Aprovado na reunião do Comité Central de 22 e 23 de Setembro de 2012
As palavras ou frases assinaladas no texto a negrito e nos títulos a sublinhado constituem propostas de alteração ao Programa do PCP em vigor, aprovadas na reunião do Comité Central de 22 e 23 de Setembro de 2012.
Introdução
1. O Partido Comunista Português, partido político da classe operária e de todos os trabalhadores, inteiramente ao serviço do povo português e de Portugal, tem como objectivos supremos a construção do socialismo e do comunismo – de uma sociedade nova liberta da exploração do homem pelo homem, da opressão, desigualdades, injustiças e flagelos sociais, sociedade em que o desenvolvimento das forças produtivas, o progresso científico e tecnológico e o aprofundamento da democracia económica, social, política e cultural assegurarão aos trabalhadores e ao povo liberdade, igualdade, elevadas condições de vida, cultura, um ambiente ecologicamente equilibrado e respeito pela pessoa humana.
2. Inspirada pelos seus supremos objectivos, a história do PCP desde a sua fundação, em 6 de Março de 1921, está marcada através dos anos por provas sem paralelo de dedicação, coragem e heroísmo de gerações de militantes numa luta constante e consequente em defesa dos interesses da classe operária e de todos trabalhadores, do povo português e de Portugal, uma luta pela liberdade, a democracia, o progresso social, a cultura, a paz, a independência e a soberania nacionais, e de solidariedade com a causa da emancipação social e política dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.
Com expressões e objectivos concretos imediatos diferenciados, segundo os problemas e as condições existentes, com desenvolvimentos que a evolução do mundo e a experiência vão exigindo, estes são valores permanentes da acção do PCP durante os 48 anos de ditadura fascista, no processo da revolução de Abril, ao longo do ulterior processo contra-revolucionário e na sua luta presente voltada para o futuro. São valores válidos para um largo período histórico, integrando o Programa de uma democracia avançada – os valores de Abril no futuro de Portugal que o PCP propõe ao povo português e integrando igualmente, com novos desenvolvimentos e aprofundamento, o projecto da sociedade socialista do futuro.
A luta com objectivos imediatos e a luta por uma democracia avançada são parte constitutiva da luta pelo socialismo.
3. Os objectivos da luta do PCP correspondem a interesses fundamentais da maioria esmagadora da população portuguesa. A classe operária, cuja composição se modifica e se diversifica com a evolução do capitalismo e a revolução científica e tecnológica, confirma com a luta o seu papel de força social determinante no processo de transformação democrática e progressista da sociedade.
A concretização da democracia avançada proposta pelo PCP é objectivamente do interesse de todos os trabalhadores, dos pequenos e médios agricultores, dos intelectuais, dos quadros técnicos, dos pequenos e médios empresários do comércio, da indústria e dos serviços, dos artesãos e também dos reformados, dos deficientes, das mulheres e da juventude como forças sociais com situações, problemas, aspirações e objectivos específicos. Desta realidade e arrumação de forças decorre o sistema de alianças sociais no qual são alianças básicas a aliança da classe operária com o campesinato (pequenos e médios agricultores) e a aliança da classe operária com os intelectuais e outras camadas intermédias.
O sistema de alianças político-partidárias abrange de forma diferenciada todos os movimentos, organizações e partidos que, nos seus objectivos e na sua prática, defendam os interesses e aspirações das classes e forças sociais participantes no sistema de alianças sociais.
O crescente domínio estrangeiro sobre a economia portuguesa e a subalternização dos interesses portugueses a interesses estrangeiros no quadro da restauração dos monopólios e da integração capitalista europeia criam condições susceptíveis de alargar ainda mais as alianças sociais e político-partidárias com objectivos concretos, mesmo que de natureza conjuntural.
Do sistema de alianças decorre a política do PCP no sentido da unidade da classe operária e de todos os trabalhadores, da unidade ou convergência das classes e movimentos sociais antimonopolistas, da unidade ou convergência de acção das forças democráticas e patrióticas.
4. Respondendo criativamente com propostas, soluções e luta às realidades e às mudanças, o PCP confirma, renova e reforça a sua identidade própria. Como partido da classe operária e de todos os trabalhadores estreitamente ligado às massas. Como partido que luta por uma sociedade socialista. Como partido que tem como base teórica o marxismo-leninismo, materialista e dialéctico, necessariamente criativo. Como partido com princípios e prática de profunda democracia interna e de unidade de orientação e acção adquiridos no desenvolvimento próprio do centralismo democrático. Como partido patriótico que é simultaneamente um partido internacionalista, solidário e cooperante com a luta dos trabalhadores e dos povos dos outros países, com os comunistas e outras forças revolucionárias e progressistas do mundo.
5. Na afirmação dos interesses dos trabalhadores do povo e do País, na defesa e aprofundamento do regime democrático, na luta por uma sociedade nova libertada da exploração do homem pelo homem, o PCP desempenha na sociedade portuguesa um papel necessário, indispensável e insubstituível.
I
A Revolução de Abril
realização histórica do povo português
A revolução de Abril constitui um dos mais importantes acontecimentos nos oito séculos da história de Portugal.
A revolução de Abril constitui uma realização da vontade do povo, uma afirmação de liberdade, de emancipação social e de independência nacional.
A revolução de Abril, culminando uma longa e heróica luta da classe operária, dos trabalhadores, das massas populares e das forças democráticas, pôs fim a 48 anos de ditadura fascista, pôs fim à guerra colonial reconhecendo aos povos em luta, há séculos submetidos ao colonialismo português, o direito à completa e imediata independência, alterou profundamente o enquadramento de Portugal na cena internacional e realizou profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que constituem componentes de um sistema e de um regime que abriram na vida do País a perspectiva de um novo período da história marcado pela liberdade e pelo progresso social.
Revoluções tão profundas não se resumem a um acto revolucionário nem se consumam num curto período. Constituem um processo mais ou menos demorado e acidentado, que pode conhecer regressões e exige desenvolvimentos inovadores.
A revolução de Abril foi uma revolução inacabada. Apesar das suas aquisições históricas, muitas das suas principais conquistas foram destruídas. Outras, embora enfraquecidas e ameaçadas, continuam presentes na vida nacional. Todas são referências e valores essenciais no presente e no futuro democrático e independente de Portugal.
A ditadura fascista
1. Os quarenta e oito anos de ditadura fascista constituem um dos períodos mais sombrios da história de Portugal.
A ditadura fascista criou um Estado totalitário e um monstruoso aparelho policial de espionagem e repressão políticas que actuava em todos os sectores da vida nacional, privando o povo português dos mais elementares direitos e liberdades.
A história da ditadura é uma história de perseguições, de prisões, de torturas, de condenações, de assassinatos daqueles que ousavam defender os direitos do povo, protestar, lutar pela liberdade e por melhores condições de vida e de trabalho.
Utilizando a força coerciva do Estado, a ditadura fascista impulsionou a centralização e a concentração de capitais, a formação de grupos monopolistas que se tornaram donos e dirigentes de todos os sectores fundamentais da economia nacional, acumulando grandes fortunas assentes na sobre exploração, nas privações, na miséria e na opressão do povo português e dos povos das colónias portuguesas.
A ditadura fascista impôs aos trabalhadores formas brutais de exploração, sacrificou gerações de jovens em treze anos de guerras coloniais, forçou centenas de milhar de portugueses à emigração, agravou as discriminações das mulheres e dos jovens, a subalimentação de grande parte da população, o obscurantismo, o analfabetismo, a degradação moral da sociedade.
Defendendo os interesses dos latifundiários e de outros grandes proprietários rurais, a ditadura fascista acelerou o processo de concentração da propriedade agrícola, acentuou o carácter obsoleto das estruturas agrárias, condenando a agricultura portuguesa ao atraso e à estagnação e os trabalhadores agrícolas e os pequenos e médios agricultores a uma vida de miséria e dificuldades.
A ditadura fascista agudizou as brutais condições de exploração dos povos das colónias portuguesas, negando-lhes os mais elementares direitos, pilhando as riquezas naturais, abafando com o terror quaisquer reclamações e sentimentos nacionais e, finalmente, desencadeando guerras coloniais quando os povos se ergueram em luta na defesa dos seus justos direitos e pela conquista da sua independência.
A ditadura fascista agravou ainda mais os laços de dependência de Portugal em relação ao imperialismo sobretudo depois do início das guerras coloniais e, a troco do apoio externo ao regime, promoveu a associação dos grupos monopolistas portugueses com os monopólios estrangeiros e entregou ao imperialismo sectores da economia que este ainda não dominava.
A ditadura fascista realizou uma política externa de conluio com os regimes mais reaccionários, de apoio directo à sublevação fascista em Espanha, de cooperação com a Alemanha nazi e a Itália fascista, de concessões militares que levaram ao estabelecimento de bases estrangeiras no território português, de subserviência ante as grandes potências imperialistas e de alinhamento com a política de guerra dos seus círculos mais agressivos e reaccionários, de ódio e apelo à agressão contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e outros países socialistas.
2. Conforme definiu o Programa do PCP, aprovado no VI Congresso realizado clandestinamente em 1965, o regime fascista foi uma ditadura terrorista dos monopólios (associados ao imperialismo) e dos latifundiários – ditadura frontalmente contrária aos interesses do povo português e de Portugal.
A natureza de classe da ditadura fascista e as características específicas das estruturas socioeconómicas e das classes sociais, o facto de, em Portugal, um ritmo lento de desenvolvimento das forças produtivas coexistir com um elevado grau de desenvolvimento das relações de produção capitalistas, e também o facto de Portugal ser simultaneamente um país colonialista e um país dominado pelo imperialismo – tornaram inseparáveis o objectivo do derrubamento da ditadura fascista e da instauração da democracia política e os objectivos da transformação revolucionária das estruturas económicas, sociais e culturais e da defesa da soberania e independência nacionais.
O Programa do PCP para a revolução democrática e nacional
1. Na base da análise da realidade nacional, o PCP, no seu Programa aprovado nove anos antes do 25 de Abril de 1974, definiu a natureza e objectivos fundamentais da revolução antifascista – uma revolução democrática e nacional.
«Democrática», proclamava o Programa, «porque acabará com a tirania fascista, instaurará a liberdade política, porá termo ao domínio da oligarquia financeira, defenderá os interesses populares, realizará uma série de profundas reformas que beneficiarão a maioria esmagadora da população portuguesa».
«Nacional» – «porque, acabando com o domínio imperialista em Portugal e o domínio colonialista de Portugal sobre outros povos, assegurará a soberania, a integridade territorial e a verdadeira independência do País».
2. O Programa do PCP para a revolução democrática e nacional constava de oito pontos ou objectivos fundamentais:
1º – Destruir o Estado fascista e instaurar um regime democrático;
2º – Liquidar o poder dos monopólios e promover o desenvolvimento económico geral;
3º – Realizar a Reforma Agrária, entregando a terra a quem a trabalha;
4º – Elevar o nível de vida das classes trabalhadoras e do povo em geral;
5º – Democratizar a instrução e a cultura;
6º – Libertar Portugal do imperialismo;
7º – Reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência;
8º – Seguir uma política de paz e amizade com todos os povos.
3. O Programa sublinhava a interdependência destes objectivos e afirmava que sem a realização de todos eles a revolução democrática e nacional não estaria acabada e não estaria assegurado o desenvolvimento económico e independente da sociedade portuguesa.
A revolução de Abril, no seu desenvolvimento, comprovou o acerto desta prevenção.
A revolução de Abril
1. A revolução de Abril – desencadeada pelo heróico levantamento militar do MFA (Movimento das Forças Armadas), logo seguido por um levantamento popular – confirmou que os objectivos fundamentais da revolução democrática e nacional definidos pelo PCP correspondiam, não apenas a condições objectivas da sociedade portuguesa e a necessidades do desenvolvimento económico, do progresso social e do melhoramento das condições de vida da população, mas também à vontade do povo português.
No processo que se desenvolveu em 1974-1975 e que conduziu à fundação e instituição do regime democrático consagrado na Constituição da República aprovada em 2 de Abril de 1976 pela Assembleia Constituinte e promulgada na mesma data pelo Presidente da República, a revolução de Abril transformou profundamente a realidade nacional e o posicionamento de Portugal no mundo.
2. A revolução de Abril:
– instaurou liberdades democráticas fundamentais e direitos básicos dos cidadãos;
– instaurou a liberdade sindical e o direito de organização dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho, o direito de contratação e negociação colectivas, o direito à greve, o controlo de gestão, o direito de participação das associações sindicais na gestão da segurança social e na elaboração da legislação do trabalho;
– pôs fim à guerra colonial e deu uma contribuição directa para a independência de povos secularmente submetidos ao colonialismo português, criando condições historicamente únicas para o desenvolvimento de relações de amizade e cooperação com esses povos;
– instituiu uma democracia política de que são elementos básicos a separação, interdependência e complementaridade dos órgãos de soberania, os princípios da igualdade de direitos dos cidadãos, o papel dos partidos políticos, o sufrágio universal e directo e o princípio da proporcionalidade no sistema eleitoral, o poder local democrático e a autonomia regional nos arquipélagos da Madeira e dos Açores;
– liquidou o capitalismo monopolista de Estado, os grupos monopolistas portugueses e o seu domínio sobre a economia, a política e a vida nacionais, criando com as nacionalizações um sector básico da economia portuguesa liberto de interesses privados e em condições de dinamizar o desenvolvimento económico nacional;
– criou condições para a realização de profundas transformações económicas, sociais e culturais nos campos, nomeadamente através da Reforma Agrária, com a expropriação das terras dos latifúndios e a formação de novas unidades de exploração – UCPs/Cooperativas; do alargamento dos direitos dos rendeiros (lei do arrendamento rural); da proibição dos regimes de aforamento, colonia e parceria agrícola; do reconhecimento da posse, gestão e fruição dos baldios pelos povos; da dinamização do cooperativismo;
– consagrou legalmente e promoveu a igualdade de direitos do homem e da mulher e os direitos dos jovens;
– promoveu o melhoramento das condições de vida do povo, institucionalizando o salário mínimo nacional, as reformas e as pensões mínimas, o direito à segurança social para largos sectores da população, o alargamento do direito a 30 dias de férias, do subsídio de férias, do 13.o mês e da licença por parto, a redução do horário de trabalho, a protecção no desemprego, o reconhecimento dos direitos dos deficientes e dos idosos; realizando transformações progressistas no ensino, na saúde, na cultura, no desporto que representaram passos importantes no caminho da sua democratização; assegurando importantes avanços no domínio de infra-estruturas e equipamentos sociais;
– pôs fim ao isolamento internacional do País e à sua inteira submissão à política do imperialismo, estabelecendo relações diplomáticas de Portugal com os países socialistas, diversificando as relações externas e abrindo assim caminho a uma política externa de paz e cooperação.
3. A conquista e instauração das liberdades, dos direitos dos cidadãos e de um regime de democracia política foi, no processo da revolução portuguesa, inseparável da liquidação do poder económico e político dos grupos monopolistas e dos latifundiários, através das nacionalizações e da Reforma Agrária e das outras reformas das estruturas socioeconómicas, do fim da guerra colonial e do reconhecimento do direito dos povos das colónias portuguesas à independência. Perante a conspiração, a sabotagem e as tentativas de golpes de força de sectores reaccionários apoiados pelos grandes capitalistas, pelos agrários e pelo imperialismo estrangeiro, as grandes reformas estruturais foram além do mais necessárias para a defesa das liberdades e da democracia nascente.
Entre os seus grandes méritos, a revolução de Abril foi também uma revolução na consciência dos portugueses. Foi factor de profundas mudanças nos conceitos, nos comportamentos sociais e éticos, nas mentalidades.
Para além do seu significado histórico no plano nacional, a revolução de Abril constituiu um relevante acontecimento na história contemporânea das últimas décadas, com importantes repercussões internacionais.
4. A classe operária, as massas populares e os militares progressistas – «os capitães de Abril» – unidos na aliança Povo-MFA desempenharam um papel fundamental em todas as conquistas democráticas.
