Recomenda a revisão do regime de medidas preventivas em vigor para a localização do Novo Aeroporto de Lisboa no actual Campo de Tiro de Alcochete
Exposição de motivos
Através do Decreto n.º 19/2008, de 1 de Julho, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações estabeleceu um regime de medidas preventivas nas áreas destinadas à implantação do novo aeroporto de Lisboa (NAL), compreendendo o Campo de Tiro de Alcochete e uma área envolvente num raio de 25 km.
Esse Decreto, aprovado ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 794/76 de 5 de Novembro (vulgo Lei da Política de Solos), determinava que essas medidas preventivas vigorariam por dois anos, podendo estas ser prorrogáveis por prazo não superior a um ano. Esta semana foi publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2010 de 19 de Julho, aprovando essa prorrogação por mais um ano, mantendo integralmente, e sem nenhuma alteração, o teor, o sentido e a extensão desse regime.
É certamente consensual o objectivo de «evitar a alteração das circunstâncias e condições existentes, com vista a garantir as condições necessárias ao planeamento, execução e operação do NAL, respectivos acessos, e actividades complementares, conexas ou acessórias», conforme o Governo escreve no articulado do supra citado Decreto (número 2 do artigo 1.º).
O problema é que, tal como Governo prossegue na redacção do mesmo número do referido Decreto, o objectivo afirmado é, nesta matéria, também o de «acautelar condições para um correcto ordenamento do território e uma efectiva protecção do ambiente». Ora, se é admissível que o Governo, e nomeadamente o MOPTC, decrete medidas no sentido de salvaguardar todas as condições necessárias para a boa prossecução dos trabalhos e o bom enquadramento na construção do Novo Aeroporto, já outras dúvidas se colocam quanto à adequação de medidas de “largo espectro” de política de uso dos solos e de ordenamento do território, assim decretadas sem outro enquadramento a este nível e sem o envolvimento efectivo das autarquias locais.
Aliás, os representantes do poder local democrático têm vindo a salientar a importância da alteração das medidas preventivas. Tendo afirmado na generalidade o pleno acordo com a definição e existência de medidas preventivas, considerando a necessidade de salvaguardar as condições para a concretização do Novo Aeroporto ao nível do território, as autarquias e os autarcas têm no entanto sublinhado que essas mesmas medidas preventivas, tal como foram determinadas, estão a condicionar, e em alguns casos a impedir, estratégias de desenvolvimento para o território e investimentos, criando obstáculos, provocando atrasos e penalizando os concelhos.
Ao contrário do que sucedia com a zona da Ota, desta vez o Governo decidiu criar uma zona afectada de uma dimensão nunca antes vista em Portugal para uma infra-estrutura deste tipo. O Aeroporto é apresentado pela empresa NAER como ocupando previsivelmente uma área de 4780 hectares. Mas, ao traçar um círculo (designado por “Zona 10”) que abrange todo o território num raio de 25 quilómetros, o Governo abrange com estas medidas uma área de quase 200 mil hectares em onze concelhos de quatro distritos – Évora, Lisboa, Santarém e Setúbal. É esta “Zona 10” que está principalmente no centro da controvérsia e da discordância dos municípios.
As medidas de fundo – e de particular extensão e impacto – sobre o território e sobre a sua gestão e ordenamento devem ser consideradas, debatidas e decididas em sede própria. E embora a Lei da Política de Solos preveja o recurso pelo poder central a medidas preventivas de fins específicos como este de um novo aeroporto, a verdade é que estas restrições mais amplas vão muito para além do âmbito de acção que é necessário para os objectivos das medidas preventivas, tal como expressamente definidos no número 1 do Artigo 7.º da Lei da Política de Solos, a saber: «evitar a alteração das circunstâncias e condições existentes que possa comprometer a execução do plano ou empreendimento ou torná-la mais difícil ou onerosa».
O que está em causa é uma área de enorme dimensão, afectando como já se disse onze concelhos em quatro distritos, na qual está interdita, não só a criação de novos núcleos populacionais, nomeadamente turísticos, mas também qualquer operação de loteamento ou obra de urbanização. É interdita a execução de obras de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios, ou outras instalações, incluindo torres e mastros, abrangendo novas instalações ou alterações das já existentes, bem como equipamentos e infra-estruturas de serviços, nomeadamente de energia eléctrica e de telecomunicações.
É ainda interdita a realização de novas operações de loteamento turístico em perímetros urbanos especificamente vocacionadas ao uso turístico, definidos como tal em planos municipais de ordenamento do território. E para além disso, restringe-se e exige-se parecer prévio vinculativo da câmara municipal respectiva, da ANA e do ICNB para a realização de derrube ou plantação de árvores em maciço, ou de retirada do coberto vegetal.
Estamos perante medidas que, pelo seu efeito e extensão, são claramente desproporcionadas e devem ser revistas.
