Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Novo ataque contra os desempregados e contra as famílias que recebem prestações sociais

Declaração política verberando as alterações às regras de atribuição de prestações sociais introduzidas pelo Decreto Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Numa versão adulterada de Robin Hood, PS e PSD «roubam» aos pobres para dar aos ricos. Depois do assalto — que só não foi à mão armada — aos salários e às pensões com o aumento do IVA e do IRS, este Governo, que na prática é do PS e do PSD, desfere um novo ataque, desta vez contra os desempregados e contra as famílias que recebem prestações sociais.
Numa altura em que o desemprego já afecta mais de 730 000 trabalhadores e os problemas sociais não param de crescer, o Governo aprovou dois decretos-leis que revelam não só a sua insensibilidade social mas também que PS e PSD querem que sejam os mais pobres, os mais desprotegidos do nosso país a pagar as asneiras e a crise do sistema financeiro.
O Decreto-Lei n.º 70/2010, que altera as regras de atribuição de um conjunto muito vasto de prestações sociais — como o subsídio social de desemprego, os apoios à natalidade, a acção social escolar, a comparticipação de medicamentos, o pagamento de taxas moderadoras e, entre outros, os apoios à habitação social —, não visa combater as fraudes e os abusos, visa, isso sim, retirar 200 milhões de euros a apoios essenciais para milhares de famílias!
Com este Decreto-Lei, о Governo alarga os membros do agregado familiar cujos rendimentos contam para a atribuição de prestações sociais e altera, de forma gravosa, a fórmula de cálculo.
De acordo com um exemplo referido pela CGTP, numa família de quatro elementos, dois adultos e dois menores, com rendimentos de 800 €, a capitação era de 200 €. Com estas novas regras passará a ser de 296 €. Assim, o Governo aumenta, artificialmente, o rendimento per capita para impedir o acesso a estas prestações sociais.
Outro aspecto nefasto deste Decreto-Lei é o facto de passarem a ser considerados rendimentos que até aqui não eram contabilizados para a atribuição destas prestações. De facto, rendimentos como bolsas de estudo e de formação, que visam permitir o acesso à educação, podem impedir que um outro membro do agregado familiar receba uma prestação tão importante como o subsídio social de desemprego ou uma comparticipação nos medicamentos que compra.
As pensões por acidentes de trabalho e doenças profissionais, que são da responsabilidade das entidades patronais e que visam reparar um acidente ou uma doença profissional, também contam, escandalosamente, como rendimentos.
Os apoios dados na habitação social, tais como a renda apoiada ou a renda social, passam a ser
considerados como rendimentos e, assim, o facto de viver em habitação social pode determinar que uma família seja excluída destes apoios.
Verdadeiramente vergonhosa é a situação de um idoso que possui um pequeno terreno agrícola, onde pratica uma agricultura de subsistência. Para o Governo e para os partidos de direita esse terreno é considerado rendimento, logo pode impedir que este idoso tenha comparticipação na compra dos remédios.
Quanto ao rendimento social de inserção, o Governo cede em toda a linha ao populismo e à demagogia do CDS.
Em vez de combater as situações de fraude e de abusos, o Governo, com o aplauso da direita, ataca todos os beneficiários desta importante prestação social. Não só reduz o montante desta prestação — importa referir que o valor médio do rendimento social de inserção é de 89 € — como acaba com todos os apoios complementares às grávidas, às pessoas com deficiência e aos idosos com elevada dependência.
Importa, por fim, referir que estas regras se aplicam a quem já está a beneficiar destas prestações. O Governo assume que pretende fazer a reavaliação de todas as prestações, o que pode levar à exclusão de milhares de famílias que já as recebem.
O objectivo deste Decreto-Lei é claro: não visa impor mais rigor na atribuição das prestações, não visa impedir que os mais ricos acedam a estas prestações, o objectivo é poupar 200 milhões de euros.
Ontem mesmo, a Sr.ª Ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, confrontada com a questão de quantas pessoas ou famílias deixariam de receber estas prestações para atingir a poupança de 200 milhões de euros, pura e simplesmente, não respondeu. E não respondeu porque não quer admitir que para atingir este montante o Governo se prepara para impor sacrifícios a milhares de pessoas, e precisamente às que são as mais carenciadas no nosso país.
Outro decreto-lei que o Governo fez aprovar, com o bafiento apoio do PSD, alterou para pior as regras de atribuição do subsídio de desemprego. Não satisfeito com o facto de cerca de 50% dos mais de 730 000 desempregados não receberem qualquer apoio no desemprego, o Governo piora as regras de atribuição do subsídio de desemprego.
Por um lado, o Governo reduz o montante deste subsídio, uma vez que passa a considerar como limite 75% da remuneração de referência — о que leva a que o subsídio médio, que hoje é de 525 €, passe a ser, com este diploma, de 478 €, isto é, menos 46 €/mês — e, por outro lado, quer obrigar quem está desempregado há menos de um ano a aceitar uma proposta de emprego se o salário proposto for 10% superior ao subsídio de desemprego — cerca de 65% do salário que recebia no anterior emprego. Se o trabalhador estiver desempregado há mais de um ano, então fica obrigado a aceitar uma proposta de emprego de valor igual ao subsídio.
Com esta regra, o Governo promove deliberadamente a diminuição dos salários. Com este diploma, um desempregado pode perder entre 25% a 35% do seu anterior salário em pouco mais de um ano de desemprego.
Citando a própria Ministra do Trabalho, numa entrevista, «é preciso reduzir os custos indirectos e directos do trabalho». O que a Sr.ª Ministra está a dizer é que é preciso reduzir
os salários dos trabalhadores.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Atacar quem menos tem não é um acto de coragem, é antes uma injustiça e uma cobardia, por isso o PCP já pediu a apreciação parlamentar destes decretos-leis para lutar, dentro e fora desta Assembleia da República, contra estas medidas.