O PCP interveio em todo este processo como força política essencial e determinante. O seu papel na revolução de Abril e na fundação do regime democrático inscreve-se como dos maiores feitos da sua história.
O processo contra-revolucionário
1. A revolução portuguesa apresenta como valiosa experiência o facto de, numa situação revolucionária, mesmo não dispondo do poder político, as massas populares em movimento e em aliança com o MFA terem podido transformar profundamente a sociedade, empreender e realizar profundas reformas das estruturas socioeconómicas, influenciar e condicionar o comportamento do poder político e contribuir para a consagração legal dos avanços revolucionários.
Os anos ulteriores mostram também a extraordinária capacidade das massas para resistir à contra-revolução mesmo quando desencadeada e desenvolvida pelo poder político.
Mas a experiência confirma também que a questão do poder acaba por determinar o curso da política nacional.
2. Divisões, conflitos e confrontos no MFA permitindo a retomada progressiva de posições nas Forças Armadas por elementos conservadores e revanchistas; a colaboração do PS e de sectores democráticos do MFA com os sectores mais conservadores e golpistas no novo quadro do Poder; o esquerdismo; o anticomunismo; a ingerência e pressão financeira, económica, política e diplomática do imperialismo – abriram caminho ao desencadear de um processo contra-revolucionário, ao avanço das forças reaccionárias e conservadoras no novo sistema de poder em processo de formação e a alianças políticas que viriam a culminar no golpe do 25 de Novembro de 1975, cujas consequências principais foram a liquidação de facto do MFA e uma radical alteração na correlação de forças.
A partir de 1976, em manifesto desrespeito pela Constituição da República e pela legalidade democrática, a política de sucessivos governos com composições partidárias diversas (PS, PSD, PS/CDS, PS/PSD, PSD/CDS), assim como alguns dos chamados governos «de iniciativa presidencial», adoptaram, como objectivo estratégico e linha de força de todas as políticas sectoriais, a restauração do capitalismo monopolista, com a sua dinâmica de exploração dos trabalhadores e de centralização e concentração de capital.
3. O processo contra-revolucionário, na sua obra de destruição das conquistas de Abril, desenvolveu-se e continua a desenvolver-se em cinco direcções fundamentais complementares e inseparáveis: a) a reconstituição, restauração e reconfiguração das estruturas socioeconómicas do capitalismo monopolista de Estado; b) o agravamento da exploração dos trabalhadores, a liquidação de muitos dos seus direitos e liberdades e graves limitações de direitos sociais dos portugueses; c) a perversão do regime democrático tendente à instauração de um regime autoritário; d) a promoção e reposição de valores obscurantistas ou retrógrados no domínio da cultura, das mentalidades e da ideologia; e) a adopção, como opção estratégica, da crescente dominação do capital estrangeiro sobre a economia portuguesa e de limitações à soberania e independência nacionais, nomeadamente no quadro do processo de integração na CEE/UE.
A reconstituição, restauração e reconfiguração das estruturas socioeconómicas do capitalismo monopolista de Estado desenvolveu-se numa planeada, coordenada e progressiva ofensiva contra as nacionalizações e outros sectores não capitalistas. Começou com a entrega ao patronato de empresas intervencionadas, cooperativas e empresas em autogestão. Reforçou-se com políticas de crédito, de investimentos, de preços e de comércio externo desfavoráveis às empresas nacionalizadas e com a nomeação para estas de gestores interessados no seu insucesso tendo como missão preparar as privatizações. Avançou com a entrega crescente das empresas públicas ao capital privado. Desenvolveu-se com o desmantelamento e a privatização de serviços públicos e funções sociais do Estado directamente ou com o recurso às parcerias público-privadas. E traduziu-se num historial de fraudes, subavaliações, leilões, esbulhos, corrupção, especulação bolsista e entrega de somas imensas de dinheiros do Estado.
A mesma política de reconstituição e restauração capitalista e monopolista traduziu-se, no que respeita às estruturas agrárias, na destruição da Reforma Agrária com a restauração da propriedade latifundiária através das acções ilegais e violentas contra os trabalhadores, de roubos às UCPs/Cooperativas, de entrega aos agrários de terras, gados, máquinas, instalações e colheitas, na liquidação de dezenas de milhar de postos de trabalho, no bloqueio legislativo, financeiro e técnico e no afrontamento às decisões judiciais.
Traduziu-se também no agravamento da situação económica e destruição de muitos milhares de pequenas e médias explorações, em sucessivas tentativas de destruição dos direitos dos povos alcançados com a Lei dos Baldios e na liquidação dos direitos dos rendeiros alcançados com a Lei do Arrendamento Rural, no fomentar da concentração da propriedade agrícola.
A política de reconstituição e restauração capitalista e monopolista apertou o cerco às micro, pequenas e médias empresas, por via da monopolização dos mercados e ausência de apoios, convergentes com o objectivo de favorecer a concentração e centralização do capital.
Significou ainda o estrangulamento do sector cooperativo.
Todas estas ofensivas constituíram uma verdadeira cruzada de espoliações e de acumulação e centralização forçadas do capital, transferindo para as mãos dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros, em crescente associação, a posse de capitais e o domínio sobre os principais meios de produção.
A política de restauração monopolista com as ofensivas contra as conquistas de Abril teve consequências extraordinariamente gravosas. O aparelho produtivo foi desorganizado. Importantes empresas, que deveriam ter um papel motor no desenvolvimento, foram sacrificadas. Muitas outras foram encerradas. Os grandes projectos nacionais de desenvolvimento foram abandonados. Os recursos financeiros foram desbaratados em indemnizações, créditos a fundo perdido e benesses aos grandes capitalistas. A agricultura ficou estagnada e em crise, a liquidação da reforma agrária deixou um rasto de retrocesso social e desemprego, desenvolveu-se um processo de abandono e subutilização de terras e dependência alimentar. Multiplicaram-se as actividades parasitárias e especulativas, gerando o rápido enriquecimento de alguns à custa dos trabalhadores e do erário público e absorvendo e consumindo grande parte dos recursos nacionais. Acentuaram-se as posições dominantes do imperialismo na economia portuguesa e com a integração na CEE//UE foi progressivamente limitado o poder de decisão do país em importantes domínios da economia nacional. A política de restauração monopolista assume o carácter de uma política antinacional.
Corolário da restauração do capitalismo monopolista, o agravamento da exploração dos trabalhadores e a liquidação de muitos dos seus direitos e liberdades, assim como graves limitações de direitos sociais, traduziram-se na contenção e redução dos salários, na fixação de tectos salariais e simultâneo aumento dos preços, na diminuição da parte do trabalho na repartição do rendimento nacional, nos insuficientes aumentos das pensões de reforma, nos despedimentos colectivos, no alargamento dos contratos a prazo e na proliferação de outras formas de trabalho precário, no congelamento da contratação e limitações à negociação colectiva, no agravamento ou introdução de novos pretextos para despedimentos sem justa causa como a inadaptação e os períodos experimentais, nos salários em atraso, nas limitações às liberdades sindicais e aos direitos das Comissões de Trabalhadores, no impedimento do controlo de gestão, na generalização da repressão patronal nas empresas, no agravamento das discriminações para com as mulheres e os jovens, no trabalho infantil, no ataque às funções sociais do Estado, no encarecimento, degradação e risco de destruição dos serviços de saúde, do ensino, da habitação, dos transportes e da justiça, na ampliação da pobreza e da marginalização social e na acentuação do despovoamento e desertificação de vastas zonas do país.
A perversão do regime democrático tendente à instauração de um regime autoritário traduziu-se em medidas, acções, tentativas e projectos visando a progressiva governamentalização do poder político com a contestação da independência e competências dos outros órgãos de soberania , a submissão e tutela do poder local democrático, a destruição de mecanismos de fiscalização da acção governativa de forma a assegurar a sua impunidade, as restrições aos direitos da Oposição, as alterações às leis eleitorais, ferindo gravemente a sua democraticidade e o princípio da proporcionalidade, a restrição da liberdade de organização política com a legislação antidemocrática sobre os partidos políticos e o seu financiamento, a limitação de direitos e liberdades dos cidadãos, nomeadamente do direito à greve e do direito à organização e acção sindical e das Comissões de Trabalhadores nas empresas, a marginalização de organizações sociais representativas, a concentração e o controlo da comunicação social, a depuração política e a ocupação da Administração Pública pelas clientelas do partido no poder, o reforço do aparelho especial de repressão, a criação e intervenção ilegal de novos serviços de informações, o recurso a medidas autoritárias, as revisões da Constituição que a mutilam e empobrecem.
A promoção e a reposição de valores obscurantistas ou retrógrados no domínio da cultura, das mentalidades e da ideologia traduziu-se designadamente numa acção persistente para ocultar e deturpar a verdadeira natureza do regime fascista e os seus crimes e para desvalorizar o significado, realizações e alcance da revolução democrática, em tentativas de transformar o anticomunismo e as discriminações antidemocráticas em política do Estado, na afirmação da inevitabilidacde e promoção da alternância entre partidos políticos representantes do grande capital para prosseguir a política ao serviço dos seus interesses, na limitação e no desincentivo à participação política e social, na apologia da conciliação de classes e da pretensa comunhão de interesses entre o capital e o trabalho, no apoio a concepções conservadoras sobre o papel da mulher na sociedade e na família, na secundarização do papel dos trabalhadores na vida nacional e na atribuição aos capitalistas de um papel determinante na criação de riqueza e no progresso do País, na glorificação acrítica da estabilidade governativa e até do poder pessoal, no fomento de um exacerbado individualismo e egoísmo na vida social, na substituição dos direitos de protecção social por práticas assistencialistas e caritativas atentatórias da dignidade humana.
A adopção, como opção estratégica, de limitações à soberania e à independência nacionais foi inspirada pelo propósito de acelerar o processo de liquidação das conquistas da revolução de Abril e de restaurar o capitalismo monopolista e de acorrentar Portugal ao sistema capitalista internacional e traduziu-se designadamente em múltiplas orientações e decisões que nos domínios da integração de Portugal na CEE/UE, da participação do País em outras organizações internacionais, e nos planos económico, militar, cultural e de política externa e de segurança criaram novos e mais agravados laços de dependência e subordinação e associação à estratégia de ingerência e guerra imperialista.
4. As ofensivas contra as conquistas de Abril e a firme luta do povo português na sua defesa tiveram a caracterizá-las, por um lado, o constante desrespeito e violação por parte de sucessivos governos da Constituição e das leis e, por outro lado, o desenvolvimento da luta popular em observância da legalidade democrática e exigindo o seu respeito pelos órgãos de poder.
A legalidade democrática afirmou-se assim como um obstáculo real a uma política que subverteu o regime instaurado com a revolução de Abril. A aprovação de leis inconstitucionais e revisões mutiladoras da Constituição inseriram-se num processo de reconstituição, restauração e reconfiguração do domínio dos grupos monopolistas, associados e dependentes do capital estrangeiro em confronto com a Constituição Portuguesa.
União Europeia – condicionalismos e limitações à independência
1. A adesão de Portugal à CEE, contra a qual o PCP justamente lutou e cujas implicações negativas previu, criou acrescidos obstáculos a uma política democrática, integrou-se no processo de destruição de conquistas de Abril e inseriu o País numa dinâmica gravemente lesiva do interesse nacional.
A subordinação da política governamental ao objectivo da restauração do poder do grande capital e a inexistência de uma política de defesa dos interesses nacionais conduziram não apenas a que estes não fossem devidamente acautelados no processo de negociação da adesão de Portugal à CEE, mas também a que compromissos e exigências dela decorrentes fossem constantemente precipitados e antecipados e a que os períodos de transição fossem desaproveitados.
A natureza do processo de integração capitalista europeu, a política governamental seguida, os critérios e aplicação dos vultuosos recursos financeiros recebidos, sem prejuízo da realização de muitas infra-estruturas, não representaram um contributo no sentido da modernização do aparelho produtivo nacional, da atenuação das assimetrias regionais e do atraso relativo do País em relação aos outros países da CEE/UE, tendo, pelo contrário, servido de facto para a destruição do aparelho produtivo, e a acentuação do despovoamento e da desertificação de vastas zonas do País, sacrificando as bases indispensáveis para um verdadeiro processo de desenvolvimento económico e social.
2. O Mercado Comum (nomeadamente a circulação livre de mercadorias e capitais) já continha para Portugal, dado o seu atraso relativo, elementos desfavoráveis ao desenvolvimento e novas limitações à independência. A evolução num sentido federalista da integração europeia nos planos económico, político e militar, o Mercado Único, o salto federalista de Maastricht e a União Económica e Monetária com a adopção do Euro e a criação do BCE, a Política Externa e de Segurança Comum, o Tratado de Lisboa, o Tratado «orçamental», o recurso aos mais diversos instrumentos e a política dos sucessivos governos nacionais estão a colocar Portugal como um Estado subalternizado, dependente e periférico, com uma política crescentemente decididacontra os interesses portugueses, por instâncias supranacionais dirigidas no fundamental por um directório de Estados mais fortes e mais ricos e, pelo capital transnacional afectando gravemente a independência e soberania nacionais.
A situação criada por esta evolução torna indispensável uma política que se desenvolva em seis direcções principais e interligadas: defender sempre firmemente os interesses portugueses, designadamente nas instituições europeias, resistindo a decisões que os prejudiquem; minimizar com medidas concretas os condicionalismos e consequências negativas da integração; lutar contra as imposições supranacionais e as limitações à democracia e à vontade dos povos; reclamar e utilizar a favor do progresso de Portugal e do bem-estar dos portugueses todos os meios, recursos e possibilidades; agir especificamente e em articulação com os trabalhadores e os povos de outros países para romper com o processo de integração capitalista europeu – instrumento do grande capital, dos monopólios, das transnacionais e das grandes potências ao seu serviço – e promover uma Europa de paz e cooperação baseada em Estados livres, soberanos e iguais em direitos; lutar por um desenvolvimento soberano de acordo com os interesses nacionais dos trabalhadores e do povo, cuja concretização deve prevalecer face a condicionamentos ou constrangimentos, assumindo as exigências, caminhos e opções que a situação coloque como necessários.
3. A internacionalização da economia, a profunda divisão internacional do trabalho, a interdependência e cooperação entre Estados e os processos de integração correspondem, neste início do século xxi, a realidades e tendências de evolução não exclusivas do capitalismo. Em função da sua orientação, características e objectivos, tais processos podem servir os monopólios e as transnacionais, ou podem servir os povos. É direito inalienável de cada povo e de cada país lutar em defesa dos seus interesses e direitos.
Nada pode obrigar Portugal a renunciar ao direito de optar pelas suas próprias estruturas socioeconómicas e pelo seu próprio regime político. Nada pode obrigar Portugal a aceitar a posição de Estado subalterno no quadro da UE e a alienar a sua independência e soberania nacionais. O povo português tem e deverá sempre ter o pleno direito de decidir do seu próprio destino e de escolher os caminhos que entender mais conformes com a sua identidade histórica e com os seus interesses e aspirações.
As conquistas de Abril no futuro democrático de Portugal
1. A revolução de Abril significou um extraordinário progresso da sociedade portuguesa. As grandes e históricas vitórias da revolução de Abril criaram condições para um dinâmico desenvolvimento económico, social, político e cultural conforme com a situação, os interesses, as necessidades e as aspirações do povo português e de Portugal.
A luta vigorosa, perseverante e determinada dos trabalhadores, de amplos sectores sociais e das forças democráticas mais consequentes que, em diversos momentos cruciais, conseguiram, embora por vezes temporariamente, derrotar planos em curso constitui uma demonstração da profundidade das transformações democráticas realizadas e da correspondência das conquistas de Abril com necessidades objectivas de carácter económico e social.
A revolução portuguesa mostrou conter em si a força e as potencialidades necessárias para empreender a eliminação de muitas das mais graves desigualdades, discriminações e injustiças sociais e para a construção de uma nova sociedade democrática.
