cadernos de Economia — Abr./Jun. 1994 |
«A existência de mecanismos automáticos de redistribuição intracomunitária para fazer face a choques assimétricos é amplamente reconhecida como uma condição de sustentabilidade da União Monetária, e não se confunde com os fundos estruturais que, em terminologia de federalismo financeiro, têm uma função equalizadora, face às disparidades entre regiões no que se refere a infra-estruturas e outros factores estruturais de desenvolvimento. Esses mecanismos justificam-se particularmente numa fase inicial da União Monetária, em que as diferenças nas estruturas económicas tornam maior a possibilidade de choques económicos assimétricos significativos, do lado da oferta ou da procura, atingindo particularmente as economias menos desenvolvidas.» Aníbal Cavaco Silva — Anuário da Economia Portuguesa |
«O orçamento comunitário não pode ficar-se, por isso, como hoje, pelo ridículo dos 1,5 ou 1,6 por cento do PNB total, e servir predominantemente para subsidiar actividades não competitivas no quadro da economia mundial Essa situação correspondeu a certa conjuntura histórico-política da Europa, que já passou. Ao assumir a moeda única, os países que o fizerem têm de assumir que o nível mínimo de orçamento do grupo tem de chegar aos 20 por cento, como as experiências internacionais comparáveis demonstram. Isto é, quinze vezes maior que hoje (...)» Rogério Martins — Público Magazine — 5 de Novembro de 1995 |
«A modesta capacidade de resposta da União em relação à dimensão dos possíveis problemas constitui uma outra dificuldade. A própria expansão do orçamento aprovada no Conselho de Edimburgo só virá aumentar o orçamento total das instituições comunitárias para 1,27% do PIB da Comunidade em 1999 e metade desse montante destinar-se-á ainda às despesas com os subsídios agrícolas. Não obstante o considerável crescimento que vão sofrer ao longo da vigência das novas perspectivas financeiras, os Fundos Estruturais não atingirão sequer 0,5% do PIB da Comunidade em 1999. O novo Fundo de Coesão, que progressivamente aumentará até ao montante de 2,6 mil milhões de ecus anuais em 1999, constitui um pequeno suplemento.» As consequências sociais da União Económica e Monetária Estudo elaborado para o Parlamento Europeu pelo departamento de Economia da Universidade de Cambridge |
«Uma política económica suicida Todas estas mutações estruturais, já muito perceptíveis no SME centrado na Alemanha, reencontrar-se-ão na União monetária que é o seu prolongamento irreversível, e acentuar-se-ão com o tempo. Na ausência de mecanismos institucionais poderosos, todas as uniões monetárias tem por efeito destruir progressivamente as condições da sua própria existência. Quando a organização monetária viola as leis económicas fundamentais, estas leis vingam-se. Esta inadaptação já foi amplamente demonstrada pela desintegração do SME e, sobretudo, pela derrocada do crescimento e do emprego bem como o cavar dos défices públicos e sociais na Europa depois da existência dessa orientação. A Alemanha assumiu a direcção económica da Europa, mas nunca aceitou ser a locomotiva, antes foi, fundamentalmente um freio». François Bilger, Professor de Ciências Económicas na Universidade Louis-Pasteur de Estrasburgo — Géopolitique, nº 53 |
Quem ganhou e quem perdeu com a reunificação alemã»: 1 marco RDA = 1 marco RFA?
«Um símbolo evidentemente pouco sublinhado pelos media: os lucros das empresas oeste-alemãs quase que duplicaram após a unificação, passando de 345 mil milhões de marcos de média anual entre 1980 e 1989, a 653 mil milhões em 1995! Vítimas de um lado, lucradores do outro.»
«Um ano após a unificação, o PIB da ex-RDA tinha já caído de 40%, a produção industrial de 70% e o número de activos de 40%.»
«(...) a decisão eleitoralista de cambiar um marco do Este contra um marco do Oeste, (...) aumentou o custo real dos bens e serviços este-alemães de 300%»!
«A verdade é que a Oeste como a Este são os assalariados que pagam a factura da unificação. O que não impede o Bundesbank, no seu relatório de 1995, de persistir em considerar "os salários muito elevados e insuficientemente indiferenciados" como o factor principal da degradação da competitividade. E de passar sob silêncio a fraca taxa de investimento, as taxas de juro proibitivas e a sobreavaliação do marco (...).»
«O aumento espectacular do desemprego — primeiro nas novas Länder (de 3% em 1990 a quase 19% no início de 1997) depois nas antigas Länder (de 6,9% em 1990 a quase 11% no início de 1997) — modificou a relação de forças entre sindicatos e o patronato, a favor deste último. Mais nada é tabu, como testemunha a declaração de Werner Strumpfe, presidente da associação patronal da metalurgia: "Nós pagamos muito caro a paz social. Não podemos continuar mais a oferecer-nos um tal luxo".»
