Projecto de Lei

Mercado de valores mobiliários

 

Cria um novo imposto sobre operações realizadas no mercado de valores mobiliários

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1 - Vivemos hoje uma das mais graves crises do sistema capitalista, porventura a maior após o crash bolsista de 1929. Desencadeada a partir dos EUA, com a crise hipotecária e a bolha especulativa dos mercados financeiros, os seus impactos fazem-se sentir de forma global e atingem profundamente a economia e a capacidade produtiva instalada em termos mundiais, com consequências dramáticas para os trabalhadores e os povos.

Esta crise resulta essencialmente da contradição entre a sobreprodução e sobreacumulação dos meios de produção, por um lado, e, por outro lado a contracção dos mercados e do consumo provocados pela crescente desvalorização do poder de compra e abissais assimetrias de rendimentos. O obsessivo estímulo ao crédito, criando uma imparável espiral de endividamento, serviu o propósito de aumentar lucros a qualquer preço e retirar benefícios sempre crescentes por parte dos detentores do capital financeiro. As consequências, inevitáveis, não podiam deixar de ser o agravamento e aprofundamento da crise.

A financeirização da economia - com o desenvolvimento de processos produtivos sem tradução nem correspondência em real actividade produtiva - constitui peça central da estratégia de desenvolvimento do neoliberalismo, sempre em busca de taxas de lucro que a produção económica não podia, nem pode assegurar Para esta estratégia contribuíram, como instrumentos essenciais, a total liberalização dos mercados de capitais e dos mercados financeiros, a utilização de paraísos fiscais, a crescente contracção da despesa e do investimento público, (a pretexto da contenção dos défices orçamentais), e a privatização e liberalização de serviços públicos e de empresas essenciais ao desenvolvimento económico e social.

•2     - Como panaceias para a crise anunciam-se medidas que, no essencial, se tem traduzido na deslocação de vultuosos meios financeiros e de fundos públicos para o sistema financeiro, com obvias consequências nas contas públicas, a par do condicionamento e limitação do crédito para as micro e pequenas empresas e para os projectos de natureza pública e de novas medidas de contenção ou restrição nas despesas e prestações sociais.

Tal como em 2002, com o escândalo da Enron e da Worldcom, ensaiam-se de novo afirmações que tendem a focalizar na alteração das regras de regulação e de supervisão do sistema financeiro, bem como no reforço da interdependência e articulação das entidades reguladoras, a solução "definitiva" da crise. Paralelamente, ensaiam-se discursos de demarcação e de aparente afastamento do neoliberalismo da parte daqueles que, ao longo das últimas décadas, o acarinharam e lhe facilitaram os meios legais e os instrumentos para o seu desenvolvimento.

3 - Neste contexto, importa recordar a hipócrita e mistificadora posição do Governo PS sobre a crise, a sua génese, desenvolvimento e consequências em Portugal. Depois de meses a negar a crise, o Governo passou a seguir à fase da sua desvalorização e da ocultação das suas mais graves e previsíveis consequências, ensaiando agora tentativas de desresponsabilização face às dificuldades que o País e os trabalhadores atravessam.

4 - Entre as medidas indispensáveis para fazer face, de forma integrada e articulada, à crise e às suas consequências em Portugal, o PCP tem vindo a defender o reforço do papel e da intervenção do Estado em sectores e áreas estratégicas particularmente no sector financeiro, da energia, dos transportes e comunicações, e o abandono da reiterada política de privatizações do Governo do PS.

A exigência do fim dos off-shores e dos paraísos fiscais continua na ordem do dia e constitui um objectivo de sempre do PCP.

 Não obstante as recentes declarações do Primeiro-Ministro e as anunciadas boas intenções da Cimeira do G-20, a verdade é que na prática os paraísos fiscais continuam de "boa saúde", constituindo instrumentos privilegiados da evasão fiscal, do crime económico e do branqueamento de capitais, e servindo às mil maravilhas as estratégias da financeirização da economia.

Importa que, neste aspecto, o Governo não se fique pelas declarações de boas intenções, nem permaneça eternamente "à espera de Godot" (isto é, à espera que outros façam primeiro ou antes, se algum dia o fizerem...), e tome medidas concretas para promover a erradicação do off-shore da Região Autónoma da Madeira, onde anualmente se perdem receitas fiscais superiores a 2000 milhões de euros.

Na mesma linha, o PCP tem defendido que importa gerar novas receitas capazes de fazer face às antigas e permanentes necessidades sociais, e bem assim àquelas que se tem imposto com o agravamento da presente crise, designadamente através das receitas resultantes da taxação da circulação dos capitais especulativos em mercados cambiais e financeiros, mormente através da introdução da Taxa Tobin.

A introdução desta taxa - há tantos anos defendida pelos comunistas - regressou entretanto à agenda política. Mesmo em Portugal se levantaram vozes insuspeitas em defesa da sua introdução, como o caso recente do professor Paz Ferreira, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

De facto os valores envolvidos à escala mundial nos mercados cambiais e financeiros atingem somas astronómicas. Estimava-se em cerca de 1500 mil milhões de dólares diários, (dados de 1998), o volume de capitais em circulação, essencialmente com génese e objectivos especulativos. Uma taxa de 0,1% aplicada a este tipo de capitais faria com que cada transacção de 1000 euros pagasse o quase irrisório valor de 1 euro, menos que o que é genericamente cobrado pelo imposto de selo, quando aplicável.

