Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Não há democracia plena sem cultura. Na ótica do PCP, a democracia tem quatro vertentes inseparáveis: política, económica, social e cultural, baseando-se esta última no efetivo acesso de todos à criação e à fruição da cultura e no apoio e na liberdade de produção cultural. No entanto, o caminho trilhado em termos governativos nos últimos anos foi o inverso desta perspetiva.
A política de desresponsabilização do Estado, de asfixia financeira, de esvaziamento e de subalternização da cultura vivida, particularmente, durante o último Governo PSD/CDS foi pautada por uma orientação antidemocrática com consequências trágicas.
A saber: o investimento público em cultura caiu a pique; o tristemente célebre Orçamento do Estado mais baixo de sempre para esta área, no ano de 2015; a barafunda orgânica; os cortes reconhecidos pelo então secretário de Estado Barreto Xavier nos apoios às artes; os contínuos atrasos nos concursos e as mudanças de regras a meio do jogo; a excessiva burocracia e a falta de flexibilidade e diálogo.
Mais: a imposição de uma nova língua — o «plataformês» — a quem queria tentar aceder aos apoios; os programas, festivais, espetáculos que foram cancelados e companhias que tiveram de fechar portas; a falta de apoio à criação literária; a grave situação nos arquivos; os problemas laborais que podiam ter sido resolvidos em relação aos bailarinos, nomeadamente da Companhia Nacional de Bailado, e não foram.
Mais, ainda: os museus, palácios e monumentos nacionais que, sem a contratação de novos trabalhadores e com a reforma de muitos dos seus quadros, vão perdendo a capacidade de «passagem do testemunho» e salvaguarda do conhecimento; a tutela do património cultural enfraquecida e esvaziada de meios humanos e materiais, com evidentes dificuldades de intervenção no terreno; o património que se foi degradando, fruto da incúria de décadas, e que ficou ao abandono ou, pior ainda, foi vendido a pataco; o desemprego; e o flagelo da precariedade.
Sim, Sr.as e Srs. Deputados, temos de falar forçosamente da situação ultraprecária das gentes da cultura, numa realidade em que o fenómeno dos recibos verdes grassa e em que o direito ao futuro se encontra severamente ameaçado.
Cultura é trabalho! E trabalho tem de ser trabalho com direitos!
É preciso dar resposta aos problemas sociolaborais que afetam todos os que trabalham em cultura. É preciso valorizar o trabalho na cultura pela implementação de políticas que eliminem a precariedade nas relações de trabalho e que promovam a participação dos trabalhadores na definição das políticas que lhes digam respeito. Só nos últimos 15 dias, pelo menos, três estruturas sindicais representativas de trabalhadores da área da cultura vieram a público reivindicar melhores condições laborais e mais investimento no sector.
Esta é uma questão real sentida por muita gente e, desde já, saudamos a luta contra esta autêntica «travessia do deserto» dos últimos quatro anos em todos os campos da vida que afetou desastrosamente também a cultura.
O cenário é negro e o filme podia continuar. Mas é preciso que pare. É urgente virar o disco e mudar a música. É forçoso dar um sinal de que a política para a cultura vai mudar, pois essa foi a vontade dos portugueses manifestada no último ato eleitoral, que conduziu a uma nova correlação de forças na Assembleia da República.
As esferas da cultura constituem, e têm de constituir, grandes questões sociais e nacionais. Há todo um atraso neste campo que é preciso superar, sendo necessário gizar uma atuação política que acabe com o subfinanciamento crónico das atividades culturais; que invista nos apoios centrais à democratização da cultura; que combata a burocratização das estruturas e dos procedimentos; que rejeite a mercantilização da cultura, a mercadorização dos bens culturais, a elitização e a privatização; que olhe para a cultura de uma forma estratégica, cuidando das conexões e das sinergias entre ministérios e serviços que lidam com estas esferas da cultura.
Sr.as e Srs. Deputados, é preciso desfazer de vez o mito da subsidiodependência, este palavrão sempre catapultado em alturas de discussão da necessidade de maior apoio à cultura e ir ao cerne da questão. Investir na cultura é plantar uma semente de futuro, é dar cumprimento à demanda consagrada na Constituição da República Portuguesa, que determina caber ao Estado a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e à criação culturais.