«(...) as empresas oeste-alemãs aparecem claramente como as grandes ganhadoras da unificação. Nos anos fartos, de 1990 a 1992, arrecadaram lucros espectaculares, graças principalmente às novas Länder, cuja produção local se afundou. Em 1993, apesar da forte recessão, os seus lucros ultrapassaram 500 mil milhões de marcos, parra atingir em 1995 um record histórico, 653 mil milhões!»
«Infelizmente, as estatísticas catastróficas do desemprego confirmaram, os lucros de ontem não fizeram os empregos de hoje.»
«Nada de espantoso se a banca alemã declarou lucros em alta de 77% entre 1990 e 1993!»
«E não foram apenas os bancos: globalmente, entre 1990 e 1995, os rendimentos do capital aumentaram de 19,4% e os do trabalho diminuíram 5%.»
Jay Rowell — Le Monde Diplomatique — Abril de 1995
11. O que são os critérios de convergência do Tratado de Maastricht?
E o Pacto de Estabilidade?
Estes critérios querem preparar a moeda única. O seu fim é uma taxa de câmbio elevada das moedas Europeias, através de uma moeda única alinhada sobre o marco, favorecendo as aplicações financeiras. De onde o seu incentivo a um tipo de luta contra a inflação (que diminui as taxas de câmbio) passando pela redução dos salários e das despesas sociais, e não pela redução dos desperdícios financeiros.
O primeiro critério diz respeito ao défice público. Ele não deverá ultrapassar 3% do PIB. Isto é: em cada ano o quociente entre a diferença Receitas/Despesas do Estado e o valor do PIB, não deve ultrapassar 3%. (a)
O segundo critério diz respeito à dívida pública, que não deverá ultrapassar 60% do PIB. Isto é: em cada ano, o quociente entre o valor da dívida pública e o valor do PIB não deverá ultrapassar 60%. A dívida pública corresponde ao valor acumulado de empréstimos contraídos pelo Estado para fazer face a despesas públicas não cobertas por receitas.
O terceiro critério diz respeito às taxas de câmbio das moedas Europeias. Elas devem, durante um certo número de anos, permanecer num intervalo muito estreito.
O quarto critério diz respeito à taxa de inflação, privilegiando o ataque contra os salários, as despesas sociais.
A baixa da inflação global conjuga inflação financeira e a deflação salarial.
O quinto critério diz respeito às taxas de juro a longo prazo e o afastamento máximo entre elas de 2%. Isto reforça as taxas excessivas (exageradas) actuais.
O que é o Pacto de Estabilidade?
Em Dezembro de 1996, na Cimeira de Dublin, os Estados membros decidiram sobre o futuro funcionamento da moeda única e as relações com as moedas dos países que não serão admitidos na UEM por não cumprirem os critérios de convergência. E estabeleceram regras para o prolongamento da disciplina orçamental, que se deve tornar mais rigorosa após a entrada em vigor da moeda única. A essas regras chamaram Pacto de Estabilidade.
O Pacto de Estabilidade vai ser traduzido em dois Regulamentos («vigilância multilateral» e «procedimento no caso de défices excessivos») e numa Resolução do Conselho, «garantindo o compromisso político solene da Comissão, Conselho e Estados membros, na aplicação do Pacto de maneira estrita e pontual.»
«O "valor de referência" para os défices orçamentais mantém-se em 3% do PIB, mas este valor deve ser considerado como um tecto em circunstâncias normais. As políticas orçamentais nacionais devem criar uma margem de manobra para se adaptar às perturbações, excepcionais e conjunturais, sempre evitando os défices excessivos. Pelo que o objectivo orçamental a médio prazo deve ser "próximo do equilíbrio ou excedentário": efectivamente um orçamento equilibrado para o conjunto do ciclo económico.»
A Comissão considera o Pacto como uma estratégia a dois níveis, que prevê:
I — Um sistema de alerta rápido, permitindo notificar e corrigir as derrapagens orçamentais aos que ultrapassam o limiar dos 3%;
II — Um conjunto de regras dissuasoras, destinadas a desencorajar os Estados membros de incorrer num défice excessivo — ou de não o procurar corrigir.
No primeiro regulamento (primeiro nível da estratégia), é reforçado o procedimento de «vigilância multilateral» (estipulado no artigo 103º do Tratado), com duas vertentes:
Os países não participando ainda na moeda única, continuam a produzir e a seguir programas de convergência;
Os Estados membros, participando plenamente na 3ª fase da UEM, na moeda única, apresentam «programas de estabilidade».
No segundo regulamento são estabelecidos os procedimentos dos Estados membros participantes na moeda única, para corrigirem os défices excessivos: os prazos para a correcção e as sanções para quem tiver défices excessivos e não os corrigir.
As sanções começam por ser depósitos obrigatórios (sem direito a juros), compostos de uma parte fixa igual a 0,2% do PIB e um montante variável igual a 0,1% do PIB por cada ponto percentual do défice acima do valor de referência de 3%. Com duas limitações: um tecto de 0,5% do PIB, e se o défice excessivo resultar do não respeito do critério relativo à dívida pública (valor de referência = 60% do PIB), só vigora o valor fixo.
Persistindo o défice, dois anos depois: o depósito é transformado em multa e é afectado administrativamente ao orçamento comunitário; e um novo depósito deve ser efectuado!
