Revoga os benefícios fiscais concedidos a PPR s – planos de poupança reforma - e ao regime público de capitalização
Procede a alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, e republicado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008,de 26 de Junho
(Quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho)
Exposição de motivos
1. O Orçamento do Estado de 2005 revogou os benefícios fiscais que, desde há quase vinte anos, continuavam a ser concedidos, em sede de IRS, aos sujeitos passivos que contratassem planos complementares de reforma junto de instituições de crédito e empresas seguradoras.
A introdução destes benefícios fiscais foi feita em 1986 por Miguel Cadilhe, ex-ministro das Finanças do então Primeiro-ministro Cavaco Silva, com o argumento de iriam servir para fomentar a poupança dos portugueses. Hoje, vinte e quatro anos passados sobre a criação dos benefícios fiscais que favorecem os planos de poupança-reforma, percebe-se que o grande objectivo que determinou a sua criação teve, afinal, a ver com o estímulo ao desenvolvimento de fundos destinados ao mercado financeiro. Isto mesmo afirmou então, no contexto do debate que ocorreu sobre aquela proposta de revogação inserta no Orçamento do Estado de 2005, Correia de Campos, antigo presidente da Comissão do livro Branco para a Segurança Social. Por outro lado, dados oficiais mostram que apenas 6% a 7% dos portugueses, de rendimentos acima da média, conseguem usufruir de uma redução do respectivo IRS por efeito da utilização destes benefícios fiscais. Isto é, são os cerca de 6% a 7% dos portugueses detentores de maiores rendimentos pessoais, (e que, por isso mesmo, têm rendimento disponível suficiente para realizar planos de reforma para além do que já normalmente descontam para as reformas obrigatórias da segurança social), que são adicionalmente “premiados” com um desconto do IRS por terem realizado planos poupança reforma cuja contratação já de si os beneficia por comparação com a esmagadora maioria dos portugueses, (os restantes 93 a 94%), que não têm rendimentos capazes de gerar tais poupanças.
A realidade mostra que, na maior parte dos casos, os incentivos fiscais têm um efeito pouco significativo na realização de poupança, e acabam apenas por redireccionar o aforro nos montantes estritamente necessários à obtenção dos ganhos fiscais. Por outro lado, e ainda segundo informações disponibilizadas, constata-se que, no caso dos PPR s, os que beneficiam de dedução fiscal são menos de metade dos que são realizados, facto que mostra que, mais de 50% dos PPR s contratados não resulta do estimulo fiscal, antes tem origem em decisão própria dos respectivos titulares, independentemente da existência ou não dos benefícios fiscais.
Tendo em conta a evolução dos propósitos que determinam a realização da poupança, e, no caso concreto, a contratação de PPR s, foi sem surpresa que, o próprio Miguel Cadilhe acabou, no ano de 2005, por concordar com a eliminação então proposta dos benefícios fiscais concedidos aos PPR s, reconhecendo “ser legítimo reanalisá-los, tanto política, como social e economicamente”.
2. A proposta de revogação dos benefícios fiscais de que usufruíam os Planos de Poupança Reforma (PPR), os Planos de Poupança Educação (PPE) e as Contas Poupança-Habitação (CPH), feita no Orçamento do Estado de 2005, acabou por ser aprovada com os votos de todos os partidos à excepção do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda. Além desta oposição partidária, especialmente protagonizada pelo então Secretário-Geral do PS e actual Primeiro-ministro, José Sócrates, a revogação dos benefícios fiscais concedidos aos PPR sofreu na altura uma forte contestação de personalidades directa e indirectamente associadas a instituições ligadas ao sistema financeiro e, consequentemente, à criação de fundos de investimento constituídos por planos de reforma que a existência destes incentivos fiscais permitiam motivar.
Recordem-se a mero título exemplificativo, e sem a preocupação de reproduzir todos os argumentos ou citar todas os protagonistas da contestação à revogação dos benefícios fiscais concedidos aos PPR s, os casos de Nuno Fernandes Thomaz, (na altura Vice-presidente do Fórum para a Competitividade), - que “recusava acreditar na eliminação ou na redução drástica de produtos de poupança dos portugueses”, como se a eliminação de benefícios fiscais determinasse a eliminação dos produtos…-, de António Reis, (na altura Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores), - que “considerava uma falácia afirmar que só os mais ricos subscrevem PPR s”, esquecendo que os dados mostram que só os podem realizar 6% a 7% dos portugueses com rendimentos acima da média -, ou o caso de Vasconcelos Guimarães, à altura Presidente da APFIPP que afirmava que “a revogação dos benefícios fiscais iria prejudicar a poupança e o mercado accionista”…
No plano partidário, o PS, pela voz de José Sócrates ameaçava então votar contra o Orçamento do Estado para 2005 já que os cortes anunciados dos benefícios fiscais aos PPR, aos PPE, aos PPA e às CPH “constituíam um ataque injusto à classe média”. E vale a pena citar as razões aduzidas por José Sócrates durante o debate relativo ao Orçamento do Estado de 2005 e reproduzidas a partir do Diário da Assembleia da República (sessão plenária de 17 de Novembro de 2004, página 878): “Não menos irresponsável é eliminar os benefícios fiscais nos PPR e nas contas poupança-habitação. Com esta medida, que afectará muitas famílias da classe média, o Governo comete um duplo erro: combate a poupança, que devia estimular e promove o consumo, que devia controlar” (sic).
