Com a publicação do Decreto-Lei n.º 127/2011, de 31 de Dezembro, o Governo pretende «a assunção, pela Segurança Social, da responsabilidade pelas pensões em pagamento em 31 de Dezembro de 2011 previstas no regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho vigente no sector bancário» ; através da «transmissão para o Estado da titularidade do património dos fundos de pensões, na parte afeta à satisfação da responsabilidade pelas pensões referidas» .
A responsabilidade pelos encargos com o pagamento das atualizações das pensões, dos benefícios de natureza complementar às pensões de reforma e sobrevivência, da contribuição para os Serviços de Assistência Médico-Social, do subsídio por morte, da pensão de sobrevivência a filhos, da pensão de sobrevivência a filhos e conjugue sobrevivo e da pensão de sobrevivência devida a familiar de atual reformado, em que as condições de atribuição ocorram a partir de 1 de Janeiro de 2012, mantém-se nas instituições de crédito, através dos respetivos fundos de pensões.
Como compensação pela assunção daquelas responsabilidades «pela Segurança social são transmitidos para o Estado ativos dos fundos de pensões em causa» .
Segundo o Governo, este diploma surge no seguimento de legislação que pretende concretizar os «princípios de convergência e universalização dos regimes de proteção social públicos, previstos nas Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, aprovadas pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro» .
No passado dia 10 de Janeiro, em audição realizada pela Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública em conjunto com a Comissão de Segurança Social e de Trabalho o Ministro de Estado e das Finanças afirmou que «foi possível definir pressupostos e condições adequadas, que asseguram o equilíbrio financeiro da operação, garantindo que é defendido o interesse dos contribuintes e que não são lesadas patrimonialmente as instituições de crédito, do mesmo modo que ficam salvaguardados os legítimos interesses dos beneficiários dos fundos pensões» . Acrescentando que, «o acordo [tripartido com as federações sindicais e a Associação Portuguesa de Bancos] teve como princípios orientadores a neutralidade financeira, a transparência de procedimentos e a salvaguarda dos direitos adquiridos dos beneficiários dos fundos de pensões dos bancos» .
Em concreto, um conjunto de 18 instituições de crédito transferiu para a Segurança Social responsabilidades dos seus fundos de pensões, num valor global estimado pela própria banca de 5971 milhões de euros. Destes, até ao final de 2011, a banca transferiu para o Estado 55% (3286 milhões de euros em dinheiro e 7 milhões em títulos de dívida pública, avaliada a preço de mercado). O remanescente deverá ser entregue até ao fim de Junho de 2012. Este deverá conter os acertos necessários relativos ao valor definitivo, a apurar por uma entidade externa contratada pelo Estado.
No entanto, decorrendo do próprio discurso do Governo conclui-se que associado a esta operação esteve o cumprimento das metas referentes ao défice orçamental incluído no pacto de agressão imposto ao povo português pelas troikas estrangeira (FMI, UE e BCE) e nacional (PSD, CDS e PS), assim como a redução da «elevada exposição [dos bancos portugueses] aos riscos dos planos de benefícios definidos que constituíram a favor dos seus trabalhadores» .
Para o Partido Comunista Português os objetivos enunciados pelo Governo apresentam contradições que impedem o cumprimento dos princípios de neutralidade financeira em favor dos contribuintes, da banca e dos trabalhadores bancários beneficiários dos fundos de pensões em causa.
Estranha-se a opção de transferir os fundos de pensões para o «Tesouro» e não para a Segurança Social, responsável pela transferência das verbas, necessárias ao pagamento das pensões, para as respetivas instituições de crédito. Esta opção do Governo obrigará a que o «financiamento dos pagamentos será garantido pelo Orçamento do Estado, através de uma dotação específica, não incluída nas dotações previstas na Lei de Bases da Segurança Social» . Em 2012, o Governo prevê que o pagamento das pensões represente um esfoço de cerca 480 milhões de euros. Ou seja, o governo utilizou parte dos valores transferidos para fazer face ao défice de 2011 e pretende que outra seja utilizada para o pagamento de dívidas de entidades públicas, assumindo uma nova despesa pública resultante do encargo com as pensões e pressionando a própria dívida pública que o pacto de agressão pretende reduzir.
No passado dia 6 de Janeiro, também em audição parlamentar, o Governador do Banco de Portugal revelava o impacto que esta operação financeira deverá ter na banca. Independentemente do método contabilístico escolhido por parte de cada instituição de crédito, a liquidação da parte correspondente aos fundos transferidos para a esfera pública, deverá provocar «um impacto prudencial […] que rondará 25% do valor transferido (isto é, cerca de 1500 milhões de euros)» , a concretizar-se através da recapitalização dos capitais próprios, permitindo cumprir os rácios de capital Core Tier 1 de 9%.
De acordo com a segunda revisão do Memorando de Entendimento, «se necessário, será disponibilizada ajuda para os bancos cobrirem as perdas e impactos no capital utilizando parte da própria transferência e adquirir ações ordinárias em bancos» .
Assim, conclui-se que a troco de futuros e novos encargos financeiros do Estado, o Governo (1) alivia a pressão e as expectativas financeiras sobre a banca, (2) devolve à mesma banca dívida ainda não vencida e ainda (3) prevê a possibilidade de recapitalizar a mesma banca através da aquisição de ações desses bancos. Aparentemente este será um bom negócio para a banca e representará um esforço fiscal e contributivo acrescido para os contribuintes para garantir o pagamento das pensões destes trabalhadores bancários aposentados.
Este desequilíbrio nos efeitos da transferência destes fundos de pensões tendencialmente virão a refletir-se nos próprios reformados bancários pois nada garante que, tal como em outros compromissos políticos (veja-se o caso do acordo de concertação social para aumentar o salário mínimo nacional para 500 euros até 2011 ou o caso dos fundos de pensões da PT ou da CGD, provisionados para pagarem pensões referentes a 14 meses), o atual Governo, ou outro que lhe suceda, garanta o pagamento das pensões em 14 prestações como foi assumido no acordo tripartido.
Para o PCP é inaceitável que, enquanto impõe sacrifícios acrescidos aos trabalhadores, aos reformados, aos jovens e aos micro e pequenos empresários, o Governo assuma uma clara opção política apoiando os grandes grupos financeiro (consensualmente responsabilizados pela crise económica e financeira que percorre o mundo e que, acrescida pela orientação política de sucessivos governos, se reflete de forma mais acentuada em Portugal).
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 127/2011, de 31 de Dezembro que procede à transmissão para o Estado das responsabilidades com pensões previstas no regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho vigente no sector bancário.
Assembleia da República, em 30 de Janeiro de 2012