«(...) direi que os critérios adoptados não são economicamente justificáveis e têm que ser revistos, existindo apenas, por razões que genericamente poderemos classificar como políticas, com o objectivo de forçar a criação de uma Europa a duas velocidades e de uma mini-União Europeia que a Alemanha possa dominar mais facilmente.» Vitor Constâncio — Cadernos de Economia — Abr./Jun. 1994 |
«Os custos do cumprimento dos critérios de convergência serão elevados.» Daniel Bessa, ex-ministro da Economia — Público — 4 de Julho de 1996 |
«(...) A chamada convergência nominal no seio da União Europeia implica, é certo, disciplinas monetárias e financeiras que podem sacrificar a curto prazo, níveis mais elevados de emprego. Mas, por seu turno, a moeda única pode criar, nos países aderentes, condições estruturais favoráveis à maior competitividade no mercado mundial, logo a maiores níveis de emprego a médio e (talvez) longo prazos.» Mário Murteira, Presidente da Unidade Científica e de Ensino de Ciências de Gestão do ISCTE — Expresso — 1 de Março de 1997 |
«Em parte devido às pressões orçamentais imediatas, mas também porque a estrita aderência aos critérios de convergência reduzirá a margem de manobra, é provável que os mais fortes efeitos dos critérios de convergência sobre a protecção social se façam sentir nos Estados-membros em que esta está menos avançada.» As consequências sociais da União Económica e Monetária Estudo elaborado para o Parlamento Europeu pelo departamento de Economia da Universidade de Cambridge |
«Critérios iguais para todos os Estados-membros, com situações económicas e sociais muito diversificadas. Com uma única intenção. Mas não com a intenção de serem os avaliadores e avalisadores de condições para a adopção da moeda única (até porque só o Luxemburgo os cumpre!). Com a intenção de servirem de pretexto para se impor, a todos os Estados-membros, uma mesma política económica ultraliberal e anti-social. Sérgio Ribeiro, deputado do PCP no Parlamento Europeu — Moeda única |
12. É possível conciliar os critérios de convergência (de Maastricht) para a moeda única e o Pacto de Estabilidade com a prioridade ao emprego e a coesão económica e social?
Alguns dos adeptos da moeda única, conscientes das graves consequências sociais daí decorrentes, dizem ser necessário (ou que basta) acrescentar aos critérios de convergência (défice, dívida pública, taxa de inflação, taxa de câmbio, taxa de juro), critérios sociais como o nível de emprego ou de despesas sociais (cláusulas sociais para o emprego e o social). Outros ainda falam de alargar os prazos ou flexibilizar/aligeirar os critérios.
Ora os cinco critérios (apesar da «irracionalidade económica» dos seus valores) não são anexos do projecto da União Económica e Monetária que possam modificar-se ou corrigir-se. São o coração da UEM: sem eles não há moeda única. A experiência em Portugal e noutros países mostra que eles são totalmente incompatíveis com o emprego e melhores salários, com o crescimento económico e o bem estar das populações.
E porquê? Porque o objectivo de alinhar as economias de diferentes países sobre uma mesma moeda, de curso elevado (alta taxa de câmbio) obriga forçosamente os países com economias mais débeis a dar maiores garantias (avales) aos mercados financeiros. Como dizem os dirigentes da direita e da social democracia, de Jacques Chirac a António Guterres: «É preciso inspirar-lhes confiança». Isto é, garantir uma forte remuneração para as suas aplicações e investimentos financeiros. Mas, mais para o capital é forçosamente menos para o trabalho, o que implica reduzir défices orçamentais e dívidas públicas, talhando nas despesas sociais (pensões) e privatizando empresas públicas, sacrificar o emprego e os salários.
Outra contradição absoluta é pretender afirmar a compatibilidade da coesão económica e social com a moeda única. Também aqui a experiência está feita e à vista de toda a gente: ainda só vamos a caminho da moeda única e já o cumprimento dos critérios de convergência, como o vão denunciando diversos Relatórios da própria Comunidade Europeia, alargam a divergência económica e social entre os diversos países comunitários num processo cumulativo com o crescimento de assimetrias entre as próprias regiões de cada país. Orçamentos restritivos, altas taxas de juro, desinflações aceleradas à custa da produção importada, implicam drásticas penalizações para os países e regiões mais pobres.
A solução, clamam advogados da moeda única, estará num grande reforço do Orçamento Comunitário. O que todos sabemos ser uma grande hipocrisia, porque não vai verificar-se. Mas não só, porque se o reforço orçamental poderia permitir ocorrer a situações de crise social agudas (apoio aos desempregados, suplementos sociais para os assalariados, medidas que respondem ao crescimento da pobreza e à desertificação de regiões) não eliminaria os efeitos destruidores de empresas e empregos e dos sectores produtivos pela moeda única.
Como na última década podemos constatar, em que apesar da transferência de muitas centenas de milhões de contos, a agricultura, pescas e indústria portuguesas viveram e vivem ainda profundas crises com a eliminação de milhares de empresas!