O Governo afirma no preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2010 de 19 de Julho que foram ouvidos os municípios de Alcochete, de Benavente, de Coruche, de Palmela, de Vendas Novas e de Vila Franca de Xira. E acrescenta que foi promovida a audição aos municípios da Moita, do Montijo, de Montemor-o-Novo, de Salvaterra de Magos e de Setúbal. Mas é com toda a legitimidade que se poderá questionar a efectiva utilidade dessas audições, quando é pública a notória a posição assumida (e assumida com particular clareza e firmeza) pela grande maioria senão a quase generalidade dos municípios em causa.
Isso mesmo tem sido expresso, desde logo no âmbito da Associação de Municípios da Região de Setúbal – que recentemente aprovou uma posição pública considerando fundamental rever o diploma que estabelece as Medidas Preventivas – mas também no quadro dos contactos entre as autarquias e as CCDR ou em sede de discussão de planos regionais de ordenamento do território.
Isso mesmo foi evidenciado também na Audição que teve lugar em Alcochete no passado dia 31 de Maio, acerca do Novo Aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete, audição essa realizada no âmbito das Jornadas Parlamentares do PCP, e que contou com o contributo e a reflexão de eleitos do poder local, de técnicos, de associações empresariais e agentes locais do desenvolvimento.
Ao nível dos princípios e da forma de actuação, a verdade é que estamos perante um acto de expropriação de competências e atribuições do Poder Local Democrático, definidas nos termos legais e constitucionais; mas também um acto de suspensão dos instrumentos de planeamento e ordenamento do território com eficácia legal. Tudo isto por intermédio de um decreto que foi agora prorrogado por uma Resolução do Conselho de Ministros – em ambos os casos, diplomas aprovados pelo Governo sem a possibilidade de apreciação parlamentar.
Esta é uma metodologia muito diferente da que foi seguida em relação às medidas preventivas para a localização na Ota, anteriormente apontada como opção para o Novo Aeroporto. Em relação à Ota, as medidas preventivas mantiveram-se em vigor através de prorrogações aprovadas em Leis da Assembleia da República, não por iniciativa de qualquer grupo parlamentar mas sim mediante proposta de lei do Governo, com debate e votação em Plenário. Mas desta vez o Governo não admite tal possibilidade, ao decretar estas medidas por via executiva.
Importa por isso rever o quanto antes este regime e adequá-lo às necessidades, tornando-o justo e equilibrado, instrumento de boa gestão e não factor de iniquidade e perversão de política de uso dos solos.
A questão em apreço é tanto mais importante quanto o Governo anunciou já de forma reiterada a sua intenção de privatizar a empresa ANA Aeroportos. Essa matéria, que justifica e merece um tratamento (e um firme combate) no quadro político, social e económico próprio, suscita todavia o problema concreto das implicações que tal privatização teria no que concerne mesmo às políticas de ordenamento do território, e do poder que seria atribuído a este nível a uma empresa privada.
O Grupo Parlamentar do PCP não defende a revogação do regime de medidas preventivas para o novo aeroporto. Tal como as autarquias têm sublinhado, também nós sublinhamos que é essencial garantir um quadro legal que salvaguarde, ao nível do território, as condições necessárias ao planeamento, execução e operação do NAL, respectivos acessos, e actividades complementares, conexas ou acessórias.
Aliás, também é nosso o entendimento da enorme importância de salvaguardar um desenvolvimento equilibrado do território e o seu correcto ordenamento, face às significativas alterações que ali tenham lugar com a introdução e actividade de múltiplos sectores naquela área. No entanto, como acima sublinhamos, as medidas de fundo nesta matéria têm uma sede própria, como é o caso dos planos regionais de ordenamento do território e designadamente os seus processos de revisão, e não tanto em medidas preventivas deste tipo.
Por isso mesmo, e tendo em conta a forma como as medidas preventivas foram aprovadas pelo Governo, consideramos que a decisão justa e necessária a tomar pela Assembleia da República (ao invés de legislar no sentido da revogação), deve ser a de recomendar ao Governo a revisão das medidas preventivas em causa, incluindo designadamente o levantamento de restrições definidas para a área designada por “Zona 10”, ou ainda a salvaguarda das atribuições e competências dos Municípios, garantindo a participação efectiva destes em todos os procedimentos de decisão presentes e futuros, assim respondendo positivamente às propostas que o Poder Local Democrático tem vindo a defender nesta matéria.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, a implementação das seguintes medidas:
1. A revisão das medidas preventivas nas áreas destinadas à implantação do novo aeroporto de Lisboa, aprovadas pelo Decreto n.º 19/2008, de 1 de Julho e prorrogadas pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2010 de 19 de Julho.
2. A promoção de um processo de audição efectivo, amplo e aprofundado sobre esta matéria, junto dos municípios abrangidos pelo actual quadro de medidas preventivas.
Assembleia da República, em 22 de Julho de 2010