O que temos aqui de falar é de serviço público de cultura, o que fazer para o estruturar e para que constitua um instrumento de transformação, de emancipação, de liberdade. Há que refletir e avançar com uma estratégia coerente que garanta o acesso generalizado à experiência da criação e fruição cultural e artística em todo o território nacional, dando especial relevância à vertente do acesso às formas, meios e instrumentos de criação.
Para isto, é fundamental passar do paradigma caduco do secretário sem secretaria ou do ministério de tudo e mais alguma coisa, só para dizer que existe, para o do ministério verdadeiramente digno desse nome, ou seja, dotado dos devidos meios orçamentais, técnicos, políticos e humanos que almeje, de facto, dar cumprimento à norma constitucional de democratização da cultura.
São cada vez mais as vozes que se levantam em protesto contra a política que foi seguida, nomeadamente, por PSD e por CDS, vozes que se organizam para defender a cultura, batalhando, entre outras coisas, para que se coloque em cima da mesa a discussão da meta de 1% para a cultura. Temos de falar nela e de começar a dar passos nessa direção.
Esta não é uma ideia que vem do espaço sideral, vem de uma recomendação da UNESCO para países com um índice de desenvolvimento semelhante ao de Portugal e constitui o limiar mínimo de dignidade para o desenvolvimento da arte e da cultura. Enquanto ficarmos abaixo desta meta estaremos sempre, sempre, a correr atrás do prejuízo. O preço que pagamos pela destruição causada pelo desinvestimento sistemático na cultura é tremendamente elevado. A austeridade na cultura não só destrói o que existe, destrói o que fica impedido de existir. Destrói o imenso potencial transformador, inovador e criador da cultura, sem o qual não há desenvolvimento nem progresso democrático. Está na hora de dar sinais claros de que este rumo vai ser alterado.
(…)
Sr. Presidente,
Começo por responder ao Sr. Deputado Pedro Pimpão.
Sr. Deputado, os senhores andam-nos aqui a enganar? É que o então secretário de Estado da Cultura disse que era o Orçamento do Estado mais baixo de sempre e os senhores andam-nos aqui a dizer que a cultura está de ótima saúde? Não está! De acordo com o disse o Sr. Deputado Jorge Campos, do Bloco de Esquerda, se alguma coisa está viva foi com imenso sacrifício, um tremendo sacrifício e muitas vezes à conta de situações de grande precariedade e de grande dificuldade de sobrevivência. E isso não é uma definição de serviço público de cultura; isso é um ataque à cultura, é a destruição da cultura, que os senhores escolheram.
Este não é um caminho para se seguir — esta é que é a questão. O caminho que os senhores escolheram foi o caminho da destruição da cultura.
Sobre a questão que a Sr.ª Deputada do CDS Teresa Caeiro colocou há pouco, relativamente às nossas cinco prioridades, posso recomendar-lhe a leitura do nosso programa eleitoral, pois tem lá todas as nossas prioridades bem definidas e elencadas, e pode lê-las com toda a atenção.
Mas há aqui uma questão fundamental, que é esta: quando nos pede para desmascarar a questão da subsidiodependência,…
Parece que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro não está a ouvir a resposta, mas, de qualquer modo, vou continuar.
Como dizia, quando a Sr.ª Deputada nos pede para desmascarar a questão da subsidiodependência, nós respondemos-lhe com a questão do serviço público. Esta é a questão fundamental. O serviço público é o que interessa. É pena que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro não estivesse a prestar atenção, mas o que defendemos é a lógica do serviço público.
Quanto à Sr.ª Deputada Gabriela Canavilhas, estamos muito de acordo em relação a toda a uma política errática numa série de assuntos. E, como bem referiu, a questão do Museu dos Coches é perfeitamente escandalosa.
De facto, trata-se de um Museu sem qualquer projeto, com imensas deficiências e dificuldades de funcionamento relatadas pelos funcionários. Enfim, é um projeto sem pés nem cabeça, aberto, digamos, «à martelada».
Em relação à coleção Miró, o PCP sempre acompanhou de perto esta situação. Fizemos perguntas ao anterior Governo relativamente a este assunto, com muita insistência; já nesta Legislatura, voltámos a questionar o que se estava a passar em relação a isto; e, sim, continuaremos a acompanhar esta situação.
Por fim, Sr. Deputado Pedro Pimpão, nós aqui não mandamos recados a ninguém.
O que aqui fazemos é afirmar a nossa posição política. Não mandamos recados! Não precisamos! Falamos de igual para igual com quem temos de falar, e acabou.