Eis porque não há remédio social possível sobre os pés de barro de Maastricht. Não é possível acrescentar um critério «emprego» ou conciliar a «coesão económica e social» com os critérios de convergência, com a prioridade absoluta à «estabilidade de preços». Pode desenvolver-se o emprego e a convergência real entre os diversos países e regiões da Comunidade Europeia, mas não com a moeda única.
«No decurso da última década, as disparidades regionais de rendimento cresceram no interior de todos os Estados membros, as quais podem ser medidas, com excepção da Holanda. Simultaneamente, as diferenças regionais em matéria de taxa de desemprego aumentaram igualmente no interior de muitos Estados membros, com excepção notável do Reino Unido. Em França, na Alemanha (parte Oeste) e noutros países, aquelas diferenças foram de par com a distribuição mais desigual do rendimento entre as pessoas e uma diminuição da parte do trabalho no rendimento.» Monika Wulf Mathies Relatório da Comissão das Comunidades Europeias sobre os progressos verificados na Coesão Económica e Social, 1996 |
«(...) Diz-se também que o facto de estarmos dentro da zona da moeda única nos permitirá exigir uma política mais intensa de apoio às regiões periféricas. Doce ilusão! Se nem sequer num país de forte coesão nacional como é o nosso se tem conseguido levar à prática uma política de desenvolvimento regional digna desse nome, como poderemos admitir que isso possa ser realizado num espaço sem governo (ou pior, desgovernado por bancos centrais que não respondem perante ninguém) e sem qualquer coesão nacional? Num espaço que, além disso, não tem um verdadeiro orçamento, uma vez que o que se chama o orçamento comunitário pouco mais representa que 1% do PIB, contra os cerca de 20% do orçamento federal de um país como os E.U.A..» João Ferreira do Amaral, Professor Catedrático do ISEG — Boletim do Grupo BFE — Março de 1996 |
«A probabilidade de da UEM resultarem consequências sociais nefastas é maior na Grécia, Itália, Espanha e Portugal, países que iniciam o processo com dificuldades variáveis no capítulo da inflação, do défice público e do desemprego. Significa isto que as piores consequências da convergência para a UEM se farão sentir nas regiões menos favorecidas da União Europeia. Caso não sejam adoptadas novas medidas que permitam contrabalançar esses efeitos nefastos, a falta de coesão social já existente dever-se-á agravar.» «Não deixa de ser pertinente referir que a UEM virá afectar ela própria a repartição do rendimento a nível das regiões e das famílias. Mesmo tendo em conta a abertura de melhores perspectivas para a economia Europeia e, logo, uma maior coesão social e um melhor desempenho das regiões menos favorecidas, é pouco provável que a redução das disparidades seja suficiente para permitir a convergência de todos os Estados-membros ou a adequada coesão social revelada pelo processo político. Acresce que a UEM vai tornar mais necessário que sejam adoptadas medidas de igualização dado que implica a eliminação de muitos dos mecanismos alternativos de ajustamento.» «Em relação ao segundo objectivo a conclusão fundamental deste estudo é esta: os benefícios da UEM não são automaticamente repartidos de forma equitativa.» As consequências sociais da União Económica e Monetária Estudo elaborado para o Parlamento Europeu pelo departamento de Economia da Universidade de Cambridge |
«Os desequilíbrios económicos regionais poderão crescer com a UEM. Contrariamente às preocupações dos Eurocépticos, estes desequilíbrios não precisam necessariamente de envolver mais transferências de fundos para os países mais fracos. Maior flexibilidade salarial e mobilidade dos trabalhadores, combinadas com os já existentes fundos regionais e estruturais da União Europeia, podem limitar aqueles efeitos.» |
13. As instituições e os órgãos da União Europeia (Comissão, Conselho de Ministros, Parlamento, Comité das Regiões, Sistema Bancário Europeu e Banco Central Europeu) vão permitir corrigir os efeitos negativos da moeda única?14. A moeda única vai permitir à Europa opor-se à hegemonia do dólar?
É certamente o principal desígnio de alguns, com a ideia de que um «marco Europeu» (o Euro) com a dimensão e a força de uma moeda de um espaço económico alargado (dos «Estados Unidos da Europa») poderá rivalizar com o dólar (e o iene) nas transacções comerciais internacionais, nos jogos e praças financeiras, como moeda de referência mundial. Assim serão ajudados os negócios do grande capital transnacional.
A intenção é sedutora porque os povos de todo o mundo são penalizados por causa do actual funcionamento das relações monetárias internacionais dominadas pelo dólar. Relações monetárias em que o dólar é a moeda de referência e está sujeito a uma gestão pela Reserva Federal dos EUA (Banco Central dos Estados Unidos), conforme os interesses do imperialismo americano.
