Diz uma velha máxima que um povo sem memória não tem futuro.
Há quase 45 anos, a Revolução de Abril abriu Portugal à Europa e ao mundo. Não falo apenas da curiosidade, do entusiasmo e da esperança com que foi acompanhada, na Europa e no mundo. O 25 de Abril rompeu o isolamento internacional imposto pelo fascismo, afirmou a independência e a soberania nacionais e abriu caminho para se estabelecerem e reforçarem relações económicas e culturais com outros países e povos, nalguns casos pela primeira vez. Em si mesmo, este foi um inquestionável factor de progresso e de desenvolvimento.
A contra-revolução pôs em causa conquistas de Abril. Interrompeu, e nalguns casos reverteu, o projecto de desenvolvimento plasmado na Constituição. Fechou caminhos e opções que a Revolução abrira. A adesão à CEE, há 33 anos, inseriu-se neste processo.
Os processos de integração não são neutros, do ponto de vista dos interesses que defendem. A União Europeia, dada a sua matriz política e ideológica, os seus objectivos, a sua natureza capitalista, deu alento e suporte à política de direita de sucessivos governos nacionais.
Deu alento e suporte à privatização de empresas e sectores estratégicos nacionais, hoje nas mãos do capital estrangeiro. Deu alento e suporte ao abandono da produção nacional. Deu alento ao ataque aos direitos sociais e suporte à degradação dos serviços públicos e das funções sociais do Estado. Deu alento e suporte à compressão dos salários, à redução de direitos laborais e à precariedade. Deu alento e suporte ao aumento das desigualdades na distribuição da riqueza, a crescentes injustiças sociais. Deu alento e suporte a uma política externa seguidista, de submissão a estruturas de comando e a interesses contrários aos do País.
Como é óbvio, os que amarraram Portugal a este caminho não disseram ao que vinham. Pelo contrário, para esconderem ao que vinham, trataram de espalhar promessas e ilusões. Da “Europa connosco” ao “pelotão da frente”, tudo serviu, tudo serve.
Essas palavras, levou-as o vento...
O Mercado Comum, primeiro, e o Mercado Único, depois, criaram oportunidades, sim, mas para o grande capital e para as principais potências europeias. Não foi um mercado de 300 milhões de “consumidores”, primeiro, e de 500 milhões, depois, que se abriu à produção nacional. Foi um mercado de 10 milhões e a produção nacional que foram tomados por estas potências e pelas suas multinacionais.
Destruição de sectores industriais, que foram alienados ou não aguentaram o embate de uma concorrência desprotegida. Destruição de centenas de milhar de explorações agrícolas e o abandono de centenas de milhar de hectares de cultivos e pastagens. Destruição de mais de metade da frota pesqueira. Desemprego. Assimetrias regionais e abandono rural. Dependência alimentar e tecnológica. Insustentável endividamento externo. Eis a crua realidade que confronta as promessas e as ilusões vendidas. Algumas ainda hoje repetidas, sem muita vergonha, diga-se.
Os famosos “fundos europeus” não são, nem nunca foram, uma expressão de solidariedade da União Europeia para com o nosso país. Supostamente seriam uma compensação. Parca compensação que nunca compensou o que perdemos, o impacto negativo do mercado único, das políticas comuns e sobretudo da moeda única. Compensação cada vez menor, interesseira, condicionada ao cumprimento de objectivos impostos, malbaratada pelos sucessivos governos.
Venderam-nos, e continuam a vender, a ideia da “soberania partilhada”, do “exercício comum das soberanias” e, agora, até a ideia da “soberania europeia”. A verdade porém é que já todos percebemos que “a França é a França” e que quem manda é a Alemanha . A intenção anunciada de pôr fim às decisões por unanimidade, nos poucos, embora importantes, domínios em que ainda subsiste, pretende reforçar ainda mais o poder das principais potências e acabar definitivamente com os resquícios de igualdade formal entre os Estados. As mistificações, por mais elaboradas que sejam, não escondem uma nova versão do “manda quem pode, obedece quem deve”, a que nos querem sujeitar.
Há precisamente vinte anos, PS, PSD e CDS amarraram Portugal ao “pelotão da frente” do euro.
O grande capital nacional e os seus representantes políticos disfarçaram este seu projecto político de “grande desígnio nacional”.
Mas estes vinte anos chegaram e sobraram para demonstrar que o euro, em vez do apregoado progresso social, significou retrocesso social. Em vez de mais emprego, muito mais desemprego e precariedade. Em vez de melhoria dos salários e do poder de compra, degradação dos salários e do poder de compra, aumento da exploração. Em vez de convergência com países economicamente mais desenvolvidos, divergência económica e social. Com o euro, aumentaram as desigualdades, a pobreza, a emigração forçada, o envelhecimento da população, as assimetrias regionais. Com o euro, em vez de investimento, houve desinvestimento, desindustrialização, terciarização e financeirização da economia, desnacionalização de empresas estratégicas, uma explosão do endividamento externo.