3. Vale a pena entretanto referir que, ao contrário do esperado pelo então Secretário-Geral do Partido Socialista e pelos altos representantes das instituições financeiras que com ele convergiram na contestação à revogação destes benefícios fiscais, o montante de PPR s contratado durante o ano de 2005, (não obstante a inexistência de benefícios fiscais em sede de IRS), não sofreu alteração relevante e digna de nota por acção da revogação dos benefícios fiscais.
Vale a pena igualmente recordar que, ao mesmo tempo, no ano de 2005, o Estado poupou em despesa fiscal directamente resultante da revogação dos benefícios fiscais concedidos a PPR s, cerca de cem milhões de euros, valor anual aproximado que o Estado deixa de receber em consequência da concessão desses benefícios fiscais, e que consta dos relatórios dos Orçamentos do Estado ao longo dos últimos anos.
É verdade que a revogação dos benefícios fiscais concedidos a PPR s só se manteve no ano de 2005, uma vez que, com as eleições antecipadas realizadas nesse ano, o novo Governo presidido por José Sócrates decidiu repor, com a aprovação do Orçamento do Estado de 2006, o mesmo tipo de benefícios fiscais, ainda que apenas para os PPR s.
4. O PCP considera que se mantêm inteiramente actuais as razões que o levaram, há muito, a defender a extinção deste tipo de benefícios fiscais, concedidos a PPR.
De facto, os portugueses têm rendimentos suficientes para investir em instrumentos complementares de reforma, privados ou públicos, (entretanto o anterior Governo de José Sócrates criou instrumentos públicos idênticos aos PPR, o regime público de capitalização, com benefícios fiscais em tudo semelhantes), para além das contribuições obrigatórias que já efectua para os regimes normais de aposentação, constituem uma fatia muito limitada de contribuintes, com rendimentos acima da média. Ora, quem tem rendimentos suficientes para voluntariamente efectuar este tipo – ou qualquer outro tipo - de poupança adicional, necessariamente em proveito exclusivamente pessoal e individual, não deve, adicionalmente, beneficiar de uma redução suplementar do IRS.
Não tem lógica, não é justo, que quem tem rendimentos elevados que lhe permitem aceder a meios complementares de reforma – no que é privilegiado relativamente à maioria dos contribuintes que só conseguem descontar para os regimes públicos universais e obrigatórios – vá depois usufruir, por via dessa maior capacidade de rendimentos - de uma diminuição do valor do IRS normal que deveria pagar anualmente pelos rendimentos que aufere.
Em 2010, no momento em que o Governo, a pretexto da crise e da “necessidade” de equilibrar as contas públicas, impõe ao País, e em especial aos trabalhadores e às pessoas com menos capacidade económica, um vasto conjunto de medidas de austeridade, com aumentos generalizado de impostos que afectam sobretudo quem menos tem e pode, com cortes nas prestações sociais de quem mais precisa, e com a eliminação e a redução inaceitável do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego, o PCP considera que é imperioso que se façam cessar os benefícios fiscais – como é o caso destes, que beneficiam os maiores rendimentos que investem em PPR s ou em regimes públicos de capitalização - que implicam despesas fiscais muito substanciais, estimadas pelo próprio Governo, em 2010, em cerca de 98 milhões de euros.
É neste contexto que o PCP propõe alterações aos artigos 17.º e 21.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, revogando o n.º 1 do artigo 17.º e os n.º s 2, 9 e 10 do artigo 21.º, alterando também os seus n.º s 4 e 8.
Assim, e tendo em conta as disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1.º
Alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais
Os artigos 17.º e 21.º do Estatuto do dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, republicado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, passam a ter a seguinte redacção:
“Artigo 17.º
Regime público de capitalização
[1. Revogado. ]
Às importâncias pagas no âmbito do regime público de capitalização é aplicável o regime previsto no Código do IRS para as rendas vitalícias.
Artigo 21.º
Fundos de poupança-reforma e planos de poupança-reforma
1. […].
2. Revogado.
3. […].
4. A fruição do benefício que tenha sido auferido por valores aplicados em planos poupança-reforma fica sem efeito, devendo as importâncias deduzidas, majoradas em 10% por cada ano, ou fracção, decorrido desde aquele em que foi exercido o direito à dedução, ser acrescidas à colecta do IRS do ano da verificação dos factos, se aos participantes for atribuído qualquer rendimento ou for concedido o reembolso dos certificados, salvo em caso de morte do subscritor ou quando tenham decorrido, pelo menos, cinco anos da respectiva entrega e ocorra qualquer uma das situações definidas na lei.
5. […].
6. […].
7. […].
8. O benefício previsto no n.º 3 é aplicável às entregas efectuadas pelas entidades empregadoras em nome e em favor dos seus trabalhadores.
9. Revogado.
10. Revogado.”
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Assembleia da República, em 2 de Junho de 2010