Desde o início dos anos 70 que o sistema é sacudido pelo movimento do iô-iô do dólar. A nota verde que está hoje a cerca 160$00/170$00 valia o dobro em moedas Europeias dos anos 80. Os efeitos desta flutuação monetária são temidos pelas economias pois, no essencial, as matérias-primas, entre as quais se destaca o petróleo, e uma boa parte dos produtos industriais são facturados em dólares. A baixa (do câmbio) do dólar facilita a invasão (conquista de mercados) por produção USA (que fica mais barata) dos mercados Europeu e japonês e ajuda à emigração de capitais Europeus e japoneses para os Estados Unidos para a aquisição de empresas (que ficaram também com preços mais baixos). Por outro lado, o empolamento fantástico dos movimentos financeiros liga-se também em grande parte à «inflação» dos dólares (os dólares e os Eurodólares sem ouro no Forte Knox!)! A que se acrescenta o conhecido «fenómeno» dos ganhos de «senhoriagem», sublinhado pelo Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa que vimos citando «a emissão de notas pelos bancos centrais dos governos cujas moedas têm uma importância mundial, representa para estes últimos uma fonte certa de rendimentos. A Reserva Federal dos Estados Unidos encaixa desta maneira milhares de milhões de dólares todos os anos».
É uma ilusão pensar que o Euro vai ter um papel favorável às economias Europeias mais débeis. A ilusão que decorre de julgar-se que o que é bom para o marco é bom para o escudo.
O Euro que favorecerá a hegemonia dos capitais financeiros, nomeadamente alemães, não fará desaparecer o dólar e o iene. As reservas em divisas do Banco Central Europeu (quando se der a substituição das moedas nacionais pelo Euro) serão no essencial constituídas por ouro... e dólares.
E grande parte das transacções económicas internacionais como referidas acima, continuar-se-á a fazer em dólares e ienes.
O Euro acentuará a rivalidade entre as moedas das três grandes potências que dominam a tríade (EUA, Japão, Alemanha/UE) e com ela a especulação sobre os mercados de câmbio do planeta contra os interesses dos povos. E como a moeda única terá uma base muito menos homogénea (política e económica), ela será objecto de ataques contínuos no quadro daquela rivalidade por parte dos especuladores internacionais.
O Euro vai relançar a guerra que os grandes capitais Europeus travam entre si e impulsionar as alianças que tecem com os grupos USA (ou japoneses) pelo controlo do mercado único, à imagem do que se passa actualmente nas telecomunicações, onde as grandes empresas Europeias se aliam separadamente aos grupos americanos para se degladiarem entre elas. (ver nota...)
O Euro é, em primeiro lugar, uma arma para a guerra económica. Ora, não é tentando dominar em lugar do dólar que se poderão construir relações monetárias estáveis e úteis aos povos. O Euro por trás do qual se perfilam ambições de domínio (imperialista) na guerra económica mundial, não constituirá em caso algum uma contribuição para uma reforma positiva do sistema monetário internacional, a favor dos povos, e contra todas as formas de hegemonia monetária.
«(...) Com o estabelecimento do alinhamento estratégico da Portugal Telecom, através da sua integração no consórcio Concert — representado pela British Telecom e pelos norte-americanos da MCI — e o acordo de colaboração integral entre a Portugal Telecom e a Telefónica de Espanha, o mercado português prepara-se para enfrentar a liberalização.» (...) A Uniworld, que foi fundada pela AT&T, a PT e a Telefónica. A Global One, que nasceu da "joint-venture" entre a Atlas (France Telecom e Deutsche Telekom) e o terceiro operador norte-americano de longa distância, a Sprint. A Unisource, que integra a PTT Telecom Netherlands, a sueca Telia e a Swiss Telecom PTT. A Telefónica abandonou a semana passada este consórcio para integrar a Concert.» Tiago Franco, Cyberdinheiro — Independente — 24 de Abril de 1997 |
«Um Euro mais forte, cuja voz será mais poderosa na economia mundial que o coro das moedas actualmente em curso (...) poderá depreciar-se ligeiramente e ser assim uma vantagem para a região em termos de exportação, seguindo nisto o exemplo do dólar e, em certa medida, do iene». (...) «Pois que hoje a depreciação monetária não parece acarretar tanto como anteriormente um impulso à inflação, uma tal estratégia pode ser compensadora, pelo menos até um certo ponto. Mas poder-se-á, pelo contrário, assistir ao início de uma corrida à depreciação entre o Euro, o dólar e o iene e, talvez, de outras moedas». Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Este conjunto de actividades em que os custos do factor trabalho determinam vantagens comparativas são afectados na sua capacidade competitiva pela integração de Portugal numa zona com moeda forte, efeito que se vem sentido, aliás, desde que o escudo passou a participar no Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio. Os principais concorrentes destas actividades encontram-se numa grande variedade de países terceiros em vias de desenvolvimento com os quais a União Europeia tem celebrado acordos recentemente. Muitos desses países seguem políticas cambiais que têm por referência o dólar e definem preços nesta moeda. Por isso a relação entre o Euro e o dólar será relevante para a relação competitiva que venha a estabelecer-se.» Maria José Constâncio, economista — Anuário da Economia Portuguesa — 1996 |
«(...) Nós fazemos produtos mas também precisamos de os vender. E já não temos mercado interior suficiente. Cada um de nós tem já dois ou três pares de sapatos, televisões, carros, etc. Se as moedas competitivas são o dólar e o iene e nós apresentamo-nos com pesetas, liras ou dracmas, não vamos a parte alguma.» Emma Bonino, comissária Europeia das Pescas — Diário de Notícias — 4 de Novembro de 1996 |
Esta é a tese dos «federalistas». Um comando político Europeu para atender aos possíveis efeitos negativos da moeda única
(«choques assimétricos decorrentes de diferentes produtividades») coordenando as políticas económicas com esse objectivo: um governo federal!
