Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"A permanência do actual governo e o prosseguimento da sua política põe em causa o futuro do País"

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Senhora Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e senhores Deputados

São hoje mais e mais fortes as razões que levaram o PCP a decidir sobre a apresentação de uma nova Moção de Censura ao Governo.

São hoje mais e mais fortes os motivos para que seja considerada como a mais necessária e democrática solução para dar uma outra resposta aos graves problemas que o País enfrenta - a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas.

Há muito que a necessidade de travar o caminho de desastre económico e social a que o atual Governo está a conduzir o País o exigia e justificava. Hoje o agravamento dos principais problemas, o avolumar dos dramas e da tragédia social e a perspetiva da sua persistência por longos anos, tornou essa necessidade mais imperiosa.

Há muito que se tornou evidente que o atual governo está isolado política e socialmente pela luta dos trabalhadores e do povo e segue com uma política ao arrepio da vontade popular, num manifesto desprezo pelos seus interesses e pelo País. Hoje não só se ampliou esse isolamento, como há no País um generalizado sentimento de repulsa em relação a um governo e a uma política cujo único propósito é o de intensificar o rumo de exploração, empobrecimento e desastre nacional que tem vindo a ser concretizado.

Há muito que o Governo tinha perdido a sua legitimidade política, pela rutura com os seus compromissos eleitorais e, particularmente por uma prática governativa em obstinado e reiterado confronto com a Constituição da República Portuguesa. Hoje soma-se a ilegitimidade democrática que resulta da drástica diminuição da sua base eleitoral, bem patente na profunda derrota que o povo português infligiu à maioria que suporta o Governo.

A clamorosa derrota sofrida por PSD e CDS-PP nas eleições para o Parlamento Europeu do passado dia 25 de Maio – o pior resultado desde 1975 - representa uma poderosa manifestação de vontade do povo português em interromper este caminho de desastre e não há encenação própria ou alheia que possa disfarçar tal derrota e tal facto.

Uma severa derrota, perante a qual a Assembleia da República não pode permanecer alheia, porque ela demonstra com total clareza uma ampla censura popular a este governo e à sua política. Uma censura a que esta iniciativa do PCP que hoje debatemos pretende dar tradução institucional.

Uma censura a um governo e a uma política de catástrofe económica e social que fazem do período de vigência do XIX Governo Constitucional o tempo mais negro da vida democrática no nosso país.
Isso é bem visível no rasto de violência e drama até hoje deixado na vida dos portugueses, na sua acção destruidora de vidas e recursos.

Um rasto de violência, destruição e drama que é resultado da aplicação de um Pacto de Agressão imposto pela troika nacional e estrangeira, das próprias opções políticas deste governo do PSD-CDS-PP e das orientações e opções políticas de uma União Europeia que, no seu conjunto, consubstancia um vasto programa ao serviço do grande capital nacional e transnacional e do diretório de potências da União Europeia.

Um rasto de violência, destruição e drama que se expressa numa galopante aniquilação do tecido produtivo que conduziu milhares de empresas à falência, quase 100 mil; no desemprego brutal e massivo, mais de 670 mil desempregados e 470 mil empregos destruídos nestes últimos três anos; na emigração diária de milhares de portugueses, mais de 200 mil neste período; no aumento da exploração do trabalho; num acelerado processo de empobrecimento de milhões de portugueses; no alastramento da pobreza, mais 600 mil novos pobres; a violação dos direitos constitucionais mais elementares, seja nas leis de trabalho, seja na garantia do direito à saúde, à segurança social e à educação.

Uma obra de destruição que conduziu a um aumento desmesurado da dívida e dos seus encargos.

Tudo para garantir pacotes milionários de apoio à banca e assegurar milhares de milhões de euros aos que especulam com a dívida portuguesa. Tudo para manter privilégios ao grande capital, como o testemunha o escandaloso volume de benefícios fiscais concedidos e a redução de impostos sobre os rendimentos de capital.

Portugal é hoje inquestionavelmente, ao contrário do que afirma a propaganda do governo, um país mais frágil, mais pobre, mais dependente e também mais desigual e injusto e pior ficará a manter-se este Governo e a sua política.

É esta a verdadeira situação do País e não a mistificada realidade que a propaganda governamental constrói e que anuncia “milagres económicos” para iludir as consequências concretas na vida de milhões de portugueses de uma política de empobrecimento do povo e ruína do País.