2. Portugal vive um período particularmente grave da sua história. O processo contra-revolucionário – em desenvolvimento – e o processo de integração na União Europeia, interligados, conduziram a uma situação marcada pelo domínio dos grupos monopolistas, associados e dependentes do capital estrangeiro, pela acentuação do processo de perversão do regime democrático e por um elevado grau de comprometimento da soberania e independência nacionais. Uma situação que apresenta características típicas do capitalismo monopolista de Estado, num quadro em que o Estado português é cada vez mais subalternizado, dominado e colonizado no âmbito da UE e em geral pelo imperialismo e as suas estruturas.
Os planos da classe dominante para prosseguir e aprofundar os processos em curso e para concretizar a ruptura institucional, com a aprovação de leis inconstitucionais, a desvalorização e desrespeito sistemáticos e a revisão subversiva da Constituição, visando a plena instauração, consolidação e reforço do seu poder, criam grandes perigos para o futuro de Portugal.
A destruição das conquistas de Abril, o sistema económico de capitalismo monopolista, um regime político de cariz autoritário e o sacrifício da independência nacional são contrários aos interesses do povo português e de Portugal. O PCP luta decididamente contra tal sistema e contra tal regime e propõe uma alternativa.
A democracia correspondente às aspirações populares e às necessidades nacionais exige tanto o reconhecimento formal como a garantia efectiva do pleno exercício das liberdades e da plena satisfação dos direitos políticos e sociais dos cidadãos. Exige a organização do poder político de molde a prevenir e a impedir actuações ilegais e arbitrárias dos órgãos respectivos e a assegurar a participação popular nas decisões da política nacional. Exige que a direcção e as alavancas fundamentais da vida económica nacional não estejam nas mãos do capital monopolista nem das transnacionais e submetidas aos seus interesses, antes estejam ao serviço dos interesses do País. Exige que, no quadro mundial de internacionalização dos processos produtivos, de divisão internacional do trabalho e de processos de cooperação e integração económica, Portugal aproveite e desenvolva os seus próprios recursos naturais e humanos e possua uma indústria forte. Exige o desenvolvimento e a dinamização da agricultura, incompatível com a agricultura do latifúndio e com a situação de abandono dos pequenos e médios agricultores. Exige a modernização e eficácia do sector de serviços. Exige o melhoramento das condições de vida materiais e culturais do povo português. Exige a democratização de toda a vida económica, social, política e cultural do País. Exige a afirmação e a prática de uma política de independência nacional de que é inseparável uma política democrática.
3. Os grandes valores da revolução de Abril criaram profundas raízes na sociedade portuguesa e projectam-se como realidades, necessidades objectivas, experiências e aspirações no futuro democrático de Portugal.
A democracia avançada que o PCP propõe ao povo português surge na continuidade histórica do programa da revolução democrática e nacional definido e aprovado em 1965 e dos ideais, conquistas e realizações de valor igualmente histórico da revolução de Abril. A democracia avançada que o PCP propõe projecta, consolida e desenvolve os valores de Abril no futuro de Portugal.
II
Uma democracia avançada – os valores de abril no futuro de portugal
1. No ideal e projecto dos comunistas, a democracia tem quatro vertentes inseparáveis – política, económica, social e cultural:
– democracia política baseada na soberania popular, na eleição dos órgãos do Estado do topo à base, na separação e interdependência dos órgãos de soberania, no pluralismo de opinião e organização política, nas liberdades individuais e colectivas, na intervenção e participação directa dos cidadãos e do povo na vida política e na fiscalização e prestação de contas do exercício do poder;
– democracia económica baseada na subordinação do poder económico ao poder político democrático, na propriedade social dos sectores básicos e estratégicos da economia, bem como dos principais recursos naturais, na planificação democrática da economia, na coexistência de formações económicas diversas, no controlo de gestão e na intervenção e participação efectiva dos trabalhadores na gestão das empresas públicas e de capitais públicos;
– democracia social baseada na garantia efectiva dos direitos dos trabalhadores, no direito ao trabalho e à sua justa remuneração, em dignas condições de vida e de trabalho para todos os cidadãos, e no acesso generalizado e em condições de igualdade aos serviços e benefícios sociais, designadamente no domínio da saúde, ensino, habitação, segurança social, cultura física e desporto e tempos livres;
– democracia cultural baseada no efectivo acesso das massas populares à criação e fruição da cultura e na liberdade e apoio à produção cultural.
2. Um regime democrático tem de enfrentar e caminhar para a resolução dos mais graves problemas nacionais e de responder com êxito aos grandes desafios que se colocam a Portugal. A democracia avançada que o PCP propõe ao povo português contém cinco componentes ou objectivos fundamentais:
1º – um regime de liberdade no qual o povo decida do seu destino e um Estado democrático, representativo e participado;
2º – um desenvolvimento económico assente numa economia mista, dinâmica, liberta do domínio dos monopólios, ao serviço do povo e do País;
3º – uma política social que garanta a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo;
4º – uma política cultural que assegure o acesso generalizado à livre criação e fruição culturais;
5º – uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.
1º Um regime de liberdade no qual o povo decida do seu destino e um Estado democrático, representativo e participado
1. A democracia política, embora intimamente articulada com a democracia económica, social e cultural, possui um valor intrínseco pelo que é necessário salvaguardá-la e assegurá-la como elemento integrante e inalienável da sociedade portuguesa.
Porque foi privado da liberdade durante 48 anos de ditadura fascista, porque a conquistou e passou a vivê-la com o 25 de Abril e porque sofre hoje as consequências das suas limitações, o povo português conhece o valor da liberdade e não quer mais perdê-la. Pertença do povo e do indivíduo, a liberdade é um elemento básico essencial da democracia avançada que o PCP propõe ao povo português.
São pressupostos de um regime de liberdade a existência de condições materiais e culturais para o seu exercício, a igualdade de direitos, deveres e oportunidades dos cidadãos, sem discriminações designadamente por motivo de sexo, de raça, de convicções políticas, de opções sindicais, de crenças religiosas, de orientação sexual, de situação económica e de condição social.
São elementos de um regime de liberdade:
– o reconhecimento e a efectiva garantia do exercício das liberdades e direitos dos cidadãos;
– uma comunicação social pluralista, democrática e responsável;
– a realização de eleições com a democraticidade que assegure a real manifestação de vontade popular e a intervenção determinante do povo na escolha dos governantes e na política do País.
– a participação popular permanente na vida política e social e no exercício do poder.
2. Serão plenamente assegurados os direitos de carácter pessoal, político, laboral e social, instituindo-se os mecanismos que impulsionam a sua efectivação e impeçam a sua limitação, suspensão ou restrição abusiva.
Serão plenamente reconhecidos e garantidos os direitos pessoais fundamentais, designadamente o direito à vida, à integridade moral e física, à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Serão plenamente assegurados como direitos, garantias e liberdades fundamentais:
– a liberdade de expressão de pensamento, a liberdade de imprensa e o direito à informação, com proibição da censura e garantia do pluralismo político e ideológico;
– a liberdade de reunião e manifestação sem dependência de autorização prévia e com garantia de cedência de lugares e recintos públicos e abertos ao público para permitir o seu exercício efectivo em todo o território nacional;
– a liberdade de constituição e acção de partidos políticos e outras associações sem interferência nem necessidade de autorização prévia de entidades públicas;
– o direito de eleger e de ser eleito e o direito de acesso a cargos públicos em condições de igualdade e liberdade;
– a liberdade sindical com efectiva garantia de actividade em todos os locais de trabalho, direito de contratação colectiva e de participação na elaboração da legislação laboral e na gestão da segurança social, bem como a liberdade de constituição e acção de Comissões de Trabalhadores, incluindo o controlo de gestão;
– o direito à greve, cabendo exclusivamente aos trabalhadores a definição do seu âmbito e objectivos (com proibição do lock-out);
– a liberdade de criação intelectual, científica e artística, com apoio efectivo à produção e divulgação das respectivas obras;
– a liberdade de consciência, de religião e de culto, incluindo o direito de organização e exercício de culto e do ensino religioso no âmbito da respectiva confissão, com reconhecimento da objecção de consciência;
– a liberdade de circulação e fixação em todo o território nacional, bem como o direito de saída, de emigração e de retorno;
– o direito à liberdade e segurança e o direito à reserva da vida privada e familiar (inviolabilidade da comunicação, correspondência e domicílio, protecção de dados pessoais, proibição da utilização indevida da informática).
Os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos trabalhadores e das suas organizações, designadamente o direito à segurança no emprego, gozam de idêntico regime e protecção dos outros direitos fundamentais.
Para a realização dos direitos e liberdades fundamentais são essenciais os direitos de acesso aos tribunais e à informação jurídica, de habeas corpus, à celeridade do processo e julgamento, a garantia de defesa em processo criminal, de resistência contra ordens que ofendam direitos, liberdades e garantias e de acção directa quando não seja possível recorrer às forças de manutenção da ordem pública; de petição individual e colectiva perante os órgãos de soberania e quaisquer autoridades e o direito de acção popular para defesa de direitos, da Constituição, das leis e do interesse geral.
3. Uma comunicação social pluralista, democrática e responsável é essencial num regime de liberdade. É indispensável à formação, em condições de real liberdade, da opinião dos cidadãos e ao estímulo à sua participação cívica, à transparência da vida política, ao controlo democrático da acção dos órgãos de poder, à expressão genuína da vontade popular através do sufrágio, ao conhecimento das realidades e ao esforço colectivo para a solução dos problemas nacionais, à elevação do nível cultural da população e à aproximação, amizade e compreensão entre os povos.
Constituem importantes elementos de uma comunicação social pluralista, democrática e responsável:
– a existência, a par de órgãos de informação privados, de um sector público de comunicação social, abrangendo os diversos meios de informação – designadamente televisão, rádio, imprensa – que, pelo seu estatuto constitucional e legal, seja independente do governo e dos partidos e esteja especialmente vinculado à garantia do pluralismo e da expressão e confronto das diversas correntes de opinião;
– a defesa da independência dos órgãos de comunicação face ao poder económico, designadamente impedindo a concentração monopolista de empresas de comunicação social;
– a garantia dos direitos dos jornalistas e de outros profissionais de informação e o seu respeito pelos princípios éticos e deontológicos;
– a garantia do exercício do direito de antena, do direito de réplica política e do direito de resposta;
– a defesa da identidade, da língua e da independência nacionais, com especial destaque no campo do audiovisual e das telecomunicações;
– o apoio à comunicação social regional e local;
– a gestão não governamentalizada e a aplicação não discriminatória de apoios estatais à comunicação social;
– o respeito por critérios de isenção e de independência na concessão de licenciamentos relativos a actividades de comunicação social legalmente sujeitas a tal regime;
– a existência de órgãos constitucionais, de composição diversificada, zelando pela liberdade de informação e pela garantia do pluralismo.
4. No regime de liberdade que o PCP propõe ao povo português, as eleições são fundamento directo do poder político e da legitimidade de constituição dos seus órgãos.
Esta componente do regime de liberdade exige que as eleições sejam realizadas de acordo com princípios que garantam a democraticidade de todo o processo e a representatividade dos eleitos com eliminação efectiva de pressões e coacções económicas, sociais e morais, e dos métodos de manipulação da opinião pública e de falseamento da vontade popular.
A democraticidade das eleições não depende só das condições em que decorre o processo e a campanha eleitoral. Depende também da situação existente fora dos períodos eleitorais, do grau de exercício efectivo das liberdades e da participação e intervenção regular dos cidadãos na vida nacional.
Assim como o poder político encontra fundamento de legitimidade na vontade popular expressa em eleições verdadeiramente democráticas, assim aqueles que exercem o poder político perdem a legitimidade se não respeitam a legalidade democrática e actuam para destruir o regime democrático.
São princípios essenciais do processo eleitoral:
– o sufrágio universal directo, secreto e periódico;
– a capacidade activa e passiva a partir dos 18 anos;
– o sistema de representação proporcional na conversão de votos em mandatos na eleição directa da Assembleia da República, do Parlamento Europeu, das Assembleias Legislativas Regionais, de todas as assembleias das autarquias e das câmaras municipais;
– o recenseamento único para todas as eleições, controlado pelos cidadãos e pelos partidos políticos, obrigatório para os eleitores residentes no território nacional;
– o acesso aos meios de comunicação social e a todas as outras formas de contacto e esclarecimento dos eleitores em condições de igualdade e efectiva liberdade;
– a fiscalização livre e eficaz das eleições.
5. O regime de liberdade que o PCP preconiza implica não apenas o respeito e garantia pelo Estado e outras entidades do exercício da liberdade política de cada cidadão, mas também a garantia dos direitos e liberdades de participação política e social, dos direitos económicos, sociais e culturais dos trabalhadores e suas organizações e de outras estruturas e camadas sociais.
A plena afirmação e integral respeito pelas liberdades e direitos fundamentais não é separável da realização dos restantes aspectos da democracia política e da progressiva concretização da democracia económica, social e cultural.
A democracia avançada que o PCP propõe e preconiza tem como objectivo alargar crescentemente o alcance e o exercício das liberdades pessoais e colectivas, e a garantia efectiva dos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos.
6. O Estado, as suas características, os critérios de designação dos seus órgãos, a medida e o sentido do exercício das suas funções, a inclusão no processo de decisão política e administrativa da participação e intervenção popular, representam simultaneamente um objectivo programático autónomo e uma condição de realização de outros objectivos programáticos.
No sistema de capitalismo monopolista, o Estado, dada a sua natureza de classe, integra e assegura o funcionamento do modo de produção capitalista e a sua manutenção, inclusivamente com recurso à violência e a métodos coercivos, sendo, na sua essência e em geral, um instrumento do capital. Na democracia avançada que o PCP propõe ao povo português o Estado deve ser estruturado e ter um funcionamento de forma a responder aos interesses e necessidades dos trabalhadores, do povo e do País estritamente conforme com a legalidade democrática.
São elementos componentes de um Estado democrático, representativo, baseado na participação popular, ao serviço do povo e do País:
– organização do poder político baseada no sufrágio universal, directo, secreto e periódico para designação dos órgãos de Estado e na separação e interdependência dos órgãos de soberania;
– participação popular permanente no exercício do poder;
– justiça independente, democratizada, célere e acessível;
– Administração Pública descentralizada, desconcentrada, desburocratizada e aberta;
– serviços públicos essenciais garantidos pelo Estado;
– Forças Armadas ao serviço da independência e soberania nacionais e da integridade do território;
– segurança e ordem públicas baseadas no primado da prevenção e no respeito e garantia efectiva dos direitos e liberdades individuais, dos trabalhadores e do povo.
7. O poder político garantirá, pela sua estrutura, organização, exercício e competências, a estabilidade, a continuidade e o aprofundamento do regime democrático e o funcionamento das instituições, conforme com as regras e o papel específico de cada órgão e os interesses do povo português.
São traços essenciais da organização do poder político na democracia avançada proposta pelo PCP:
– a separação e interdependência dos órgãos de soberania – Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais;
– a competência legislativa e fiscalizadora da Assembleia da República, combatendo todos os factores que conduzam à sua limitação;
– a obrigatoriedade do respeito pelos princípios constitucionais e pela legalidade garantida através da intervenção dos tribunais, órgãos de soberania cuja independência deve ser assegurada, e do controlo e fiscalização popular;
– o Poder Local democrático com garantia efectiva de autonomia das decisões na esfera das suas atribuições e competências, designadamente autonomia administrativa e financeira e com meios para enfrentar e resolver os problemas das populações;
– a criação de regiões administrativas no Continente, cuja área tenha em conta a vontade das populações e dos órgãos das autarquias, como factor de reforma democrática e descentralização e desconcentração da Administração Pública, de diminuição das graves assimetrias regionais e do desenvolvimento harmonioso do País e garantindo a autonomia municipal;
– a autonomia político-administrativa das Regiões Autónomas no quadro da unidade e soberania nacionais e como forma de ter em conta a especificidade das regiões insulares e correspondendo às aspirações das populações respectivas;
– o reconhecimento do papel dos partidos políticos como um dos elementos organizativos fundamentais de diversos interesses sociais e das correntes de opinião e da participação democrática nos órgãos de poder.