A «impossibilidade» desse «comando político» é uma evidência que decorre da «independência» do Banco Central Europeu.
Embora, de facto, esta pseudo-independência esconda mal a subordinação desta instituição aos grupos que dominam os mercados financeiros.
Certos dirigentes Europeus pretendem reequilibrar este poder instituindo um governo económico Europeu. De que se trata? As regras do jogo, fixadas por Maastricht e pelo Pacto de Estabilidade — inflexibilidade dos critérios de convergência — assim como o poder confiado ao Banco Central Europeu restariam intactos. Em compensação, a conduta das políticas orçamentais seria mais centralizada e confinada a um governo económico supranacional, emanação directa do Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e de governo da Comunidade. Não somente a tutela financeira não desaparecia, como se corria o risco de ver este governo económico tornar-se um servidor zeloso, longe de qualquer controlo democrático. Os tímidos reforços do poder do Parlamento Europeu, propostas por alguns, não acrescentam nada.
Por outro lado, a experiência de mais de dez anos de políticas e decisões comunitárias na agricultura, nas pescas, na indústria, reforma da PAC, nos acordos do GATT e nas negociações bilaterais com inúmeros países, chegaria para demonstrar que a coordenação de políticas tem um único e exclusivo sentido: os interesses das Estados mais poderosos da Comunidade e do capital transnacional. Mesmo as decisões comunitárias são subvertidas quando os interesses de uma das grandes potências da Comunidade estão em causa. Como tem acontecido nas negociações das Organizações Comuns de Mercado (OCM) de produções agrícolas. De que é exemplar o comportamento da Alemanha relativamente ao dossier da banana da América Latina, favorável aos EUA, e em prejuízo dos países comunitários que a produzem (Portugal, Espanha, etc.) e do decidido pelos órgãos da União Europeia.
Além do mais essa «coordenação» das políticas económicas, para ter uma efectiva eficácia na atenuação ou resposta aos problemas que surgirem por causa da moeda única, exigiria um significativo orçamento comunitário, o que, como já sabemos, alguns dos principais mentores deste processo, põem completamente de parte.
Acrescente-se o esclarecimento do «Argumentário». Referindo que a assistência financeira aos Estados membros que conhecem ou se arriscam a conhecer graves dificuldades como «resultado de acontecimentos excepcionais escapando ao seu controlo» só será possível por decisão unânime do Conselho de Ministros (salvo no caso de catástrofes naturais em que bastará a maioria qualificada), o Argumentário Euro é taxativo: «Não haverá transferências automáticas de recursos entre os Estados».
«O Banco Central Europeu (BCE) constituirá, com os bancos centrais dos Estados membros, o Sistema Europeu de bancos centrais (SEBC), que será dirigido pelos órgãos de decisão do BCE. Ele terá por objectivo principal manter a estabilidade dos preços. Sem prejuízo deste objectivo, ele dará o seu apoio às políticas económicas gerais da Comunidade. O BCE e os bancos centrais dos Estados membros não poderão aceitar as instruções dos governos dos Estados membros ou das instituições comunitárias». Argumentário Euro |
«Não há nenhuma razão (nem argumento económico ou jurídico) para operar importantes transferências orçamentais entre Estados membros com o objectivo de corrigir desequilíbrios macroeconómicos». «Do ponto de vista jurídico, o Tratado não prevê transferências automáticas entre Estados. Os instrumentos financeiros de que a União dispõe actualmente, tais como os fundos estruturais, são de dimensão limitada, e as retiradas de caixa (comunitária) fazem-se na base de programas de despesas plurianuais centradas sobre a correcção de problemas estruturais». (O que, como todos sabemos, é rotundamente falso, como se demonstra pela existência dos dinheiros FEOGA-garantia!, que favorecem fundamentalmente os países mais ricos da Comunidade). Argumentário Euro |
«É sem dúvida difícil defender uma qualquer forma de redistribuição entre os Estados-membros. A primeira dificuldade reside no facto de a relativa falta de solidariedade tornar pouco plausível do ponto de vista político que os contribuintes das zonas prósperas estejam na disposição de suportar certas despesas sociais nos pontos menos favorecidos da União.» As consequências sociais da União Económica e Monetária Estudo elaborado para o Parlamento Europeu pelo departamento de economia da Universidade de Cambridge |
«(...) Creio, antes de mais, que é essencial não pôr em causa a independência do Banco Central Europeu, claramente estabelecida pelo Tratado. É indispensável que a política monetária seja conduzida por um Banco Central Europeu totalmente independente, condição "sine qua non" para assegurar a estabilidade dos preços (ou seja, controlar a inflação) e dar credibilidade ao Euro. Por isso, está fora de questão que os Governos dos Estados-membros dêem instruções ao BCE.» Ives-Thibault de Silguy, comissário Europeu responsável pelos Assuntos Económicos, Financeiros e Monetários — Expresso — 25 de Janeiro de 1997 |
«A completa independência do Banco Central Europeu é considerada necessária para proteger as decisões monetárias da influência política desestabilizadora.» Associação para a União Monetária Europeia |