Uma política que este governo pretende continuar a coberto da fantasiosa historieta da “saída limpa” e, que tem, ela também, por objetivo iludir a existência de um projeto que visa manter o País amarrado a uma situação de subalternidade e dependência, quer pela via da extensão de novos compromissos com a troika estrangeira, quer pela via de outros instrumentos de dominação da União Europeia, designadamente por via do Tratado Orçamental que PSD, CDS e PS aprovaram, apoiam e ambicionam utilizar para perpetuar a mesma política que nos conduziu à crise.

A ameaça da eternização desta política de destruição das condições de vida de milhões de portugueses é real e, só por si, justificaria esta nossa iniciativa e a consideração da demissão do governo e a convocação das eleições.

Uma demissão tanto mais imperiosa quanto, para lá da cortina de propaganda, o País continua hoje a afundar-se sob o peso de uma dívida insustentável que atinge agora 132,4% do PIB e, em particular, o regresso a novas quebras da economia no último trimestre (de 0.7% em cadeia) e que confirmam que o atual rumo só pode conduzir ao abismo económico e social.

É essa perspetiva de afundamento nacional e de regressão económica e social que se apresenta para o futuro dos próximos 25 anos a manterem-se as atuais orientações e a política de submissão perante a troika, os mercados financeiros e os ditames da política monetária e orçamental da União Europeia. Mais 25 anos de contínuo empobrecimento, como já o tem admitido o próprio Presidente da República e como o indicia e explicitam as recentes decisões do governo, seja na “estratégia de médio prazo” aprovada pelo governo, seja no Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, seja no chamado Guião para a Reforma do Estado.

Hoje, mais do que nunca é a permanência do atual governo e o prosseguimento da sua política de submissão que põe em causa o futuro do País.

Não há campanha de mistificação que possa ocultar o caminho de perpétua condenação do país à dependência e do povo ao empobrecimento que este governo pretende impor.

Um caminho que passa por tornar definitivos os cortes dos salários, pensões e apoios sociais que apresentaram como temporário; pela imposição de mais impostos sobre os trabalhadores e o povo (de que é exemplo o aumento da TSU e do IVA); pela imposição de um modelo económico assente em baixos salários e no trabalho precário; por novas alterações para pior às leis laborais (facilitação dos despedimentos e fragilização da contratação coletiva).

Que passa pelo ataque ao direito à reforma com a sua nova Contra-Reforma do sistema de pensões; pelo ataque aos serviços públicos e às funções sociais do Estado.

Que passa pelo estrangulamento da atividade dos pequenos e médios empresários e dos pequenos e médios agricultores; pela alteração à Lei dos Baldios; pela alienação da capacidade produtiva nacional e pela transferência para o grande capital nacional e transnacional de empresas e sectores estratégicos, no quadro de um crescimento económico quando muito residual e de uma taxa de desemprego insuportável.

Portugal e o povo português estão a braços com um Governo que, assumindo uma política de subversão do regime democrático e de confronto com a Constituição da República Portuguesa e de chantagem perante o Tribunal Constitucional, põe em causa o regular funcionamento das instituições democráticas.

A apresentação da presente Moção de Censura ao Governo assenta na nossa profunda convicção que Portugal não está condenado à ruína e à dependência. Que é possível assegurar com outra política a soberania e a independência do país e o seu desenvolvimento, capaz de assegurar a elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

Uma outra política que exige a rutura com a política de direita em Portugal e com os eixos fundamentais do processo de integração capitalista europeu.

Uma rutura que urge e que se impõe como um imperativo e uma condição para abrir o caminho à construção de uma verdadeira política alternativa e construir a verdadeira alternativa, patriótica e de esquerda que o País precisa.

Uma política que, afirmando os interesses do povo e do País e a decisão soberana do povo português, se baseie em seis opções fundamentais nas quais se incluem, entre outras: - a renegociação da dívida; a defesa e o aumento da produção nacional, a recuperação para o Estado dos sectores estratégicos indispensáveis ao apoio à economia; a valorização efectiva dos salários e pensões e o explícito compromisso de reposição de salários, rendimentos e direitos sujeitos ao saque!

Uma política patriótica e de esquerda que retome os valores de Abril e dê cumprimento ao projeto de progresso e justiça social que a Constituição da República Portuguesa consagra.

Certos que esta Moção de Censura traduz o sentimento popular de rejeição da política de direita e do Governo que a executa e corresponde à exigência de uma política patriótica e de esquerda, necessária a um futuro de progresso e desenvolvimento do país, aqui mais uma vez reafirmamos que não há soluções que se imponham para todo sempre contra a vontade dos povos. Não há soluções que resistam à sua continuada e persistente luta.

Disso podem estar certos, seja qual for o desfecho final deste debate e da votação desta Moção e seja qual for a decisão do Presidente da República! Esta maioria já só existe aqui! Já não existe no País!

Disse.