Estamos aqui para nos despedirmos do camarada Jaime Serra, um revolucionário de corpo inteiro, combatente corajoso, firme e decidido que, em muitos e difíceis momentos da vida do nosso Partido e da luta do nosso povo, mas também de outros povos, foi capaz de enfrentar as mais inauditas situações e os maiores perigos, sem por um momento quebrar ou desistir.
Destacado dirigente comunista, resistente antifascista e combatente de Abril, o camarada Jaime Serra, foi um homem de acção que desde muito jovem tomou o partido da luta pela emancipação dos trabalhadores e pela libertação do nosso povo do jugo fascista, pela liberdade e a democracia, por uma sociedade nova, liberta da exploração do homem pelo homem.
O seu percurso de combatente incansável ao serviço dos trabalhadores e do povo é a história de uma vida cheia, tomando em mãos as mais diversificadas e importantes tarefas de direcção política e institucionais, algumas das quais envolvendo enormes riscos e grande responsabilidade, que na sua execução revelam o homem de fibra, nervos de aço e profundas convicções de revolucionário comunista.
Neste triste e comovido último adeus ao camarada Jaime Serra, aqui queremos mais uma vez dirigir aos seus 4 filhos, netos e bisnetos e restante família que tanto amou e soube manter junto, aliando sempre com sabedoria a sua opção de revolucionário com a felicidade da família, a mais sentida solidariedade do nosso Partido e do seu colectivo para com a sua dor.
Nascido a 22 de Janeiro de 1921, em Alcântara, Lisboa, Jaime Serra foi forçado a abandonar os estudos e a trabalhar para ajudar a sustentar a família de quatro irmãos. Com 12 anos, vai trabalhar como servente na construção das novas oficinas dos caminhos-de-ferro no Barreiro e pernoitar nos estaleiros da obra.
Jaime Serra cedo tomou o seu lugar na luta dos trabalhadores contra a exploração, pelo direito a uma vida digna e vivida em dignidade, como homens livres que queriam ser, numa época ao mesmo tempo dramática e exaltante.
Dramática, porque o fascismo mostrava as suas garras, sucedendo-se os actos de perseguição e violência sobre o movimento operário e seus dirigentes e activistas. Exaltante, porque estes eram então tempos de um intenso e duro combate, de intensa actividade reivindicativa e revolucionária, de uma esclarecida acção sindical e política.
Como ele próprio confirmou o seu primeiro “baptismo de fogo” acontece após a jornada de luta de 18 de Janeiro de 1934 e na sequência da prisão de um sindicalista das oficinas da CP, numa paralisação em sua defesa e na qual se envolve participando e mobilizando.
Em Janeiro de 1937, com apenas 15 anos, foi preso pela primeira vez. A partir de 1940 integra a célula do PCP no Arsenal do Alfeite, tendo sido responsável pela célula e sucessivamente da direcção do sector das Construções Navais de Lisboa.
Participou na direcção da greve das Construções Navais de Lisboa, em Abril de 1947, passando à clandestinidade em Setembro desse ano, com a sua mulher Laura e a pequena filha Maria Armanda.
Após ter passado à clandestinidade, como funcionário do PCP, integrou o Comité Local de Lisboa, em 1951 a Direcção do Norte, em 1952 a Direcção de Lisboa. Em 1952 é membro do Comité Central e posteriormente do seu Secretariado.
Entre 1947 e 1958 foi preso por três vezes e por três vezes conseguiu fugir das cadeias fascistas, para além de outras tentativas falhadas.
A quarta e última prisão ocorreu em Dezembro de 1958 e a última fuga é a histórica fuga da Fortaleza de Peniche em 3 de Janeiro de 1960, tendo desempenhado responsabilidades na sua preparação, organização e direcção no interior da cadeia com Joaquim Gomes e Álvaro Cunhal.
Entre prisões e fugas, Jaime Serra, participa na dinamização dos combates eleitorais para a Presidência da República que o regime fascista transformou sempre em farsa e burla eleitoral. Assim foi nas candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado. Num quadro de repressão brutal que atinge o Partido, continuará dedicado a esse incessante trabalho de criar e concretizar células de empresa, aprofundar a ligação às massas e dinamizar a luta.
Estará na organização do V Congresso do PCP, em 1957, onde proferiu intervenção sobre a questão colonial que serviu de base à Declaração aprovada pelo Congresso em que se afirma o reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias à imediata e completa independência.
Em Junho de 1962 teve destacado papel na direcção, organização e transporte (onde participou directamente) por via marítima entre Lisboa e o Norte de África, para a saída clandestina de Portugal de Agostinho Neto e Vasco Cabral, grande iniciativa de solidariedade internacionalista do PCP.