8. A participação popular permanente no exercício do poder será assegurada não apenas através de formas próprias da democracia representativa, mas também das formas de democracia directa e participativa. São de destacar como especialmente importantes:
– o direito de todos os cidadãos tomarem parte na vida política e na direcção dos assuntos políticos do País, designadamente exercendo cargos públicos, sem privilégios nem discriminações;
– o direito de as organizações representativas dos trabalhadores participarem na definição e elaboração da política e legislação laborais;
– o direito de os trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores, através das suas organizações próprias, participarem na definição e execução da política agrícola, designadamente na Reforma Agrária;
– o direito de os trabalhadores participarem na gestão das empresas públicas e participadas e exercerem o controlo de gestão nas empresas;
– o direito de os pequenos e médios comerciantes e industriais e suas organizações representativas participarem na definição e execução das grandes linhas da política comercial e industrial;
– o direito de participação dos intelectuais e quadros técnicos e científicos e das suas organizações na definição e execução das grandes linhas da política respeitante à sua actividade e aos seus interesses;
– o direito de as mulheres, os jovens, os reformados, os deficientes, os emigrantes, os imigrantes e as suas organizações a participarem na definição e execução das grandes linhas das políticas para os respectivos sectores;
– o direito de participação popular na administração da justiça e na gestão dos serviços de segurança social, da saúde, do ensino, da cultura, do desporto, do ambiente;
– o direito de participação das organizações populares de base no exercício do Poder Local e nas suas actividades da Administração Pública;
– o direito de participação dos agentes das forças e serviços de segurança, dos militares e das suas organizações representativas nas grandes medidas que digam respeito aos seus interesses;
– o direito de petição e acção popular;
– a iniciativa popular e as consultas locais.
9. A justiça será democratizada e célere. Será garantido o acesso generalizado ao direito, em particular aos trabalhadores, ampliando a informação jurídica, a consulta, o apoio extrajudiciário e pré-judiciário e o patrocínio judiciário de qualidade, total ou parcialmente gratuitos para os cidadãos de menos posses, com adequadas isenções e níveis de custas. Serão simplificadas as leis processuais, modernizado e racionalizado o aparelho judiciário, aproximada a justiça em relação às populações e assegurada a participação destas na sua administração. Garantir-se-á o respeito efectivo pela independência dos tribunais, o cumprimento obrigatório e célere das suas decisões, a independência dos magistrados judiciais e a autonomia do Ministério Público. O regime e o sistema penitenciário serão humanizados permitindo a eficaz reinserção social. Serão estimuladas as formas não judiciais de solução de conflitos, assegurando a tutela dos interesses colectivos (em domínios como o ambiente, saúde pública, defesa dos consumidores) e a reparação dos prejuízos sofridos pelas vítimas de crimes e de erros judiciais.
10. A Administração Pública será orientada para o desenvolvimento, descentralizada, desconcentrada, desburocratizada, eficiente, aberta, próxima das populações e servindo os seus interesses, actuando com honestidade, isenção, justiça e imparcialidade, prestando contas da sua actividade, respeitando e fazendo respeitar a legalidade democrática. Respeitará a garantia de fundamentação das deliberações e obrigatoriedade de resposta célere às pretensões dos particulares e utentes em geral bem como o acesso aos respectivos processos. Garantirá o respeito dos direitos, a motivação e estímulo e a participação dos trabalhadores da Função Pública; utilizará critérios de mérito e competência no acesso a cargos da Administração, nas promoções e nomeações para cargos de chefia e a todos os níveis, rejeitando o compadrio e a partidarização. Será garantida a fiscalização judiciária da legalidade administrativa e o cumprimento das sentenças dos tribunais.
11. O Estado chamará à sua responsabilidade e garantirá serviços sociais essenciais como a segurança social, a saúde e o ensino, e ainda a habitação para camadas mais carecidas, os transportes e a protecção civil. O Estado garantirá a promoção e apoio à criação e fruição culturais e à prática desportiva. Sem prejuízo da existência de actividades particulares nestas áreas, desde que integradas na política democrática do Estado, este assegurará as infra-estruturas e equipamentos sociais básicos.
12. As Forças Armadas fiéis à Constituição e aos valores democráticos estarão inteiramente dedicadas à defesa da independência e soberania nacionais e da integridade do território contra quaisquer ameaças externas, o que envolve o primado das missões em áreas nacionais e equipamento adequado a essas missões e ao seu carácter defensivo. Sem prejuízo da defesa militar, colaborarão em tarefas do interesse das populações. Apoiadas em doutrina de defesa própria, deverão possuir capacidade militar autónoma e ter a sua base organizativa no serviço militar obrigatório, em condições dignas que valorizem a juventude. As Forças Armadas estarão subordinadas ao poder político, mas com adequada autonomia. As Forças Armadas, ao mesmo tempo que exigem isenção político-partidário no exercício de funções, recusarão na sua vida interna todas as discriminações de carácter político e ideológico. Assegurarão os direitos cívicos e a dignificação dos militares que as servem e deverão ser uma instituição identificada com o que há de mais patriótico e progressista no passado, em que avulta o seu papel decisivo para o derrubamento do regime fascista e o fim das guerras coloniais.
13. A segurança e ordem públicas serão asseguradas pelo Estado e garantidas por forças e serviços devidamente coordenados e estruturados, dirigidos exclusivamente por autoridades nacionais, sob fiscalização e direcção funcional das autoridades judiciárias, despartidarizados e de natureza civil, orientados e formados no respeito pela Constituição, pela lei, pelas liberdades, direitos, igualdade, segurança e tranquilidade dos cidadãos. As forças e serviços de segurança serão instituições ao serviço das populações e empenhadas na prevenção e dissuasão da criminalidade. Combaterão o crime, nomeadamente as associações criminosas, o tráfico de drogas, os crimes contra o ambiente e a economia, a corrupção e a violência.
14. O Estado democrático é parte constitutiva, instrumento, expressão e garante da democracia avançada que o PCP propõe ao povo português.
2º Um desenvolvimento económico assente numa economia mista, dinâmica, liberta do domínio dos monopólios, ao serviço do povo e do País
1. O desenvolvimento económico deve ter como objectivo a melhoria do nível e da qualidade de vida dos portugueses, o pleno emprego, uma elevada satisfação das necessidades da população, uma justa e equilibrada repartição da riqueza criada e a defesa da independência nacional.
Uma política de desenvolvimento na democracia avançada deverá assentar no desenvolvimento das forças produtivas, no aumento da produção – base do melhoramento das condições de vida do povo e da superação de problemas nacionais –, no reforço da articulação, complementaridade e coerência do aparelho produtivo nacional, no desenvolvimento harmonioso do espaço nacional, na consideração da vertente ambiental em toda a actividade económica e na ocupação do território, na defesa dos interesses nacionais no quadro da inserção e interdependência da economia portuguesa na economia mundial, permitindo a superação dos desequilíbrios económicos face ao exterior, a participação dinâmica e não subalterna na divisão internacional do trabalho e a solidariedade com uma justa ordem económica internacional.
Com a política de desenvolvimento pretende-se uma economia moderna, com uma acrescida e sólida base científico-técnica e uma nova especialização produtiva:
– uma economia com produções e serviços de qualidade e de alto valor acrescentado nacional e com elevados níveis de tecnologia, de produtividade, de emprego, de salários e de formação profissional;
– uma economia em que os principais défices estruturais – alimentar, energético, tecnológico e em bens de equipamento – se encontrem substancialmente atenuados, o nível de segurança alimentar esteja garantido, o défice comercial seja reduzido, a balança de transacções correntes se apresente tendencialmente equilibrada e a dívida externa se situe a um nível comportável e cujos encargos anuais não limitem gravosamente as possibilidades de crescimento da economia nem ponham em causa a independência nacional;
– uma economia onde seja incentivada e apoiada a participação activa, interessada e criadora dos trabalhadores e o controlo de gestão, e sejam garantidas as condições necessárias para que os pequenos e médios empresários, os agricultores e os pescadores contribuam com maior eficácia para a produção social;
– uma economia cuja crescente especialização e integração na divisão internacional do trabalho seja acompanhada e sustentada pelo reforço da base nacional de acumulação e da base científica e tecnológica.
2. Para a concretização de um tal projecto torna-se necessária uma estratégia de desenvolvimento que:
– a nível interno, parta da realidade nacional, designadamente do nível de desenvolvimento actual; das insuficiências e desequilíbrios sectoriais e regionais; do grau de dependência e da frágil e periférica especialização produtiva; dos insuficientes subsistemas de investigação e desenvolvimento tecnológico e de ensino e formação profissional;
– a nível externo, no quadro das alterações a nível europeu e mundial (designadamente na divisão internacional do trabalho), tenha em conta a necessidade de contrariar e minorar as consequências nocivas e constrangimentos e de ter sempre como objectivo o desenvolvimento e a resposta aos interesses nacionais e às aspirações dos trabalhadores e do povo português.
Tal estratégia de desenvolvimento deverá ter como principais vectores:
– o aproveitamento, a mobilização das potencialidades e a gestão adequada dos recursos naturais (agro-pecuários, florestais, cinegéticos, marinhos minerais, hídricos, energéticos e turísticos), tendo em conta a necessária especialização, a defesa e melhoria do ambiente, a preservação e recuperação do património natural e dos equilíbrios ecológicos, a eficaz utilização da capacidade produtiva e o fomento das infra-estruturas imprescindíveis ao desenvolvimento económico nacional e regional;
– o aproveitamento e valorização dos recursos humanos, promovendo uma elevada qualificação através de uma formação escolar e profissional de alto nível humano, científico e técnico dos jovens portugueses e de uma formação permanente da mão-de-obra adulta, valorizando as potencialidades da crescente intervenção social das mulheres e dos jovens, as formações técnicas e científicas dos nossos quadros, as experiências profissionais dos emigrantes regressados e a integração dos imigrantes;
– a ciência e a tecnologia intervindo crescentemente nas forças produtivas e no desenvolvimento económico, através do reforço contínuo e coordenado das actividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico;
– a modernização da economia e o aumento da produtividade, exigindo a racionalização e reorganização funcional da economia portuguesa, nomeadamente dos sectores e produtos tradicionais de fraco valor acrescentado, a superação dos mais graves desequilíbrios regionais, o adensamento da malha produtiva, a aplicação à esfera económica e social dos avanços da revolução científico-técnica;
– a criação de um núcleo de indústrias de bens de equipamento adequado à necessária especialização produtiva do País, conforme às tendências da procura interna e mundial e às mutações nas estruturas produtivas, de forma a assegurar a Portugal um melhor posicionamento no processo da divisão internacional do trabalho;
– o planeamento descentralizado e participado que, numa base prospectiva e integrada, estabeleça, tendo em conta o mercado, as grandes linhas, objectivos e metas, visando a maior coerência do processo produtivo e a melhor afectação global dos recursos;
– a cooperação económica internacional pautada pela afirmação do interesse nacional na divisão internacional do trabalho, na cooperação efectiva no quadro de diversas linhas de relacionamento e cooperação externas, com respeito pela independência e soberania nacionais.
3. Para garantir este projecto de desenvolvimento económico, torna-se necessária uma organização económica mista, liberta do domínio dos monopólios, com sectores de propriedade diversificados e com as suas dinâmicas próprias e complementares, respeitadas e apoiadas pelo Estado, designadamente:
– um Sector Empresarial do Estado – empresas nacionalizadas, públicas, de capitais públicos e participadas – dinâmico, integrado e eficiente, abrangendo designadamente a banca e seguros e outros sectores básicos e estratégicos da economia (nomeadamente na energia, na indústria, nos transportes, nas comunicações), com uma estrutura empresarial diversificada, e desempenhando um papel determinante no desenvolvimento das forças produtivas e na aceleração do desenvolvimento económico;
– um sector privado constituído por empresas de variada dimensão (na indústria, na agricultura, na pesca, no comércio, nos serviços), destacando-se as pequenas e médias empresas pela sua flexibilidade e pelo seu peso na produção e no emprego, e as pequenas e médias explorações agrícolas, nomeadamente as familiares, pelo seu papel na produção agrícola e pecuária e na preservação do mundo rural;
– um sector cooperativo e social constituído por cooperativas agrícolas, de produção operária e serviços, de habitação, de consumo, de comercialização, de ensino e de cultura, mútuas, assim como empresas em autogestão e outras.
4. A subordinação do poder económico ao poder político democrático e o controlo das alavancas fundamentais da vida económica nacional, libertas do domínio do grande capital e de imposições externas, exige:
– um Sector Empresarial do Estado implicando a nacionalização de empresas básicas e estratégicas e em que a gestão das respectivas empresas, com a participação dos trabalhadores, seja coordenada e assegurada por gestores competentes ao serviço efectivo de um Estado democrático e do bem público;
– uma transformação da estrutura agrária, com uma reforma agrária que liquide a propriedade latifundiária;
– uma política patriótica nas relações internacionais, com a afirmação e defesa permanente dos interesses nacionais nos tratados, acordos e negociações em que Portugal participe.
O PCP opõe-se a que a Portugal seja reservado o papel de uma economia apendicular, instrumento da estratégia da acumulação capitalista das transnacionais e das políticas económicas dos países capitalistas mais desenvolvidos. Para o PCP, é necessária uma política que parta do entendimento de que a participação de Portugal em processos de cooperação económica deve verificar-se, no quadro do respeito pelos interesses recíprocos, na defesa e promoção do desenvolvimento económico e social rejeitando relações de subordinação e domínio. O que significa que seja levada à prática uma política interna que, nas mais diversas situações, respeite a identidade e os interesses do País e a especificidade da economia a favor da sua modernização e desenvolvimento e do reforço dos direitos dos trabalhadores e das condições de vida do povo.
5. As políticas sectoriais devem concretizar a estratégia de desenvolvimento não monopolista e os seus principais vectores, de forma a serem atingidos, na base dos princípios definidos, os objectivos da política económica para a democracia avançada.
6. A política científica e tecnológica deverá ter como objectivos a valorização dos recursos nacionais, o aumento quantitativo e qualitativo da produção, o aumento da produtividade do trabalho, a poupança de energia e matérias-primas, a defesa e preservação do meio ambiente. Para estes objectivos, será necessário:
– a estreita articulação da política de Investigação, Desenvolvimento e Experimentação (I,D & E) com o desenvolvimento das forças produtivas nacionais, com as políticas económica, de ensino e de formação profissional, com a devida adequação e democratização do Sistema Científico e Técnico Nacional;
– a elaboração de um Plano e de um Orçamento Nacional de Ciência e Tecnologia Plurianual;
– a promoção da incorporação tecnológica nas actividades económicas e a defesa de tecnologias abertas;
– o aumento do número de trabalhadores científicos e o incremento de meios financeiros afectos a esta actividade;
– o aproveitamento das vantagens e possibilidades de cooperação internacional.
7. A política financeira deverá subordinar-se e adequar-se às necessidades do financiamento e desenvolvimento da esfera produtiva, e terá como eixos essenciais:
– a defesa do equilíbrio financeiro (interno e externo);
– a gestão integrada dos mecanismos financeiros essenciais (política orçamental e fiscal, política monetária e política cambial);
– a eficiência da administração financeira e dos instrumentos e instituições financeiros;
– o fomento de poupança e sua mobilização para fins produtivos.
8. A política energética deve ter como objectivos fundamentais a eficiência na utilização de energia pelos vários sectores e a redução do défice energético, para o que será necessário:
– aumentar a produção energética nacional com valorização dos recursos endógenos e diversificar as fontes de energia e as origens geográficas das matérias-primas importadas;
– promover a utilização racional da energia;
– salvaguardar o equilíbrio ecológico e acautelar a segurança das populações;
– acelerar o aproveitamento de novas fontes energéticas, especialmente as energias renováveis.