14. A moeda única vai permitir à Europa opor-se à hegemonia do dólar?
É certamente o principal desígnio de alguns, com a ideia de que um «marco Europeu» (o Euro) com a dimensão e a força de uma moeda de um espaço económico alargado (dos «Estados Unidos da Europa») poderá rivalizar com o dólar (e o iene) nas transacções comerciais internacionais, nos jogos e praças financeiras, como moeda de referência mundial. Assim serão ajudados os negócios do grande capital transnacional.
A intenção é sedutora porque os povos de todo o mundo são penalizados por causa do actual funcionamento das relações monetárias internacionais dominadas pelo dólar. Relações monetárias em que o dólar é a moeda de referência e está sujeito a uma gestão pela Reserva Federal dos EUA (Banco Central dos Estados Unidos), conforme os interesses do imperialismo americano.
Desde o início dos anos 70 que o sistema é sacudido pelo movimento do iô-iô do dólar. A nota verde que está hoje a cerca 160$00/170$00 valia o dobro em moedas Europeias dos anos 80. Os efeitos desta flutuação monetária são temidos pelas economias pois, no essencial, as matérias-primas, entre as quais se destaca o petróleo, e uma boa parte dos produtos industriais são facturados em dólares. A baixa (do câmbio) do dólar facilita a invasão (conquista de mercados) por produção USA (que fica mais barata) dos mercados Europeu e japonês e ajuda à emigração de capitais Europeus e japoneses para os Estados Unidos para a aquisição de empresas (que ficaram também com preços mais baixos). Por outro lado, o empolamento fantástico dos movimentos financeiros liga-se também em grande parte à «inflação» dos dólares (os dólares e os Eurodólares sem ouro no Forte Knox!)! A que se acrescenta o conhecido «fenómeno» dos ganhos de «senhoriagem», sublinhado pelo Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa que vimos citando «a emissão de notas pelos bancos centrais dos governos cujas moedas têm uma importância mundial, representa para estes últimos uma fonte certa de rendimentos. A Reserva Federal dos Estados Unidos encaixa desta maneira milhares de milhões de dólares todos os anos».
É uma ilusão pensar que o Euro vai ter um papel favorável às economias Europeias mais débeis. A ilusão que decorre de julgar-se que o que é bom para o marco é bom para o escudo.
O Euro que favorecerá a hegemonia dos capitais financeiros, nomeadamente alemães, não fará desaparecer o dólar e o iene. As reservas em divisas do Banco Central Europeu (quando se der a substituição das moedas nacionais pelo Euro) serão no essencial constituídas por ouro... e dólares.
E grande parte das transacções económicas internacionais como referidas acima, continuar-se-á a fazer em dólares e ienes.
O Euro acentuará a rivalidade entre as moedas das três grandes potências que dominam a tríade (EUA, Japão, Alemanha/UE) e com ela a especulação sobre os mercados de câmbio do planeta contra os interesses dos povos. E como a moeda única terá uma base muito menos homogénea (política e económica), ela será objecto de ataques contínuos no quadro daquela rivalidade por parte dos especuladores internacionais.
O Euro vai relançar a guerra que os grandes capitais Europeus travam entre si e impulsionar as alianças que tecem com os grupos USA (ou japoneses) pelo controlo do mercado único, à imagem do que se passa actualmente nas telecomunicações, onde as grandes empresas Europeias se aliam separadamente aos grupos americanos para se degladiarem entre elas. (ver nota...)
O Euro é, em primeiro lugar, uma arma para a guerra económica. Ora, não é tentando dominar em lugar do dólar que se poderão construir relações monetárias estáveis e úteis aos povos. O Euro por trás do qual se perfilam ambições de domínio (imperialista) na guerra económica mundial, não constituirá em caso algum uma contribuição para uma reforma positiva do sistema monetário internacional, a favor dos povos, e contra todas as formas de hegemonia monetária.