Nada do que prometeram ao povo português, tudo ao contrário do que prometeram ao povo português.
Com o euro, Portugal foi neste período um dos países que menos cresceu no mundo. 0,9% ao ano, em termos médios. Se antes do euro crescíamos mais do que a média da União Europeia e mais do que a média mundial, depois do euro passámos a crescer muito abaixo de ambas. Divergimos. Atrasámo-nos. Duas décadas perdidas. Que mesmo os anos mais recentes não põem em causa, antes confirmam.
Perante o descalabro do euro, os seus defensores, numa fuga para a frente, disseram que a obra estava inacabada e que era necessário concluí-la. A “reforma da Zona Euro”, levada a cabo nos últimos anos, alteou os muros da prisão do euro. O euro tornou-se ainda mais pesado, mais rígido, mais devastador.
Se o Pacto de Estabilidade – criado em 1997, quando a maioria dos governos na União Europeia, incluindo o português, era de partidos ditos socialistas – restringiu severamente a margem de manobra dos Estados para implementar políticas conforme as suas realidades e necessidades, os derivados mais recentes do euro – o Pacto de Estabilidade revisto, a Governação Económica, o Semestre Europeu e o Tratado Orçamental – consagraram definitivamente a chamada “austeridade”. As políticas da troika foram transformadas em doutrina oficial única.
Para os mais distraídos, aí estão os vistos e a censura prévios aos orçamentos nacionais, os programas de estabilidade e os programas nacionais de reformas, concebidos e vigiados pela Comissão Europeia; aí estão as regras que impõem os superávites orçamentais e as restrições ao investimento; aí estão os “mecanismos automáticos de correcção” (como as cativações); aí estão as ameaças, as sanções e as interferências em esferas fundamentais da vida nacional.
Aí está, também, a União Bancária, que promove a concentração monopolista do sector bancário à escala europeia e dificulta o controlo público, democrático, do sistema bancário.
Em suma, os desenvolvimentos na União Europeia e na Zona Euro condenam países como Portugal ao subdesenvolvimento, à estagnação, à dependência económica e à subordinação política.
Nestas eleições para o Parlamento Europeu, também se decide se aceitamos esta sentença ou se, pelo contrário, afirmamos corajosamente o direito soberano do país ao seu desenvolvimento. Se aceitamos a continuação desta opressão nacional, que é também uma opressão de classe sobre os trabalhadores e o povo português, ou se mobilizamos forças para romper com a dependência e a subordinação. Se aceitamos que o aprofundamento do projecto supranacional de domínio económico e político continue a dar pasto aos nacionalismos e à extrema-direita, ou se afirmamos a soberania nacional como um elemento fundamental de uma alternativa progressista.
As águas estão bem separadas. De um lado, do lado das falsas promessas e das ilusões, do lado da abdicação nacional, do lado da União Europeia do grande capital e das grandes potências, estão PS, PSD e CDS (além de outros, igualmente velhos mas com novos embrulhos). Do outro lado, do lado da independência e da soberania nacionais, do lado dos trabalhadores e do povo, do lado de uma Europa dos trabalhadores e dos povos, do lado da luta por um futuro diferente e melhor, está a CDU! Uma força que assume o direito à concretização dos anseios e aspirações do povo português como projecto e como objectivo de luta!
Em Outubro de 2015, o governo PSD-CDS foi derrotado. Uma evidência que só as forças que compõem a CDU assinalaram logo na noite eleitoral, quando outros se resignavam à continuidade da acção destruidora do governo anterior. O caminho então aberto e percorrido não teria sido possível sem a iniciativa da CDU.
Mas da experiência dos últimos três anos, há três conclusões que devemos tirar e que são da maior importância nesta batalha das eleições para o Parlamento Europeu.
A primeira conclusão é que foi ao arrepio das orientações da União Europeia que se registaram avanços. Nunca esquecer que várias medidas foram alvo de críticas, de ameaças e de tentativas de bloqueio por parte da União Europeia. A reposição dos salários e dos feriados roubados; o aumento do salário mínimo nacional, ainda que muito insuficiente; a reposição das 35 horas de trabalho na administração pública; o aumento das pensões; a valorização de prestações sociais; a reversão de privatizações das empresas públicas de transportes; entre várias outras e importantes medidas para os trabalhadores e o povo, foram concretizadas contra as recomendações e as pressões da União Europeia.
A segunda conclusão é a de que, apesar disso, as políticas, as orientações e as imposições da União Europeia, especialmente as associadas ao Euro, estão a entravar a resposta a problemas estruturais do País e a justas aspirações da população. Estão a puxar-nos para trás, quando o que é preciso é avançar!