9. A política industrial deverá ter em vista a superação das deficiências de natureza estrutural e a modernização de um sector industrial coerente e integrado numa política global de desenvolvimento. Serão eixos fundamentais dessa política:
– a dinamização da produção industrial com aproveitamento e valorização dos recursos naturais, especialmente em sectores com efeitos dinamizadores no aparelho produtivo e de elevado valor acrescentado e com a realização de projectos de interesse estratégico nacional;
– a organização e defesa da indústria nacional, designadamente através de programas de reorganização, recuperação e reconversão de sectores com procura decrescente e empresas em dificuldades, da diversificação da produção e de medidas que estimulem a qualidade industrial;
– a modernização e aumento da produtividade da indústria extractiva e transformadora, designadamente através de mudanças estruturais, renovação de equipamentos e inovação de processos e produtos;
– a promoção de núcleos de «indústrias de serviços» de apoio à produção para sustentar a necessária mudança de especialização da indústria nacional e de indústrias para o tratamento e reciclagem de resíduos.
10. A política agrícola e de desenvolvimento rural deverá ter como objectivos centrais o desenvolvimento e a rápida modernização da agricultura portuguesa, a melhoria da vida nos campos, o aumento da produtividade e da produção agrícola, pecuária e florestal, a melhoria do grau de auto-abastecimento de produtos alimentares essenciais, o máximo incremento das produções em que Portugal possa dispor de vantagens comparativas e a manutenção do mundo rural. Esses objectivos centrais exigem:
– a realização da reforma agrária que assegure a transformação da estrutura agrária, com a liquidação da propriedade latifundiária e a entrega das terras a unidades colectivas de produção/cooperativas e a pequenos agricultores, com a melhoria da estrutura económico-agrícola das pequenas explorações, incentivando designadamente o associativismo de produção, com o reforço dos direitos dos rendeiros e a garantia da posse, uso e administração dos baldios pelos compartes;
– a reestruturação dos circuitos comerciais e desenvolvimento de indústrias agro-alimentares e florestais;
– o apoio técnico e financeiro preferencial para a modernização das explorações dos pequenos e médios agricultores e cooperativas agrícolas;
– o aproveitamento e preservação dos recursos hídricos e agroflorestais do solo e áreas de uso agrícola; ordenamento florestal que privilegie o uso múltiplo, as economias locais e a função ambiental da floresta;
– o reconhecimento efectivo da especificidade da agricultura portuguesa com os consequentes apoios e medidas;
– a preservação da produção agrícola, a promoção de outras actividades económicas e o investimento na criação e renovação de infra-estruturas, serviços e equipamentos sociais que garantam a vida no meio rural.
11. A política de pescas deverá visar o desenvolvimento da produção nacional de pescado, travando a progressiva redução da actividade no sector, assente nos seguintes traços essenciais:
– desenvolver a frota nacional e maximizar a sua participação no aproveitamento dos recursos da Zona Económica Exclusiva (ZEE), reservar-lhe a actividade pesqueira no mar territorial e defender as pescas nacionais em águas exteriores;
– intensificar a investigação para a identificação, evolução, gestão racional e protecção dos recursos;
– adoptar medidas de apoio ao desenvolvimento das diversas frotas e, em particular, da local e costeira, de fomento da aquacultura e de defesa da indústria conserveira;
– apoiar os esforços dos produtores na comercialização dos produtos da pesca.
12. A política de transportes deverá, numa perspectiva de desenvolvimento, assentar nos seguintes traços essenciais:
– planeamento integrado do sistema, articulado com os diferentes ramos da economia, com o ordenamento do território que institua uma gestão coordenada nas áreas urbanas de maior extensão e tenha em conta o impacto ambiental;
– desenvolvimento dos meios, em infra-estruturas e material circulante, equipamentos e sistemas de exploração e sua optimização;
– elevar o nível da competitividade e o apoio ao reequipamento e à intervenção dos transportes nacionais nos tráfegos exteriores.
13. A política para as comunicações e telecomunicações, exigindo a reorganização da estrutura do sector, tendo em vista a coordenação integrada da gestão e do planeamento, deverá visar o desenvolvimento e modernização das actividades económicas e assentar nos seguintes traços essenciais:
– implementação de serviços económica e socialmente necessários;
– extensão e modernização da rede nacional de telecomunicações e sua interligação às redes internacionais através de um processo criterioso de inovação tecnológica e enquanto soluções técnica e economicamente vantajosas;
– alargamento e reestruturação da cobertura postal;
– maximização da utilização da investigação e tecnologia nacionais e articulação dos projectos de todas as entidades envolvidas neste domínio: indústrias, serviços, centros de investigação, universidades.
14. A política de turismo deverá visar uma maior valorização do seu papel no desenvolvimento nacional e regional, e a máxima satisfação das necessidades de lazer da população, assente nos seguintes traços essenciais:
– crescimento equilibrado e ordenado com a valorização e defesa dos recursos naturais e património histórico e a preservação cultural e ambiental dos principais centros turísticos;
– diversificação dos mercados e das correntes turísticas, valorização do mercado interno e defesa da qualidade dos serviços turísticos.
15. A política de comércio interno deverá visar uma maior valorização do seu papel no desenvolvimento económico nacional e regional, a partir dos seguintes objectivos:
– adequação do aparelho comercial às necessidades das populações e do desenvolvimento urbanístico;
– constituição (ou reconversão) de circuitos de distribuição mais flexíveis, transparentes e eficazes;
– salvaguarda do comércio tradicional independente e ordenamento das grandes cadeias e superfícies de comércio;
– apoios às cooperativas de consumo, ao comércio de pequena e média dimensão, as várias formas associativas dos comerciantes, que garantam a sua reconversão e modernização e permitam que desempenhem eficazmente o seu papel junto das populações.
16. A política de comércio externo deverá visar a diminuição do défice da balança comercial, com a substituição de importações por produção nacional, a par da sua promoção e o escoamento. Estes objectivos centrais exigem uma política activa de defesa dos interesses nacionais no quadro das relações bilaterais e do relacionamento no plano europeu e dos organismos de comércio internacional, a diversificação das relações económicas externas, com particular aprofundamento em relação aos países de língua oficial portuguesa.
17. O desenvolvimento económico de Portugal assente numa economia mista, liberta do domínio dos monopólios, constitui parte integrante e básica da democracia avançada que o PCP propõe ao povo português. Do êxito do desenvolvimento depende o progresso social, a criação da base material para a construção de uma sociedade democrática, a firme salvaguarda da independência nacional.
3º Uma política social que garanta a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo
1. A política social na democracia avançada que o PCP propõe tem como objectivo essencial a melhoria das condições de vida material e espiritual dos trabalhadores e da grande maioria do povo português, eliminar as mais graves desigualdades e injustiças sociais e os flagelos do desemprego, da pobreza, da miséria, da prostituição, da droga e da marginalidade, assegurar aos portugueses um nível de vida e um bem-estar material e cultural conforme com as possibilidades e potencialidades criadas pelo desenvolvimento das forças produtivas na época contemporânea.
A melhoria das condições de vida material e espiritual do povo português e o desenvolvimento económico são objectivos indissociavelmente complementares na política democrática que o PCP propõe ao povo português.
No capitalismo monopolista, o desenvolvimento económico assenta na exploração dos trabalhadores e em profundas desigualdades sociais. Na democracia avançada proposta pelo PCP, a melhoria das condições de vida e de trabalho do povo torna-se um imperativo que não só é compatível como constitui um factor indispensável ao desenvolvimento económico.
2. Os direitos sociais dos trabalhadores e de todos os cidadãos são direitos fundamentais e parte integrante da democracia avançada que o PCP propõe ao povo português.
Serão assegurados como direitos sociais fundamentais:
– o direito ao trabalho;
– o direito à segurança social;
– o direito à saúde;
– o direito à educação e ao ensino, à cultura e ao desporto;
– o direito à habitação;
– o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado;
– o direito à tranquilidade e segurança das populações;
– o direito das mulheres à igualdade;
– o direito dos jovens à realização pessoal e profissional;
– o direito das crianças ao desenvolvimento harmonioso;
– o direito dos idosos, reformados e pensionistas a uma vida digna;
– o direito dos deficientes a uma vida integrada na sociedade;
– o direito dos emigrantes à protecção dos seus interesses;
– o direito dos imigrantes e das etnias à protecção dos seus interesses.
A efectivação e aplicação universais destes direitos sociais fundamentais são um imperativo para garantir condições dignas de existência a todos os cidadãos e se alcançar uma sociedade mais justa.
3. O direito ao trabalho é fundamental para a fruição dos direitos económicos, sociais e culturais e para a formação, livre desenvolvimento e realização pessoal dos cidadãos. O direito ao trabalho tem como elementos inseparáveis a justa remuneração, a segurança no emprego, condições de higiene e a segurança no trabalho, a qualificação, e o bem-estar físico e psicológico dos trabalhadores.
O direito ao trabalho será assegurado:
– por uma política de desenvolvimento económico geradora de emprego;
– pela proibição dos despedimentos sem justa causa e de quaisquer discriminações, ou perseguições, designadamente por motivo de sexo, opiniões políticas ou religiosas e actividades sindicais ou de Comissões de Trabalhadores;
– por um sistema de formação cultural, técnica e profissional contínua que assegure a promoção, a qualificação e a readaptação profissional dos trabalhadores;
– pela limitação dos contratos a prazo ou outras formas de emprego não permanente a situações excepcionais;
– pela eliminação de todas as formas de trabalho ilegal;
– por uma política de rendimentos que eleve a quota-parte do trabalho na distribuição da riqueza nacional e garanta a elevação progressiva do nível de vida dos trabalhadores;
– pela justa retribuição do trabalho, com respeito pelo princípio de «a trabalho igual salário igual»;
– pela redução e organização do tempo de trabalho que permita aumentar o tempo livre dos trabalhadores para a fruição cultural e o lazer.
4. O direito à segurança social deve ter como objectivo a protecção dos cidadãos nas situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, designadamente doença, invalidez, desemprego, velhice, cabendo ao Estado a responsabilização pelo sistema.
O direito à segurança social será assegurado:
– por um sistema público integrado, descentralizado e participado, assente nos princípios da universalidade, unidade, igualdade e solidariedade;
– pela participação do movimento sindical e das organizações representativas dos utentes na definição da política de segurança social e na gestão do sistema;
– pelo aumento do valor das pensões e demais prestações sociais e o alargamento e melhoria dos serviços de acção social que permitam a satisfação das necessidades dos cidadãos e da família.
5. O direito à saúde deve ter como objectivo garantir as condições para o bem-estar físico, mental e social dos portugueses, utilizando para tal os avanços científico-técnicos, promovendo a saúde, prevenindo a doença e assegurando a reabilitação.
O direito à saúde será assegurado:
– por um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito com gestão eficiente, participada e descentralizada;
– por uma reforma geral dos serviços de saúde, promovendo e premiando a sua qualidade e eficácia;
– pela regionalização e descentralização dos serviços prestadores de cuidados de saúde tendo em conta as realidades geodemográficas e epidemiológicas e uma cada vez maior igualdade no acesso e cobertura assistencial da população;
– por uma correcta planificação, organização, gestão e articulação dos diversos níveis e serviços de saúde com a participação dos trabalhadores do sector e das populações;
– pela adopção de uma política que privilegie a promoção da saúde e prevenção da doença, assegurando os meios necessários ao combate aos principais problemas de saúde pública, segundo critérios de prioridade rigorosamente definidos e permanentemente actualizados.
6. O direito à educação e ao ensino, à cultura e ao desporto é o direito de todos e cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno e harmonioso desenvolvimento das suas potencialidades, capacidades, vocações e consciência social e cívica.
O direito à educação e ao ensino, à cultura e ao desporto será assegurado:
– por uma política que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso país; que atenda à multiplicidade e diversidade dos processos educativos e formativos contemporâneos e as dimensões a que estes necessitam de dar resposta, desde a competência profissional e a qualificação, à cultura humanista e científico-técnica, à inovação e à criação, aos valores cívicos e humanos; que considere o conjunto da população portuguesa e desenvolva um sistema de educação permanente que integre e equilibre a educação inicial com o ensino e a formação contínua dos adultos e assegure um ensino da mais alta qualidade para todos os portugueses e que seja um factor de elevação do nível cultural da população, da formação integral da pessoa humana e de afirmação de uma cidadania plena e criadora numa sociedade democrática;
– por um sistema educativo que valorize o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas e programas e meios financeiros e humanos que permitam a concretização do direito ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses, no ensino obrigatório e a todos os níveis do ensino, através de uma escola pública gratuita e de qualidade; que erradique o analfabetismo; que assegure a cobertura do País por uma rede pública de educação pré-escolar e que estabeleça a interligação entre os objectivos do ensino e das actividades sociais, culturais e económicas; que contribua para o aumento da qualificação do trabalho dos portugueses;
– pela implantação de um sistema desportivo que, integrando as várias estruturas a ele ligadas (poder central, poder local, estruturas associativas, clubes, escolas), garanta aos desportistas as condições de trabalho e desenvolvimento, assegure à generalidade da população condições de acesso à prática desportiva nos seus vários níveis e modalidades, contribuindo para o seu desenvolvimento e realização;
– pelo apoio e estímulo continuados à produção, actividades e agentes culturais, pela democratização cultural e do acesso à fruição e à criação culturais.
7. O direito à habitação deve concretizar-se pela garantia aos cidadãos e famílias de residência que satisfaça as suas necessidades e assegure o seu bem-estar, privacidade e qualidade de vida.
O direito à habitação será assegurado:
– pela realização de uma política de combate às carências de habitação e a aplicação de uma política de solos e de ordenamento territorial que crie solos e zonas urbanas com qualidade, e infra-estruturas não sujeitas à especulação;
– pela assunção pelo Estado das responsabilidades que lhe cabem, designadamente no lançamento de vastos programas de habitação para os cidadãos de menores recursos, no incentivo à promoção de habitação com custos controlados; por uma política de crédito eficaz, pela descentralização de competências e atribuição de meios aos municípios;
– pela conjugação da acção dos promotores públicos, privados e cooperativos, pelo incentivo à recuperação dos centros históricos, áreas degradadas e loteamentos clandestinos com eliminação dos bairros de lata, pela promoção de um mercado de arrendamento e de construção de habitação de rendas sociais.
8. O direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado visa garantir a cada cidadão e a cada comunidade uma vida em harmonia com o meio natural, os seus recursos e espécies, condição essencial ao seu equilíbrio físico e psíquico e aos das gerações vindouras.
O direito a um ambiente sadio ecologicamente equilibrado será assegurado:
– pelo planeamento e análise conjunta de todas as políticas sectoriais e do ordenamento do território, dos seus impactos sobre os recursos naturais e o ambiente e sobre o uso e ocupação do solo;
– pelo combate à desertificação e despovoamento de enormes áreas do país, a prevenção dos incêndios, a defesa das zonas ecológicas sensíveis e das áreas protegidas, a opção por uma especialização produtiva que preserve o ambiente e o desenvolvimento de uma pedagogia cívica de defesa do ambiente;
– pela gestão racional, integrada e democraticamente participada dos recursos naturais dos ecossistemas e o rigoroso controlo da sua capacidade de renovação;
– pelo combate coordenado, aos níveis nacional e internacional, às graves situações de degradação ambiental, nomeadamente à poluição dos cursos de água, dos mares e zonas costeiras;
– pela extensão coordenada a todo o território nacional das redes de saneamento básico, de distribuição de energia, do controlo da poluição atmosférica, dos solos e dos recursos hídricos;
– por uma política urbanística que garanta às populações das cidades um ambiente urbano equilibrado e saudável;
– pela promoção da actividade científica no domínio do ambiente e de áreas correlacionadas, de divulgação dos trabalhos realizados e da participação de cientistas na definição e acompanhamento das pesquisas;
– pela divulgação das questões ecológicas através do ensino.