Naturalmente que a taxa Tobin levantou e levanta problemas técnicos na sua aplicação multilateral. Mas não são os problemas técnicos que têm paralisado a sua introdução efectiva. A questão central - tal como nos off-shores - reside na ausência de real vontade política em controlar os movimentos especulativos de capitais, contribuir para a sua autoregulação e diminuição, melhorando, por outro lado, de forma muito significativa a capacidade de intervenção dos Estados ao gerar substanciais receitas adicionais para aplicar em objectivos sociais e públicos.

5 - A necessidade de gerar uma receita cuja origem resultasse da taxação dos movimentos de capitais motivou o PCP - já na VIII Legislatura - a propor no Projecto de Lei de Bases de Segurança Social, então apresentado, uma fonte adicional e diferenciada de financiamento do sistema público de protecção social em resultado do produto obtido pela aplicação dessa taxa Tobin. Proposta que, aliás, retomámos também na presente legislatura, através do Projecto de Resolução nº 149/X, que visava garantir a sustentabilidade financeira do sistema de segurança social pública.

A instauração de uma taxa sobre os movimentos cambiais teria certamente a virtude de conter uma parte dos volumosos movimentos especulativos ilegitimamente não tributados, em boa parte responsáveis pela instabilidade dos mercados financeiros. Mas bem se sabe que, no actual quadro de profunda liberalização e desregulamentação do mercado de capitais, a "Taxa Tobin" tem possibilidades limitadas de vingar e de produzir efeitos concretos positivos, se implantada num único País. Para se tornar eficiente, a Taxa Tobin requer uma aplicação simultânea e conjunta num espaço mais alargado, por exemplo, a zona euro ou um conjunto de mercados financeiros que representem parte substantiva do volume global de transacções cambiais.

6 - É contudo possível introduzir novas formas de gerar receitas fiscais sem penalizar nem agravar a carga fiscal que já hoje sobrecarrega a esmagadora maioria da população que vive do seu salário ou que já hoje condiciona e esmaga a capacidade financeira e de tesouraria das micro e pequenas empresas.

Inspirado na "Taxa Tobin", é possível contudo criar um imposto de nova geração que, com uma pequena taxa de 0,1%, possa ser aplicável a todas as transacções efectuadas na bolsa de valores mobiliários, sem necessidade de qualquer pendência ou decisão externa.

Segundo dados do Banco de Portugal, o património financeiro, constituído por acções e outras participações ascendia, no final de 2007, a um total próximo dos 142 mil milhões de euros. No entanto, e apesar da baixa significativa das cotações, as transacções na Bolsa de Lisboa (incluindo o mercado regulamentado e o não regulamentado) atingiram os 154 mil milhões de euros em 2008 e, no primeiro trimestre de 2009, não obstante os efeitos da crise, totalizaram 14 mil milhões de euros.

Estes volumes de transacções permitiriam, mesmo com uma taxa muito limitada, a repartir equitativamente entre comprador e vendedor, a obtenção de receitas que, no quadro actual poderiam ajudar a compensar de forma muito significativa, a deficiente execução das receitas fiscais orçamentadas e, simultaneamente, contribuir para fazer face a responsabilidades sociais inadiáveis sem aumentar a carga fiscal sobre a esmagadora maioria dos portugueses.

Assim, e tendo em conta as disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresente o seguinte Projecto Lei:

Artigo 1.º

Objecto

A presente Lei cria o Imposto sobre Transacções efectuadas no Mercado de Valores Mobiliários, também designado por Imposto sobre Transacções em Bolsa (ITB).

Artigo 2.º

Âmbito

O Imposto sobre Transacções efectuadas no Mercado de Valores Mobiliários é aplicável a todas as transacções efectuadas quer no mercado regulamentado que no mercado não regulamentado da Bolsa de Lisboa.

Artigo 3.º

Taxas

•1-     A taxa do Imposto sobre Transacções em Bolsa é fixada em 0,1% do valor bruto de cada operação de transacção efectuada nos termos do artigo anterior.

•2-     A taxa definida no número anterior é liquidada equitativamente pelo adquirente e pelo alienante do objecto da transacção.

Artigo 4º

Intervenção da CMVM

•1-     A Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários é responsável pela retenção do imposto a efectuar no acto da emissão das ordens de compra e de venda.

•2-     O produto do Imposto sobre as Transacções em Bolsa é entregue mensalmente à Direcção Geral dos Impostos em data a fixar por portaria do Ministério das Finanças e da Administração Pública.

Artigo 5º

Regimes sancionatórios

Os regimes sancionatórios aplicáveis às situações de incumprimento do estabelecido pela presente lei, são os definidos pelo Regime Geral das Infracções Tributárias e, quando aplicável, pelo Código de Valores Mobiliários.

Artigo 6º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 15 de Abril de 2009

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