Este PS e este PSD, que nada pedem aos patrões, que nada pedem àqueles que além de provocaram a crise continuam a engordar os seus lucros, que não obrigam a banca a pagar 25% de IRC — como faz qualquer pequeno comerciante —, que não obrigam a pagar 20% de imposto a quem transfere dinheiro para os offshore, este PS e este PSD, dizia eu, são os mesmos que atacam os que menos têm.
Aprovar estas medidas que vão aumentar a pobreza, no Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social, é uma profunda hipocrisia que vai merecer o empenho e a luta do PCP para a construção de uma verdadeira alternativa para o nosso país.
(…)
Presidente,
Sr.ª Deputada Catarina Marcelino,
Agradeço desde já a pergunta que me colocou na medida em que me permite explanar um bocadinho mais a nossa opinião relativamente a esta matéria.
Fala de coerência e de combate às situações de fraude e de abuso, mas deixo-lhe o exemplo de um estudante do ensino superior que tem uma bolsa de estudo que serve precisamente para o isentar do pagamento de propinas.
Essa isenção de propinas vai contar como rendimento para atribuição de prestação social e impedirá, por exemplo, que o seu pai ou a sua mãe recebam o subsídio social de desemprego. É isto que está em cima da mesa, Sr.ª Deputada! Acha que isto é justo? Acha que isto visa a
sustentabilidade?
Ó Sr.ª Deputada, o Secretário de Estado deixou muito claro qual é a posição do Governo relativamente a esta matéria: o objectivo deste decreto-lei não é o de ser mais justo ou mais rigoroso na atribuição; visa, apenas, poupar dinheiro — 200 milhões de euros!
É cortar, «a torto e a direito»!
Diga-me, Sr.ª Deputada, com este diploma, quantas famílias é que vão ficar com menos prestações sociais? O que faz relativamente ao rendimento social de inserção?
A Sr.ª Deputada pergunta com que é que pode contar da parte do PCP… Quanto ao PCP já lhe respondo.
Agora, no que diz respeito ao PSD, a Sr.ª Deputada diz que o PS não é a mesma coisa que o PSD, mas aquilo a que assistimos, sabe ao que é, Sr.ª Deputada? De passo em passo, de recuo em recuo, o PS vai preenchendo a agenda quer do PSD quer do CSD, no que diz respeito ao rendimento social de inserção.
Veja o que aconteceu com o rendimento social de inserção: atacam todos os beneficiários do rendimento social de inserção! Não combatem o abuso, não combatem a fraude!
O que fazem é entrar no discurso demagógico e populista do CDS e atacam todos os beneficiários!
Porquê? Porque querem poupar dinheiro à custa destas prestações sociais. O PCP afirma a sustentabilidade.
Quer receitas para combater os problemas das contas públicas, Sr.ª Deputada? Tribute a banca!
Tribute quem envia dinheiro para offshore! Porque é que não opta por essa via?
Porque é que opta por penalizar aqueles que pouco ou nada têm para sobreviver?!
Este caminho não é, pura e simplesmente, aceitável e é bem revelador de como o PS não só se posiciona à direita como preenche, totalmente, a agenda política que era do PSD e do CDS-PP.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
Quero agradecer-lhe a uestão que me põe e dizer o seguinte: percebe-se qual é a intenção da sua intervenção, mas não se trata aqui de uma questão de incompetência.
Quisesse o Governo tributar os mais ricos, o dinheiro que vai para os offshore — tributar efectivamente, de uma forma justa, a banca e os grandes grupos económicos —, e conseguiria fazê-lo com uma facilidade gigantesca!
Não se trata de uma questão de incompetência! Trata-se, sim, como também referiu, de uma opção, claramente, de classe: o Governo PS juntamente com o PSD e o CDS-PP não querem exigir um cêntimo que seja aos mais ricos, aos grupos económicos, à banca, que provocou esta crise que levou a estas situações que, hoje, vivemos mas, a eles, não lhes é exigido nem mais um cêntimo!
Portanto, o Governo sabe muito bem que o que está aqui em cima da mesa é o seguinte: chegando a altura de pagar a factura, quem é que paga a factura? Para o PS, para o PSD e para o CDS são os pobres, são os trabalhadores!
E eu aproveito para falar aqui da questão do subsídio de desemprego, porque a alteração proposta às regras da atribuição do subsídio de desemprego é verdadeiramente escandalosa: além de reduzir o montante do subsídio de desemprego, o que se quer fazer com a alteração
aqui proposta é reduzir os salários dos trabalhadores portugueses, como se os salários não fossem suficientemente baixos!
O que se quer fazer com a alteração das regras é obrigar o desempregado, depois de um ano de
desemprego, a aceitar uma proposta de emprego com salário igual ao valor do subsídio de desemprego, sabendo muito bem que esse valor do subsídio de desemprego é 65% do valor de referência, o que quer dizer que ele é obrigado a aceitar um salário 35% mais baixo!
Mas as declarações da Sr.ª Ministra são claríssimas como a água: «Temos de reduzir os custos directos e indirectos do trabalho»… O que a Sr.ª Ministra diz ao País, sem qualquer pingo de vergonha, é que temos de baixar os salários dos trabalhadores!
Queríamos deixar aqui uma última mensagem: no Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, é absolutamente escandaloso que PS, PSD e CDS-PP batam palmas a estas medidas, que, objectivamente vão provocar uma situação de maiores problemas sociais, de maior pobreza, que vai ser criada no nosso país.
É contra estas medidas que importa lutar e para isso podem contar com o PCP!

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