9. O direito à tranquilidade e segurança das populações assume grande importância em todo o território nacional.
O direito à tranquilidade e segurança das populações será assegurado:
– por uma política de desenvolvimento integrado e da melhoria das condições de vida dos cidadãos;
– pelo reforço dos meios de policiamento e investigação criminal e da sua capacidade operativa, privilegiando-se a acção preventiva;
– pelo combate à criminalidade, às associações criminosas, ao tráfico de seres humanos, ao tráfico de drogas, à violência e à corrupção;
– pelo desenvolvimento de relações entre as forças de segurança, as autarquias, as populações, as escolas, as organizações de juventude, o Ministério Público e outras entidades, com o objectivo de prevenir e dar combate à criminalidade;
– pela reorganização e optimização das capacidades de resposta das forças de segurança, com base na definição do seu carácter civilista e judicializado e no reconhecimento dos direitos dos seus profissionais;
– pela garantia do direito à protecção civil em situações de acidente grave, catástrofe e calamidade, de origem natural ou tecnológica, através de um autêntico sistema nacional de protecção civil desgovernamentalizado, descentralizado, operativo e participado.
10. O direito das mulheres à igualdade, intimamente ligado à sua luta emancipadora, é condição para a democratização e humanização da sociedade e o livre desenvolvimento das capacidades criativas e produtivas das mulheres.
O direito das mulheres à igualdade será assegurado:
– por legislação que garanta a efectivação dos direitos das mulheres em todas as esferas da sociedade, proibindo e penalizando todas as discriminações;
– pelo direito ao trabalho em igualdade de oportunidades no acesso, formação e promoção profissionais e a efectivação do princípio de «a trabalho igual salário igual»;
– pelo reconhecimento efectivo da maternidade e paternidade como função eminentemente social;
– pelo reconhecimento efectivo da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na família, incluindo na manutenção e educação dos filhos.
– pelo desenvolvimento de uma política educativa e cultural visando a alteração das mentalidades e a criação de relações familiares baseadas na decisão livre, no amor e solidariedade entre os seus membros;
– pela criação das condições objectivas e subjectivas para a formação de uma adequada consciência social que encare o homem e a mulher como seres humanos na plenitude dos seus direitos e deveres.
11. O direito dos jovens à realização pessoal e profissional e a uma activa participação na sociedade tem como elemento fundamental a efectiva garantia dos seus direitos económicos, sociais e culturais.
O direito dos jovens será assegurado:
– pelo cumprimento da escolaridade obrigatória e gratuita e pela igualdade de oportunidades de acesso aos diferentes níveis de ensino e ao sucesso escolar;
– pelo acesso ao emprego e à formação e promoção profissionais e o apoio ao prosseguimento e conclusão dos estudos quando já em actividade profissional;
– pela remuneração do seu trabalho garantindo-se o princípio «a trabalho igual salário igual»;
– pela criação das condições indispensáveis à obtenção de habitação e à constituição de família própria quando o desejarem;
– pela criação de condições que tornem acessível a fruição e a criação cultural, a prática desportiva e uma sã ocupação dos tempos livres;
– pelo apoio ao desenvolvimento do movimento juvenil, no respeito pela sua identidade e características próprias;
– pela criação de condições para uma vida digna, com a prevenção da toxicodependência, o combate à miséria e à marginalidade juvenis.
12. O direito das crianças ao desenvolvimento harmonioso e ao respeito pela identidade própria é essencial para uma infância feliz, condição para a formação de cidadãos física, intelectual e emocionalmente saudáveis.
O direito das crianças será assegurado:
– pela assistência materno-infantil e o incremento de estruturas de apoio à criança e à família;
– por uma alimentação suficiente e adequada, cuidados de saúde, educação orientada para o sucesso escolar e educativo;
– por medidas de protecção e cuidados especiais que tenham em conta o seu grau de desenvolvimento afectivo, físico, psíquico e intelectual e os casos de dificuldades específicas;
– pela protecção social e jurídica contra todas as formas de arbitrariedade, violência e exploração, designadamente pela proibição e punição da utilização do trabalho infantil;
– pelo estimular de uma pedagogia que incuta na sociedade o respeito pela criança.
13. O direito dos idosos, reformados e pensionistas consagrado através de uma política específica que tenha em conta as suas aspirações, deve ter como objectivo proporcionar-lhes uma vida digna, a segurança na velhice e a plena integração e participação na sociedade.
O direito dos idosos, reformados e pensionistas será assegurado:
– por uma pensão de reforma que permita satisfazer as necessidades essenciais e assegurar a sua independência e dignidade;
– pela prestação de serviços de saúde apropriados;
– pelo apoio social e à ocupação de tempos livres através de infra-estruturas e serviços de apoio adequados.
14. O direito dos deficientes deve garantir-lhes a possibilidade de realizar uma vida independente e socialmente útil, eliminando as barreiras que impedem a sua integração na sociedade como cidadãos de pleno direito.
O direito dos deficientes será assegurado:
– por uma correcta política de prevenção, de saúde e de reabilitação para reintegração no trabalho;
– pelo reforço dos esquemas de subsídios e segurança social;
– por medidas específicas de ensino, formação profissional e garantia de emprego;
– por adopção de medidas legislativas e administrativas, que conduzam à eliminação de barreiras arquitectónicas e outras;
– pela criação de programas de ocupação de tempos livres, culturais e de cultura física e desporto.
15. O direito dos emigrantes à protecção dos seus interesses essenciais decorre do grande peso do fenómeno emigratório na sociedade, das discriminações de que são vítimas e da desprotecção em que se encontram.
O direito dos emigrantes será assegurado:
– pela acção eficiente das representações consulares e diplomáticas e de outros serviços específicos de protecção e apoio nos países de acolhimento e em Portugal;
– pela aplicação das Convenções e Acordos bilaterais e multilaterais assinados pelo Estado português em casos que requeiram a defesa dos direitos dos emigrantes e seus familiares;
– pela aplicação de medidas que propiciem o acesso ao ensino de português e promova a língua e cultura portuguesas no estrangeiro;
– pela participação dos emigrantes na definição das soluções para os seus problemas e pelo respeito do seu movimento associativo;
– pelo apoio ao regresso, nomeadamente através de medidas específicas de canalização de poupanças para as regiões de origem e à promoção de projectos de desenvolvimento designadamente regionais.
16. O direito dos imigrantes e das etnias à protecção dos seus interesses decorrem de uma política de amizade e cooperação entre todos os povos e do respeito por toda a pessoa humana.
O direito dos imigrantes e das etnias será assegurado:
– por medidas de protecção ao uso das suas línguas e culturas;
– pela adopção de medidas que facilitem a sua integração na sociedade portuguesa, respeitando as suas particularidades culturais;
– pela extensão dos esquemas de protecção social e jurídica em pé de igualdade com os trabalhadores portugueses;
– pelo combate a quaisquer manifestações de racismo e de xenofobia.
17. Não basta que fique na lei o reconhecimento dos direitos sociais dos trabalhadores e de todos os cidadãos. Uma política democrática, pelas suas orientações e pela sua realização, tem de assegurá-los na prática.
Estes direitos fundamentais têm implícitos o bem-estar material e cultural, a dignidade e a real melhoria das condições de vida dos trabalhadores e de todos os cidadãos e constituem um princípio basilar da democracia avançada que o PCP propõe.
4º Uma política cultural que assegure o acesso generalizado à livre criação e fruição culturais
1. A política cultural que o PCP propõe aos Portugueses consiste no efectivo exercício dos direitos culturais, na criação de condições para o desenvolvimento integral da pessoa humana e dos valores culturais da sociedade. Tem como fundamento e objectivos a elevação da participação criadora dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, bem como das suas organizações, nas várias esferas da vida social e a pedagogia dos valores democráticos.
No mundo contemporâneo, e também em Portugal, a cultura adquire um peso crescente na vida social.
A democracia cultural que o PCP defende é indissociável da democracia nas suas dimensões política, económica e social, que são condições materiais da sua realização. Radicada no movimento da sociedade, componente da vida do povo, a democracia cultural constitui um dos factores de transformação da realidade. O exercício dos direitos culturais e a luta pela sua generalização e aprofundamento são factores da democracia globalmente considerada.
2. A democracia cultural que o PCP defende implica:
– a generalização da fruição dos bens culturais e das actividades culturais, com a eliminação das discriminações económicas, sociais, de sexo e regionais no acesso aos conhecimentos e à actividade cultural;
– a formação de uma consciência social progressista, que promova os valores humanistas da liberdade, da igualdade, da tolerância, da solidariedade, da democracia e da paz;
– o reconhecimento e a valorização da função social dos trabalhadores da área cultural e das suas estruturas e a melhoria constante da sua formação e condições de trabalho, e o apoio efectivo aos jovens artistas;
– o apoio ao livre desenvolvimento das formas populares de criação e fruição, de associativismo e vida cultural, reconhecendo-se e valorizando-se o seu papel dinâmico na formação da identidade nacional;
– a criação das condições materiais e espirituais indispensáveis ao desenvolvimento da criação, produção, difusão e fruição culturais, com a rejeição da sua subordinação a critérios mercantilistas e no respeito pela controvérsia científica e pela pluralidade das opções estéticas.
3. São orientações fundamentais da política cultural:
– a livre expressão cultural, a valorização das aptidões e o desenvolvimento das capacidades individuais e a elevação do nível de conhecimentos e das necessidades culturais da população;
– a erradicação do analfabetismo integral e o combate ao analfabetismo funcional;
– uma Escola em transformação, para o desenvolvimento e a modernização, para a emancipação cultural e a pedagogia democrática, para a educação permanente; uma Escola apoiada e potenciada, na sua função cultural, por outros meios formativos e agentes socioculturais, desde as instituições científicas, técnicas e artísticas, aos meios de comunicação social e às estruturas populares;
– uma política que potencie a função cultural e social do desenvolvimento científico e tecnológico;
– a expansão da educação e do ensino artísticos e da animação sociocultural;
– uma política de educação física e desporto assumida como meio de valorização humana e factor de desenvolvimento da personalidade e democratização da vida social;
– uma política de ambiente, ordenamento do território e urbanismo que permita uma vida quotidiana de tranquilidade e bem-estar, a fruição generalizada de espaços de convívio e lazer, no respeito pela preservação do património natural e cultural e dos núcleos urbanos de valor histórico e patrimonial;
– a elevação do papel cultural da comunicação social, no rigor e na qualidade da informação, no estímulo, na integração e na divulgação, de acordo com a especificidade dos diferentes meios, da produção literária, artística, científica e cultural em geral;
– a descentralização e regionalização das estruturas de produção, dos equipamentos e serviços culturais, no quadro da eliminação das desigualdades regionais e da afirmação criadora das especificidades das regiões; o apetrechamento material e humano que potencie a acção do poder local na esfera cultural;
– a salvaguarda, o estudo e a divulgação do património cultural nacional, regional e local, erudito e popular, tradicional ou actual;
– o intercâmbio com os outros povos da Europa e do mundo, a abertura aos grandes valores da cultura da humanidade e a sua apropriação criadora, o combate à colonização cultural e a promoção internacional da cultura e da língua portuguesas, em estreita cooperação com os outros países que a usam.
4. A democracia cultural pressupõe responsabilidades fundamentais do Estado democrático, mas só pode ser construída na combinação da acção do Estado com a participação e a criatividade individuais e colectivas.
A democracia cultural é um factor da democracia política cujas potencialidades só se podem desenvolver com o alargamento e a elevação da formação e da vida cultural das populações. É um factor da democracia económica e do desenvolvimento, porque representa a qualificação da principal força produtiva: o trabalho humano. É um factor da democracia social porque é um vector de intervenção crescente na vida da sociedade, por parte dos trabalhadores, das classes e grupos sociais mais vitalmente interessados na democracia. É um factor de soberania nacional, porque coopera na formação da identidade nacional, num processo aberto e activo e de interacção com a cultura mundial.
A democracia cultural que o PCP propõe aos Portugueses é um factor de emancipação individual, social e nacional, um factor de desenvolvimento multilateral dos indivíduos e da sociedade, um poderoso incentivo ao diálogo das culturas.
5º Uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos
1. A independência, a soberania e a integridade territorial de Portugal constituem valores fundamentais e inalienáveis do Povo, da Nação e do Estado.
Desde há séculos que laços de dependência em relação ao estrangeiro, e desde o século passado em relação ao imperialismo, representaram poderosos obstáculos a um desenvolvimento conforme com os interesses nacionais e constituem factores de envolvimento em questões externas contrárias aos interesses do País.
Formas de integração política, económica, militar e em questões de segurança, que retirem a Portugal alavancas fundamentais da sua soberania e independência e o deixem subordinado às transnacionais dos países dominantes, são inaceitáveis e devem ser combatidas.
Do mesmo modo e com o mesmo empenhamento com que rejeita soluções autárcicas e isolacionistas bem como o chauvinismo, o nacionalismo e o racismo, o PCP recusa alianças e relações redutoras da soberania nacional e empobrecedoras da democracia e defende uma acção com vista à revisão, anulação ou desvinculação de tratados e compromissos lesivos do interesse nacional e da paz mundial.
O PCP opõe-se ao processo de integração capitalista europeu e luta para romper com tal processo defendendo o direito soberano inalienável de Portugal e os portugueses definirem o seu próprio caminho de desenvolvimento.
O PCP continuará a pautar a sua intervenção pela defesa dos interesses nacionais, pelo combate à União Europeia como bloco político-militar imperialista, pela activa cooperação e acção comum ou convergente do movimento operário e popular, dos partidos comunistas e de outras forças democráticas e progressistas dos países da Europa.
O PCP lutará por uma Europa de efectiva cooperação entre nações livres e Estados soberanos e iguais em direitos e é favorável à construção de uma Europa inteira de paz, de cooperação entre os trabalhadores, os povos e as nações, à construção de um continente que seja um factor de desenvolvimento e um factor de segurança e de progresso social em todo o mundo. Ao contrário de uma UE, moldada pelos interesses dos grandes monopólios que se afirma como um bloco político-militar.
Uma das mais fortes exigências que emerge do mundo em mudança em que vivemos, não é de gravosas abdicações de soberania, de empobrecedoras uniformizações e de ampliação da distância entre os centros de decisão e os povos, mas da pujante afirmação da riqueza das diferenças, das identidades nacionais, do reconhecimento do direito das nações a um poder político soberano, da aspiração à igualdade de direitos e a novas formas de cooperação mutuamente vantajosas e reciprocamente enriquecedoras.
3. No plano político-militar, a participação de Portugal na NATO bem como os acordos com os EUA, relativos às suas instalações militares em Portugal, têm conduzido ao agravamento dos laços de dependência e constituem graves condicionalismos à independência e soberania nacionais.
Portugal está vitalmente interessado no processo de desarmamento e no reforço dos mecanismos internacionais de segurança colectiva.
A dissolução da NATO é objectivo crucial para a afirmação da soberania nacional e para a paz mundial com o qual o processo de desvinculação do país das suas estruturas deve estar articulado, no quadro do inalienável direito de Portugal decidir da sua saída.
No quadro europeu, Portugal deve opor-se à construção de qualquer bloco político-militar, incluindo por via da militarização da UE e empenhar-se activamente na criação de um verdadeiro sistema de segurança colectiva e de cooperação na Europa.
Num quadro internacional complexo e instável, marcado pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, torna-se ainda mais necessário que Portugal adopte uma perspectiva política que assegure a integridade do território nacional, a autonomia de decisão político-militar, a soberania nacional e a segurança do povo português e de Portugal, dando uma contribuição própria para a evolução positiva no relacionamento internacional, a eliminação da ameaça nuclear e a salvaguarda da paz mundial.