Entre 1971 e 1974 assumiu responsabilidades pela organização e direcção da ARA – Acção Revolucionária Armada. O crescente desenvolvimento da luta da classe operária e dos trabalhadores, as acções da ARA vão contribuir para aprofundar a crise do regime fascista e acelerar a acção revolucionária dos militares de Abril.
Jaime Serra foi um homem que nunca vacilou nas suas fortes convicções e o regime fascista que oprimiu o nosso povo durante décadas não foi capaz de o vergar, apesar das contínuas e prolongadas sessões de tortura físicas e psicológicas, das sucessivas prisões, retomando sempre a cada evasão a linha da frente do nosso colectivo combate que haveria nessa madrugada de Abril de 1974 resgatar a liberdade e iniciar um caminho novo, ainda inacabado, de fraternidade, justiça e progresso, numa sociedade nova que queremos e não desistimos de alcançar.
Após a Revolução de Abril de 1974 desempenhou as mais variadas responsabilidades enquanto membro da Comissão Política do Comité Central.
Com a Revolução de Abril em marcha, Jaime Serra desenvolverá uma multifacetada intervenção no plano partidário, dando o seu contributo nas batalhas em defesa da Revolução nascente.
Uma intensa actividade que exercerá em todas as fases da edificação da democracia, dando uma activa contribuição para as grandes transformações democráticas e para as grandes conquistas e depois na luta de resistência à ofensiva de recuperação capitalista e monopolista contra Abril promovida por Governos de PS, PSD e CDS.
Jaime Serra participa em todos os grandes acontecimentos do processo revolucionário, lutando pelo reforço do Partido, em defesa da aliança Povo-MFA, na dinamização da acção de massas, intervindo na batalha ideológica, na construção da unidade e convergência de todas as camadas não monopolistas e na acção institucional.
Jaime Serra foi deputado à Assembleia Constituinte e participa no processo de elaboração da Constituição da República Portuguesa. Nela ficou inscrita a identidade da Revolução de Abril, das suas conquistas e das suas aspirações de progresso, democracia, desenvolvimento e soberania.
Foi posteriormente deputado à Assembleia da República pelos distritos de Setúbal e Coimbra até 1983.
Toda uma actividade que combina com uma intensa intervenção e acção partidária. Jaime Serra foi membro do Comité Central do PCP durante 36 anos desde 1952 a 1988. Foi membro do Secretariado do CC de 1956 a 1958, da sua Comissão Executiva de 1963 a 1970, da Comissão Política do CC alguns anos na clandestinidade e do 25 de Abril até 1988. Entre 1988 a 1996 foi membro da Comissão Central de Controlo e Quadros e posteriormente da Comissão Central de Controlo.
Deixa-nos ainda editadas obras, onde inscreve a experiência e vivência própria da luta e actividade política e partidária, editadas pelas Edições «Avante!» - “Eles têm o direito de saber”, “As explosões que abalaram o fascismo”, “O abalo do poder” e “12 Fugas das Prisões de Salazar”.
A vida de Jaime Serra e a sua conduta de corajoso e firme revolucionário é fonte inspiradora para as gerações futuras, porque Jaime Serra apresentou-se sempre, fosse em que condições fosse, disposto a lutar, sempre e sempre com aquela confiança dos que têm firmes convicções na justeza dos ideais que abraçou e aos quais deu sempre o melhor da sua vida de revolucionário.
O seu percurso está ligado e tem a marca da história ímpar de um Partido que, com outros, ajudou a construir, através de um exaltante património de intervenção e de luta ao longo de 100 anos.
Este Partido centenário a quem declararam já mil vezes a sua morte e que mil vezes surgiu renovado, determinado e convicto encabeçando a luta dos trabalhadores e do povo.
Este Partido que continua de pé, determinado, confiante e combativo a olhar e a caminhar para a frente, consciente dos perigos e dos tempos difíceis que se apresentam, mas não perdendo de vista a linha de horizonte, nem o percurso que temos de percorrer com as nossas forças e a força da nossa convicção, transportando o nosso projecto transformador e emancipador.
Nós sabemos bem, porque é que este Partido Comunista que conta com 100 anos de vida e um trajecto com uma história heroica e ímpar na sociedade portuguesa chegou até aqui com a vitalidade que a sua acção e intervenção expressa na vida nacional dos nossos dias. Foi com o contributo de homens como Jaime Serra, que em momento algum se deixaram intimidar e tudo enfrentaram com tenacidade e muita coragem!
O camarada Jaime Serra deixou de estar entre nós, mas o seu percurso de vida, o seu exemplo de militante e dirigente do PCP perdurará em todos e em cada um de nós para prosseguirmos a luta de emancipação dos trabalhadores e dos povos que o animou.
Sim, o Partido Comunista Português que sempre honraste e ajudaste a construir com uma longa e dedicada militância para servir os trabalhadores, o nosso povo, a nossa luta pela liberdade, a democracia e o socialismo não te esquecerá!
Até sempre, camarada!