«(...) Com o estabelecimento do alinhamento estratégico da Portugal Telecom, através da sua integração no consórcio Concert — representado pela British Telecom e pelos norte-americanos da MCI — e o acordo de colaboração integral entre a Portugal Telecom e a Telefónica de Espanha, o mercado português prepara-se para enfrentar a liberalização.» (...) A Uniworld, que foi fundada pela AT&T, a PT e a Telefónica. A Global One, que nasceu da "joint-venture" entre a Atlas (France Telecom e Deutsche Telekom) e o terceiro operador norte-americano de longa distância, a Sprint. A Unisource, que integra a PTT Telecom Netherlands, a sueca Telia e a Swiss Telecom PTT. A Telefónica abandonou a semana passada este consórcio para integrar a Concert.» Tiago Franco, Cyberdinheiro — Independente — 24 de Abril de 1997 |
«Um Euro mais forte, cuja voz será mais poderosa na economia mundial que o coro das moedas actualmente em curso (...) poderá depreciar-se ligeiramente e ser assim uma vantagem para a região em termos de exportação, seguindo nisto o exemplo do dólar e, em certa medida, do iene». (...) «Pois que hoje a depreciação monetária não parece acarretar tanto como anteriormente um impulso à inflação, uma tal estratégia pode ser compensadora, pelo menos até um certo ponto. Mas poder-se-á, pelo contrário, assistir ao início de uma corrida à depreciação entre o Euro, o dólar e o iene e, talvez, de outras moedas». Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996 |
«Este conjunto de actividades em que os custos do factor trabalho determinam vantagens comparativas são afectados na sua capacidade competitiva pela integração de Portugal numa zona com moeda forte, efeito que se vem sentido, aliás, desde que o escudo passou a participar no Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio. Os principais concorrentes destas actividades encontram-se numa grande variedade de países terceiros em vias de desenvolvimento com os quais a União Europeia tem celebrado acordos recentemente. Muitos desses países seguem políticas cambiais que têm por referência o dólar e definem preços nesta moeda. Por isso a relação entre o Euro e o dólar será relevante para a relação competitiva que venha a estabelecer-se.» Maria José Constâncio, economista — Anuário da Economia Portuguesa — 1996 |
«(...) Nós fazemos produtos mas também precisamos de os vender. E já não temos mercado interior suficiente. Cada um de nós tem já dois ou três pares de sapatos, televisões, carros, etc. Se as moedas competitivas são o dólar e o iene e nós apresentamo-nos com pesetas, liras ou dracmas, não vamos a parte alguma.» Emma Bonino, comissária Europeia das Pescas — Diário de Notícias — 4 de Novembro de 1996 |
15. A mundialização não impõe progressivos abandonos de soberania?
O Euro não é uma vantagem nesse processo?
A internacionalização crescente das trocas é um facto. Será estúpido negá-lo. Mas esta mundialização tanto pode ser a melhor como a pior das coisas. Ela permite trocas muito mais rápidas das informações através do planeta mas, sem partilha dos saberes e das fontes de informação, pode alimentar um terrível poder de dominação. Ela permite a circulação dos homens através do mundo mas, sem garantias sociais e sem direitos de cidadania suficientes, reduz-se a uma mobilidade e a migrações humanas guiadas somente pelos desequilíbrios económicos. Ela permite pôr em comum inteligências e riquezas, a partilha dos custos de investigação, mas sem apropriação pública (sem a sua transformação em valores públicos), facilita igualmente a apropriação pelas potências financeiras de todas estas possibilidades de progresso.
Até hoje, a inserção de Portugal e da União Europeia nesta mundialização tem significado a fragilização económica do País, dificuldades acrescidas para a grande maioria dos trabalhadores e camadas laboriosas, e evidentes benefícios para o grande capital nacional e estrangeiro a operar no País. Aceitar esta mundialização é aceitar como regra de jogo a lei do mais forte. É colaborar para que Portugal seja o mexilhão dos choques e guerras económicos entre as grandes potências do planeta.
O Euro será uma vantagem para as potências económicas dominantes da União Europeia e, em particular, a Alemanha. Para Portugal será um novo instrumento de destruição do seu tecido produtivo, de desertificação e empobrecimento da grande maioria das regiões do País, resultado inevitável do prosseguir uma divisão de trabalho que lhe é desfavorável e uma acrescida sujeição e domínio político e económico.
Sofrendo as consequências da guerra económica, Portugal não deve ser cúmplice de estratégias e processos gravemente atentatórios dos seus interesses e dignidade de País independente e soberano.
A construção Europeia poderia efectivamente ser um trunfo, na condição de inverter as prioridades. Servindo para pôr em comum e para o desenvolvimento das potencialidades de cada país. Começando, neste sentido, por limitar a guerra económica entre países da Europa, onde precisamente o processo da moeda única coloca em concorrência feroz os povos do continente. Utilizando também a força que dá a união de vários países para fazer recuar o liberalismo ao nível internacional, de preferência a utilizar, como acontece hoje, esta força para transformar o continente Europeu num vasto campo de desregulamentações, liberalizações e privatizações, contra os interesses dos trabalhadores e dos povos.
Para impor tais progressos, partilhas de poder, de tecnologias, de informação, e acordos económicos, sociais e políticos, são necessários entre países. Mas eles devem ser livremente consentidos.
Eles não podem significar abandonos de soberania, e não podem opor-se ao direito de cada um dos países envolvidos decidir a todo o momento sobre os seus compromissos internacionais. Este processo de pôr em comum não tem nada a ver com a diluição das instituições nacionais, que garantirá, segundo alguns, a chegada do melhor dos mundos, o mundo do mercado e da moeda única.