4. São elementos fundamentais da independência e soberania portuguesas:
– a independência económica, garantindo, no quadro da cooperação e interdependência internacional, incluindo no âmbito de organizações em que participe, o domínio nacional dos sectores e recursos estratégicos da economia, a atenuação dos défices externos nas áreas que criam vulnerabilidades, o desenvolvimento da produção, a atenuação da dívida externa, a inserção na divisão internacional do trabalho de forma não subordinada e que, pelo controlo dos processos produtivos, inviabilize imposições externas;
– a definição nacional da política de defesa, garantindo a autonomia na adopção dos conceitos estratégicos fundamentais, a independência das Forças Armadas Portuguesas de qualquer controlo ou ingerências externas e a sua não integração ou envolvimento em forças multinacionais e intervenções agressivas, a decisão prévia e o controlo nacional sobre a utilização do território, espaço aéreo e zonas marítimas por forças estrangeiras, excluindo utilizações para operações de agressão, para projectos de militarização do espaço ou com base de instalação, estacionamento e trânsito de quaisquer tipos de armamento nuclear;
– a definição das medidas de política e segurança interna, não permitindo o comando externo de forças ou serviços de segurança nacionais nem actividades de forças ou serviços de segurança estrangeiros ou supranacionais em território português, sem prejuízo da necessária cooperação internacional no combate ao crime;
– a autonomia de decisão e relacionamento diplomático sem subordinação a ditames ou imposições externas, garantindo a sua concretização pautada pelos objectivos de defesa dos interesses nacionais de cooperação, amizade e solidariedade com todos os povos, e da paz e segurança;
– a salvaguarda e desenvolvimento da cultura portuguesa, garantindo no quadro da necessária intensificação do intercâmbio com outros povos e culturas e da crescente internacionalização da comunicação social, a preservação da identidade cultural do povo português e a valorização da sua afirmação internacional;
– o desenvolvimento nacional da ciência e tecnologia, garantindo, no quadro da cooperação e intercâmbio internacionais, uma política científica e tecnológica adaptada aos problemas específicos do desenvolvimento integrado de Portugal, condições não desiguais nos processos de intercâmbio de conhecimentos e o equilíbrio da balança tecnológica com outros países em condições de igualdade e reciprocidade.
5. No quadro destas orientações gerais Portugal desenvolverá, na democracia avançada que o PCP propõe ao povo português, uma política externa diversificada, de paz, amizade e cooperação com todos os povos, na base dos princípios da igualdade, reciprocidade de vantagens, respeito mútuo e não ingerência nos assuntos internos, que terá como vectores principais:
– as relações com os países da Europa, tendo como princípios básicos a cooperação mutuamente vantajosa, a salvaguarda dos interesses, da cultura e da soberania nacionais, o desenvolvimento de relações equilibradas e não discriminatórias entre os seus Estados membros e com todos os povos e países;
– as relações com os EUA e outros países rejeitando ingerências ou pretensões hegemónicas;
– as relações de privilegiada amizade e cooperação livres de pretensões neocolonialistas com Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Brasil;
– as relações de amizade e cooperação com os países socialistas ou que apontam o socialismo como objectivo valorizando reais potencialidades de uma cooperação mutuamente vantajosa;
– as relações com os países da América Latina, África e Ásia, valorizando factores de ordem histórica e cultural, e activa cooperação para a solução dos graves problemas que afectam os países em desenvolvimento e toda a Humanidade;
– as relações com os países árabes, designadamente do Magrebe e do Mediterrâneo Oriental, orientadas para a transformação do Mediterrâneo numa zona de paz e cooperação;
– a solidariedade activa com os povos em luta pela liberdade, independência nacional e progresso social, contra o imperialismo, o colonialismo, o fascismo, o racismo, o apartheid e o sionismo;
– a intervenção activa em todas as instâncias internacionais em que participa, particularmente na ONU e suas agências, para a resolução dos problemas globais da Humanidade, designadamente a defesa da paz, a luta contra a fome, a pobreza e o subdesenvolvimento, a doença e a toxicodependência, a defesa e preservação do meio ambiente, a criação de uma nova ordem internacional da informação. Valorização do papel da ONU na concretização dos objectivos da sua Carta, pugnando pela sua democratização e combatendo a sua instrumentalização e perversão pelas grandes potências para intervir nos assuntos internos dos povos;
– o empenho na criação de uma nova ordem económica internacional tendente à superação da troca desigual, da sobre-exploração dos recursos, dos profundos desequilíbrios e discriminações e dos devastadores efeitos da dívida externa que impendem sobre dezenas e dezenas de países, e que, pondo termo ao neocolonialismo, assegure o bem-estar de todos os povos, assegurando o desenvolvimento sustentado, respondendo às necessidades do presente sem comprometer o futuro das gerações vindouras;
– a contribuição activa para a criação de uma Europa de paz, progresso, amizade e cooperação entre povos e países soberanos e iguais em direitos, com o avanço do processo de desarmamento, a dissolução da NATO e a desmilitarização da União Europeia, a criação de um sistema de segurança colectivo que respeite e assegure a soberania dos Estados e a livre opção dos povos.
6. Na democracia avançada que o PCP propõe, Portugal contribuirá positivamente para a resolução dos grandes problemas do mundo contemporâneo, no caminho da paz e do progresso social. Portugal assumirá o seu pleno direito de decidir do seu próprio regime económico, social e político, da sua própria política interna e externa, do seu futuro e do seu destino.
A democracia avançada que o PCP propõe, incorporando uma concepção de regime e a definição de uma política democrática, caracteriza-se fundamentalmente por constituir um projecto de sociedade cuja construção se apresenta como inteiramente correspondente aos interesses dos trabalhadores e das outras classes e camadas antimonopolistas e às necessidades nacionais.
A construção da democracia avançada constitui assim um processo de transformação da vida e da sociedade para cujo êxito serão determinantes, para lá de soluções institucionais, políticas e governamentais, a luta de massas, o esforço criador e o empenho colectivo dos trabalhadores e do povo português.
A acção permanente e quotidiana em defesa dos interesses do povo e do País, o combate firme e persistente à política de direita, o reforço da unidade da classe operária, o empenho na formação de uma vasta frente social de luta, o fortalecimento das organizações e movimentos unitários de massas, os progressos na convergência e unidade dos democratas e patriotas, a conjugação da acção eleitoral e institucional com a acção de massas, a intensificação e convergência da luta de massas, com todos os desenvolvimentos e expressões que ela possa assumir – factor determinante e decisivo – bem como a concretização de soluções políticas progressistas de conteúdo patriótico e de esquerda, fazem parte e inserem-se no processo de ruptura antimonopolista e anti-imperialista necessário à construção da democracia avançada.
O reforço da influência social, política e eleitoral do PCP, a ampliação da consciência do seu papel como força indispensável à concretização da alternativa e a sua participação no governo do País são condição decisiva para a construção de uma democracia avançada.
III
O socialismo, futuro de Portugal
A democracia avançada que o PCP propõe ao povo português visa resolver muitos dos mais graves problemas actualmente existentes. Mas a liquidação da exploração capitalista, o desaparecimento geral e efectivo de discriminações, desigualdades, injustiças e flagelos sociais é tarefa histórica que só com a revolução socialista é possível realizar.
Tal como o Programa do PCP aprovado em 1965 e reafirmado com alterações em 1974 no VII Congresso (Extraordinário) sublinhava que a realização completa da revolução democrática e nacional criaria condições favoráveis para a evolução da sociedade portuguesa rumo ao socialismo, assim também, ao propor no seu Programa uma democracia avançada inspirada nos valores de Abril, o PCP considera que a realização de um tal projecto criará condições propícias a um desenvolvimento da sociedade portuguesa conduzindo ao socialismo. A sociedade socialista que, como objectivo e perspectiva, o PCP propõe ao povo português incorpora e desenvolve os elementos fundamentais – económicos, sociais, políticos e culturais – da democracia avançada.
O processo social e político que conduzirá ao socialismo não depende apenas da vontade e da acção das forças que querem promovê-lo. Depende também, para além de outros factores, da actuação e das formas de resistência das forças que se lhe opõem. No Portugal do tempo em que vivemos o caminho do socialismo é o da luta pelo aprofundamento da democracia.
A acção de vanguarda da classe operária, a luta dos trabalhadores e das massas populares, a política assumida pelas instituições e pelo Estado, a maior ou menor democraticidade das eleições, a evolução da estrutura social e a arrumação das forças de classe, a conjuntura internacional, a capacidade do Partido para ganhar as massas para o seu Programa, são elementos fundamentais que determinarão no concreto o processo de transformação socialista da sociedade.
Século XX – a construção de uma nova sociedade
1. O século xx fica marcado na história da humanidade como um momento de viragem da sociedade humana a partir da vitória da revolução socialista de Outubro e da constituição do primeiro Estado de operários e camponeses. Passos gigantescos no processo de libertação dos trabalhadores e dos povos foram dados pelas revoluções socialistas, pela derrota do nazi-fascismo, pelo ruir do colonialismo, pela conquista da independência por povos secularmente submetidos ao jugo colonial, pela conquista de direitos e liberdades fundamentais pelos trabalhadores dos países capitalistas.
Partindo em geral de um baixo nível de desenvolvimento os países socialistas alcançaram êxitos e realizações de grande projecção internacional que estimularam a luta dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.
Num curto prazo de tempo histórico venceram o atraso económico, construíram uma base industrial considerável, desenvolveram a agricultura, venceram rapidamente o analfabetismo e generalizaram a instrução, a cultura e o desporto, eliminaram o flagelo do desemprego e asseguraram uma vasta rede de saúde pública e protecção social, promoveram numa escala sem precedentes os direitos das mulheres, das crianças, dos jovens e dos idosos, alcançaram elevado nível científico e técnico, avançaram na solução de complexos problemas de ordem nacional, puseram em prática formas de democracia participativa de grande significado, promoveram os valores da amizade, da solidariedade e da paz entre os povos.
Tratou-se de um empreendimento revolucionário exaltante – num processo irregular e acidentado – que visou transformar e em grande medida transformou em realidades profundas, sentidas e justas aspirações e sonhos da imensa maioria da Humanidade – de todos os explorados, oprimidos, discriminados por motivo de classe, de raça, de sexo, de ideias.
Depois de milénios de sociedades cujos sistemas socioeconómicos e cujo desenvolvimento se basearam sempre na exploração de umas classes por outras classes, na exploração dos que trabalham e constituem a grande maioria dos povos por uma minoria detentora dos meios de produção, do Estado e do poder – as revoluções socialistas, com o poder dos trabalhadores, empreenderam a construção de uma nova sociedade sem exploradores nem explorados, sem classes antagónicas, sem discriminações e injustiças sociais, uma nova sociedade na qual o bem-estar material e espiritual do povo e a democracia nas suas vertentes económica, social, política e cultural tem necessariamente de ser um objectivo básico de toda a política.
Um tal processo revelou-se mais complexo e demorado que o previsto e esteve sujeito a atrasos, erros e deformações que conduziram à sua própria reversibilidade. Mas isso não anula as grandes realizações do socialismo e os avanços de civilização que lhe estão associados e não põe em causa a superioridade do novo sistema social.
2. A evolução do capitalismo, com as violentas manifestações da sua natureza exploradora, agressiva e predadora, a agudização das suas contradições, o agravamento da sua crise estrutural, coloca cada vez mais na ordem do dia a exigência da sua superação revolucionária.
O capitalismo revelou uma elevada capacidade de resistência e de adaptação e, com o campo aberto pelas derrotas do socialismo, conseguiu recuperar posições perdidas e passar à ofensiva no plano mundial. No entanto não só não resolveu as suas contradições, como tende a agudizá-las.
São traços e tendências do capitalismo na actualidade a aceleração dos processos de internacionalização e a mundialização da economia, a criação de espaços de integração dominados pelo grande capital e pelos Estados mais poderosos, a centralização e concentração do capital com a formação de gigantescos monopólios que dominam a vida económica e o poder político, a recolonização planetária para o domínio dos recursos naturais, mercados, fontes de mão-de-obra barata, o agravamento da exploração da força de trabalho e o desmantelamento das funções sociais do Estado, o desemprego massivo e outros flagelos sociais, o agravamento da injusta repartição do rendimento entre o capital e o trabalho, o aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, a predação dos recursos e o agravamento dos problemas ambientais, o crescimento de tendências autoritárias, fascizantes e militaristas.
As crises cíclicas de sobreprodução tornam-se cada vez mais frequentes e duradouras. A financeirização da economia e a hegemonia do capital financeiro e especulativo conduzem a um brutal desperdício de forças produtivas e à extorsão da mais-valia criada na esfera produtiva. Acentua-se a tendência para a estagnação. O capitalismo torna-se cada vez mais rentista, parasitário e decadente.
Acentuam-se as contradições do sistema resultantes de factores objectivos, como a redução da base social de apoio do capitalismo na sua forma actual decorrente do processo de centralização do capital, e de factores subjectivos devidos à luta libertadora dos trabalhadores e dos povos, cujo desenvolvimento tem imposto importantes conquistas e alcançado transformações progressistas e revolucionárias.
Na fase actual da evolução das sociedades humanas, o capitalismo e o imperialismo são responsáveis por uma violenta contradição entre as imensas potencialidades de progresso social – libertadas pelo trabalho, acção e luta das massas humanas e pela revolução científica e tecnológica – e a persistência, quando não o agravamento, de grandes problemas globais, como a fome, as desigualdades sociais, a ignorância, os riscos de guerra e de destruição da espécie.
Acentua-se a contradição entre o capital e o trabalho, entre os monopólios e as camadas não monopolistas, entre as principais potências capitalistas e os países em desenvolvimento. A contradição entre o carácter social da produção e a apropriação privada torna-se particularmente aguda. Para libertar as forças produtivas e colocar as extraordinárias conquistas da ciência e da técnica ao serviço do progresso económico e social e da solução dos problemas da Humanidade, impõe-se a superação do capitalismo por uma formação económica e social superior – o socialismo.
3. A luta pelo socialismo no mundo sofreu ao findar o século xx derrotas de trágicas consequências para a luta dos trabalhadores e dos povos contra todas as formas de exploração e opressão, com a desintegração da URSS e dos regimes existentes nos países do Leste da Europa.
A construção do socialismo enfrentou desde o primeiro momento o cerco, a subversão e agressão, e duas guerras imperialistas que impuseram pesados sacrifícios e destruições e obrigaram a desviar recursos imensos para a esfera militar e para a solidariedade com outros povos, levando a distorções e desequilíbrios no desenvolvimento sócio-económico socialista e mesmo a situações de crise. O sistema socialista tornou-se um factor determinante do desenvolvimento mundial. As condições externas influenciaram em medida apreciável as soluções e os caminhos de construção do socialismo e contribuíram para os atrasos, erros e deformações que se verificaram. Graves cedências, capitulações e traições acabaram por conduzir à derrota.
Apesar das grandes transformações e realizações democráticas revolucionárias de carácter económico, social e cultural, acabou por instaurar-se e instituir-se nesses países em determinadas circunstâncias históricas um «modelo» que violou características essenciais de uma sociedade socialista e se afastou, contrariou e afrontou aspectos essenciais dos ideais comunistas. Em vez do poder político do povo, um poder excessivamente centralizado nas mãos de uma burocracia cada vez mais afastado da intervenção e vontade das massas e cada vez menos sujeito a mecanismos fiscalizadores da sua actuação. Em vez do aprofundamento da democracia política, a acentuação do carácter autoritário do Estado. Em vez de uma economia dinamizada pela propriedade social dos principais meios de produção, uma economia excessivamente estatizada desincentivando progressivamente o empenhamento dos trabalhadores e a produtividade. Em vez de um partido de funcionamento democrático, enraizado nas massas e delas recebendo energias revolucionárias, um centralismo burocrático baseado na imposição administrativa de decisões tanto no partido como no Estado, agravado pela fusão e confusão das funções do Estado e do partido. Em vez de uma teoria viva e criativa, a sua dogmatização e instrumentalização.
A experiência revela assim que a intervenção consciente e criadora das massas populares é condição necessária na construção da sociedade socialista e que as soluções adoptadas para os mais diversos problemas (organização económica, sistemas de gestão, estrutura do Estado, política social, intervenção popular, cultura) têm de estar constantemente sujeitas à verificação dos resultados, prontas à correcção e à mudança quando necessárias, abertas ao constante aperfeiçoamento e enriquecimento.
A experiência revela ainda que para impedir um distanciamento entre os governantes e as massas, o uso indevido do poder político, o abuso da autoridade, a não correspondência da política e das realidades com os objectivos definidos e proclamados do socialismo, desvios e deformações incompatíveis com a sua natureza – são essenciais o exercício efectivo do poder pelo povo, o controlo popular e a consideração permanente do aprofundamento da democracia.
As derrotas do socialismo conduziram ao rápido e violento desmantelamento das estruturas económicas e sociais socialistas, à imposição de regimes autoritários e fascizantes, ao empobrecimento generalizado, à colonização pelo capital estrangeiro, à efectiva perda de soberania de numerosos países. No plano mundial traduziram-se num enorme desequilíbrio da correlação de forças em favor do capitalismo, numa violenta contra-ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo para reconquistar posições perdidas e impor ao mundo o seu domínio, no crescimento dos perigos para a paz e a liberdade dos povos. O movimento comunista e as forças progressistas e revolucionárias sofreram um grande revés que atrasa mas não põe em causa o processo de emancipação social e nacional dos trabalhadores e dos povos.
A história do século xx mostra, por um lado, que grandes transformações e conquistas de alcance histórico na construção do socialismo e um verdadeiro progresso social são inseparáveis da luta dos comunistas; mostra, por outro lado, que a assimilação crítica das experiências revolucionárias, positivas e negativas, é indispensável às forças que se proponham, no seu próprio país, pôr fim a todas as formas de exploração e opressão, construindo uma sociedade socialista.
4. Na avaliação das perspectivas de evolução social e política do mundo contemporâneo é indispensável ter em conta que enquanto o capitalismo se formou e impôs como sistema dominante num processo abarcando vários séculos, o socialismo, surgindo no século xx, apenas conheceu durante décadas os seus primeiros avanços históricos.
O sistema capitalista, incapaz de resolver os problemas da humanidade e de assegurar a satisfação das mais profundas aspirações e necessidades dos povos, está historicamente condenado.
Num prazo histórico mais ou menos prolongado, por vias diversificadas e num processo comportando necessariamente redefinições e enriquecimentos de projecto, através da luta de emancipação social e nacional dos trabalhadores e dos povos, é a substituição do capitalismo pelo socialismo que no século xxi continua inscrita como uma possibilidade real e como a mais sólida perspectiva de evolução da humanidade.
O socialismo – futuro de Portugal
1. É a partir da realidade portuguesa e da experiência revolucionária portuguesa nos seus múltiplos aspectos e assimilando criticamente a experiência revolucionária mundial, tanto nos seus acertos e êxitos como nos seus erros e derrotas, que o PCP aponta ao povo português, como seu objectivo, a futura construção da sociedade socialista.
O PCP aponta como objectivos fundamentais da revolução socialista em Portugal a abolição da exploração do homem pelo homem, a criação de uma sociedade sem classes antagónicas inspirada por valores humanistas, a democracia compreendida na complementaridade das suas vertentes económica, social, política e cultural, a intervenção permanente e criadora das massas populares em todos os aspectos da vida nacional, a elevação constante do bem-estar material e espiritual dos trabalhadores e do povo em geral, o desaparecimento das discriminações, desigualdades, injustiças e flagelos sociais, a concretização na vida da igualdade de direitos do homem e da mulher e a inserção da juventude na vida do País, como força social dinâmica e criativa.
2. Para alcançar tais objectivos, o PCP aponta como características da sociedade socialista em Portugal:
– no sistema político, o poder dos trabalhadores, a permanente fiscalização da actividade dos órgãos do Estado e o aprofundamento das formas de participação popular; a democratização de toda a vida nacional, a garantia do exercício das liberdades democráticas, incluindo a liberdade de imprensa e de formação de partidos políticos, a protecção na ordem jurídica dos direitos dos cidadãos, o respeito por opiniões, interesses sociais e aspirações diferenciadas e pelas crenças religiosas e a prática do culto, a realização de eleições com a observância estrita da legalidade pelos órgãos do poder, a intervenção e participação das massas trabalhadoras na direcção política e económica do País através dos órgãos de soberania, do Poder Local democrático e das organizações de classe, sindicais, populares, políticas e outras;
– na organização económica, a propriedade social sobre os principais meios de produção, uma direcção planificada da economia combinada com a iniciativa e directa intervenção das unidades de produção e dos trabalhadores, a coexistência de formas de organização estatais, autogeridas, cooperativas, colectivas, familiares e individuais, com empresas privadas de diversa dimensão, a realização completa e definitiva da Reforma Agrária com inteiro respeito pela vontade dos trabalhadores e dos agricultores, a consideração do papel do mercado, o desenvolvimento harmonioso dos recursos e sectores da economia nacional e de todas as regiões, considerando o impacto ambiental dos planos de desenvolvimento, a dinâmica e eficácia da economia baseada nas melhores realizações do progresso científico-técnico;
– no plano social, a libertação dos trabalhadores de todas as formas de opressão e exploração, o pleno emprego, a retribuição de cada um segundo o seu trabalho, o direito ao trabalho com relevo para a garantia do primeiro emprego aos jovens, a garantia dos estímulos materiais no desenvolvimento da produção, o respeito da propriedade individual resultante do trabalho próprio, a edificação de relações sociais baseadas no respeito pela dignidade e personalidade de cada cidadão, o desenvolvimento dos serviços sociais, a solução do problema da habitação, a generalização da prática desportiva e de uma saudável ocupação dos tempos livres, a defesa do meio ambiente, a erradicação dos grandes flagelos sociais como a fome, o analfabetismo, a miséria, a poluição, a droga, a prostituição, o alcoolismo e a criminalidade;
– no plano cultural, a transformação da cultura em património, instrumento e actividade de todo o povo, o progresso da ciência e da técnica, a expansão da criação artística, o estímulo à criatividade, o pleno acesso ao ensino e um elevado nível de democracia cultural resultante da conjugação permanente da política das instituições do Estado socialista com a iniciativa, a participação e a actividade criadora individual e colectiva;
– no plano ético, a formação da consciência social e individual em conformidade com os ideais da liberdade, dos deveres cívicos, do respeito pela pessoa humana e pela Natureza, da solidariedade, amizade e paz.
3. A experiência revolucionária mundial, assim como a experiência da revolução portuguesa, já mostrou que, na construção de uma nova sociedade, a iniciativa e a criatividade das forças revolucionárias e das massas populares contém imensas e por vezes inesperadas potencialidades e que as soluções adoptadas pelo poder político, além de deverem estar permanentemente sujeitas a fiscalização institucionalizada, carecem de ser aferidas pela prática e de serem sujeitas a mudanças e correcções que a vida e a vontade dos povos imponha ou aconselhe.
No quadro dos objectivos essenciais, o sistema socialista em Portugal assumirá inevitavelmente particularidades e originalidades resultantes não só das realidades objectivas do País como também das formas concretas que até então assumir a luta de classes, a evolução económica, social, cultural e política e a própria conjuntura internacional.
4. No horizonte da evolução social está o comunismo – sonho milenário da humanidade progressista, sociedade sem classes, sociedade de abundância, de igualdade social, de liberdade e de cultura para todos, de iniciativa e criatividade colectiva e individual, sociedade de trabalhadores livres e conscientes na qual o trabalho será não apenas uma fonte de riqueza mas uma actividade criadora e uma fonte de alegria, de liberdade e de valorização pessoal e na qual a paz, a saúde, a cultura, o repouso, o recreio, um meio ambiente equilibrado, a acção colectiva e o valor do indivíduo serão componentes da felicidade humana.
IV
O Partido
1. Partido político e vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, o Partido Comunista Português é um partido patriótico e internacionalista.
– Patriótico, porque partido ao serviço do povo, com as suas raízes de classe assentes na realidade económica, social e cultural de Portugal, parte integrante da sociedade portuguesa e da nação portuguesa, continuador das tradições progressistas da nossa história – é um partido ao serviço da Pátria.
– Internacionalista, porque partido dos trabalhadores portugueses cujos interesses se identificam com os interesses dos trabalhadores dos outros países na sua luta contra a exploração capitalista e pela emancipação da humanidade; solidário para com as forças revolucionárias; partido que intervém com inteira autonomia e independência no diversificado quadro das forças revolucionárias e progressistas mundiais, nomeadamente do movimento comunista e revolucionário internacional que se modifica com as mudanças da situação mundial e nos diversos países e regiões – inspira as suas posições e relações internacionais no internacionalismo proletário e se assume como um partido da causa universal da libertação do Homem.
2. É uma verdade histórica que o Partido Comunista Português desempenhou um decisivo papel na luta contra a ditadura fascista, na criação de condições sociais e políticas que tornaram possível a vitória do levantamento militar do MFA em 25 de Abril de 1974, na construção e institucionalização do novo regime democrático – o regime consagrado na Constituição da República aprovada pela Assembleia Constituinte em 1976. O PCP desempenhou e desempenha igualmente um decisivo papel na defesa da democracia portuguesa, das suas conquistas e da independência e soberania nacionais.
Partido profundamente empenhado na luta de massas, o PCP é, ao mesmo tempo, uma força política essencial ao funcionamento eficaz e democrático das instituições e ao fortalecimento da vida democrática do País. Participa activamente nos órgãos institucionais e estruturas do Estado. Tendo desempenhado um papel determinante na construção do Poder Local, aí realiza uma obra notável ao serviço das populações. Contribui decisivamente, através da acção dos seus militantes, para a valiosa dinâmica das mais diversas organizações sociais, instituições culturais e estruturas populares.
O valor da intervenção do PCP na vida nacional resulta da natureza de classe do Partido e da sua política, da correspondência dos seus objectivos e da sua luta com os interesses do povo português e de Portugal, da sua ligação aos trabalhadores e às massas populares e também da sua capacidade de organização, da sua estrutura, do seu funcionamento, do seu estilo de trabalho, do seu conhecimento da realidade, da sua criatividade, da sua unidade e coesão. Constituem também, a justo título, importante base do prestígio e influência do PCP, o seu respeito pelos compromissos assumidos perante o povo, a seriedade, a coerência, a elevação moral e política e o sentido das responsabilidades que marcam toda a sua intervenção na vida nacional.
No plano internacional as relações e a intervenção do PCP estão inteiramente ao serviço do povo português e de Portugal, da causa libertadora dos trabalhadores e dos povos, dos ideais de liberdade, independência nacional, progresso social, socialismo e paz. O PCP actua invariavelmente em prol da cooperação, da amizade e de posições, iniciativas e actuação convergentes entre as grandes forças revolucionárias do mundo contemporâneo.
3. O Partido Comunista Português organiza nas suas fileiras operários, empregados, intelectuais, quadros técnicos, pequenos e médios agricultores, pequenos e médios empresários do comércio, da indústria e dos serviços, homens e mulheres que lutam contra a exploração e a opressão capitalistas, pela democracia, pelo socialismo e o comunismo.
Podem ser membros do Partido Comunista Português todos aqueles que aceitem o Programa, os Estatutos, sendo seus deveres fundamentais a militância numa das suas organizações e o pagamento da sua quotização.
4. A estrutura orgânica e o funcionamento do Partido, definidos e desenvolvidos nos Estatutos, assentam em princípios que, no desenvolvimento criativo do centralismo democrático, respondendo às novas situações e enriquecidos com a experiência, visam assegurar simultaneamente uma profunda democracia interna, uma única orientação geral e uma única direcção central.
5. São princípios orgânicos fundamentais:
– a eleição dos organismos dirigentes do Partido, da base ao topo, e o direito de destituição de qualquer eleito pelo colectivo que o elegeu;
– a obrigatoriedade de os organismos dirigentes prestarem regularmente contas da sua actividade às organizações respectivas e considerarem atentamente as opiniões e críticas que estas exprimam como contribuição para a sua própria reflexão e respectivas decisões e melhorar o funcionamento colectivo;
– o carácter vinculativo para todos os organismos das decisões dos organismos de responsabilidade superior tomadas no âmbito das respectivas atribuições e competências e a obrigatoriedade de todos os organismos prestarem contas da sua actividade aos organismos de responsabilidade superior;
– a livre expressão das opiniões e a sua atenta consideração e debate, procurando que no trabalho, na reflexão, decisão e acção colectivos dos organismos e organizações do Partido participe o maior número possível de membros e sejam inseridos os contributos individuais;
– o cumprimento por todos das decisões tomadas por consenso ou maioria;
– o trabalho colectivo e a direcção colectiva;
– o poder de decisão e mais ampla iniciativa de todas as organizações do Partido na sua esfera de acção, no quadro dos princípios estatutários, da linha política do Partido e das resoluções dos organismos de responsabilidade superior;
– o cumprimento das disposições estatutárias por todos os membros do Partido e a não admissão de fracções - entendidas como a formação de grupos ou tendências organizadas - que desenvolvam actividades em torno de iniciativas, propostas ou plataformas políticas próprias.
Os princípios orgânicos do Partido garantem a participação de todos os militantes na elaboração da orientação do Partido, a responsabilidade e efectiva responsabilização da direcção perante o colectivo partidário e de todas as organizações e militantes perante a direcção, o debate construtivo com a expressão livre e franca de opiniões, o estímulo à iniciativa das organizações e militantes, a disciplina voluntária, consciente e responsável e a unidade ideológica, orgânica e de acção.
Estes princípios constituem uma base fundamental da força, da coesão e da disciplina do Partido, da sua ligação à classe operária e às massas populares, da sua capacidade de intervenção na vida nacional.
6. A vida social e política na sua permanente mobilidade exige do Partido a capacidade não só de acompanhar e examinar como de responder às novas situações e de protagonizar transformações da realidade.
A firmeza ideológica, a coerência de princípios, o rigor da orientação e dos objectivos políticos traçados, a capacidade e prontidão para corrigi-los sempre que tal se imponha, harmonizam-se com a necessária maleabilidade e flexibilidade tácticas.
A base teórica do PCP é o marxismo-leninismo, concepção materialista e dialéctica do mundo, instrumento científico de análise da realidade, guia para a acção que, em ligação com a prática, se enriquece e renova com o incessante progresso dos conhecimentos e experiências.
No desenvolvimento e na assimilação crítica do pensamento de Marx, Engels e Lénine, o marxismo-leninismo é necessariamente criador e por isso contrário à cristalização da teoria, à dogmatização, assim como à revisão oportunista dos seus princípios e conceitos fundamentais e integra as experiências e ensinamentos de toda a história do movimento operário, dos partidos comunistas, da Revolução de Outubro, das outras revoluções socialistas, do empreendimento da construção da uma nova sociedade, do movimento de libertação nacional, das revoluções democráticas e de toda a evolução progressista da sociedade humana.
O PCP tem no marxismo-leninismo um sólido instrumento para analisar as novas realidades e os novos processos, para elevar a reflexão, o combate ideológico e o debate teórico, e para encontrar, com criatividade, as soluções concretas para os problemas e os caminhos que conduzam os povos a um futuro melhor.
Atento à realidade, examinando as transformações e mudanças económicas, sociais, políticas e culturais que se verificam na sociedade portuguesa e no mundo, estudando os novos fenómenos e avaliando e discernindo as suas causas, significado e consequências, o PCP define a sua orientação política e as suas tarefas a curto, a médio e a longo prazo.
7. Porque o PCP está inteiramente ao serviço do povo e da Pátria, o seu Programa corresponde aos interesses fundamentais e às aspirações mais profundas da classe operária e de todos os trabalhadores, dos agricultores, dos intelectuais, dos quadros técnicos, dos pequenos e médios empresários, da juventude, das mulheres, dos reformados, dos idosos, dos deficientes, de todos os homens e mulheres progressistas.
Propondo uma democracia avançada – os valores de Abril no futuro de Portugal, o PCP proclama: Este é o Programa que propomos ao povo português. Se concordais com ele, lutai com o PCP pela sua realização.
A luta para que o Programa do PCP, pela vontade do povo português, se confirme na vida é o caminho da liberdade, da democracia, da independência nacional, da paz e do socialismo.
É o caminho que interessa ao povo português e à pátria portuguesa.