O PS e o seu governo submetem-se. O PSD e o CDS, com hipocrisia e oportunismo, criticam os efeitos, mas apoiam cá e lá, no Parlamento Europeu, as políticas que os provocam. Os resultados estão à vista: na degradação dos serviços públicos, na falta de investimento na saúde, nas filas nos hospitais e centros de saúde, na situação caótica nos transportes, no subfinanciamento da educação e da cultura, na obsolescência do aparelho produtivo nacional, nas assimetrias regionais e no abandono do mundo rural, nos baixos salários, nos jovens que emigraram e não regressam, nos direitos roubados e ainda não devolvidos, nos apagões na contagem do tempo de serviço para a progressão nas carreiras. Tudo isto está de alguma forma ligado à submissão às determinações da União Europeia. Este é o significado concreto da União Europeia na vida de milhões de portugueses, não as estrelinhas reluzentes sobre o fundo azul da propaganda oficial.
A terceira e última conclusão a tirar é a de que resolver os problemas do País e responder às justas aspirações dos trabalhadores e do povo exige uma mudança de fundo na política nacional, exige confrontar e enfrentar as políticas e as imposições da União Europeia, esteio da política de direita das últimas décadas, especialmente das associadas ao Euro e à União Económica e Monetária.
Portugal precisa de crescer, precisa de se desenvolver, precisa de progredir. Para isso, precisa de eliminar os obstáculos ao seu desenvolvimento.
Portugal precisa de recuperar para o Estado empresas e sectores estratégicos, em áreas estratégicas da economia – energia, telecomunicações, transportes, banca e seguros. Para recuperar alavancas e o comando democrático do processo de desenvolvimento.
Portugal precisa de uma moeda nacional adaptada à sua realidade específica, que concorra para promover os salários e desenvolver o aparelho produtivo e não para permanentemente os desfavorecer.
Portugal precisa de um banco central nacional que não seja um mero balcão do Banco Central Europeu, que assegure o financiamento de último recurso da banca e do Estado, libertando-os das chantagens dos ditos mercados financeiros, das agências de rating ou da troika.
Portugal precisa de uma gestão monetária, financeira, cambial e orçamental soberana, ajustada à situação nacional, que fomente a produção e o investimento, gerador de emprego e crescimento.
Portugal precisa de se libertar do Tratado Orçamental. Mas sem esquecer que este é apenas uma componente de um problema maior. Foi com o euro, e ainda sem Tratado Orçamental, que Portugal se tornou um dos países mais endividados do mundo.
Portugal precisa de libertar recursos do serviço da dívida para responder às necessidades sociais e de investimento público.
Portugal precisa de defender o seu mercado interno, desenvolver e diversificar os sectores produtivos, defender as micro, pequenas e médias empresas. Precisa de defender a produção nacional, para abastecer melhor o País, endividar-se menos e comerciar mais.
Portugal precisa de valorizar o trabalho e os trabalhadores, promover o pleno emprego, o aumento dos salários, a redução do horário de trabalho, a estabilidade e a segurança no trabalho, combater o desemprego e a precariedade.
Portugal precisa de valorizar os serviços públicos, cobrindo todo o território nacional, e de assegurar os direitos à saúde, à educação, à protecção social, à habitação, à cultura, à mobilidade, em condições de igualdade.
Portugal precisa de defender o meio ambiente, preservar os ecossistemas, a biodiversidade e os recursos naturais. Precisa de um desenvolvimento regional equilibrado, que combata a desertificação e as assimetrias.
Portugal precisa de uma efectiva subordinação do poder económico ao poder político, eliminando a razão de fundo da corrupção e de outros crimes de natureza económica.
Portugal precisa de uma política externa soberana, que respeite os princípios constitucionais, não de uma política seguidista e submissa aos interesses das grandes potências e da NATO.
Portugal precisa de tudo isto, mas tudo isto choca com as orientações e com o funcionamento da União Europeia.
A União Europeia que condenou Portugal e outros países da periferia do euro a duas décadas de estagnação e a um colossal endividamento.
A União Europeia que defende a desregulação laboral, a flexibilidade, a precariedade, o aumento da jornada de trabalho, o aumento da idade de reforma e a contenção salarial.
A União Europeia das desigualdades sociais e entre Estados, que mandou às urtigas as promessas de coesão económica e social, que viu crescer o desemprego, a pobreza e a exclusão social.
A União Europeia das privatizações dos serviços públicos, das liberalizações, da mercantilização do ambiente e dos recursos naturais.
A União Europeia concebida para defender os interesses dos monopólios, dos grandes grupos económicos e financeiros, das grandes potências, para lhes aumentar os lucros e a influência.
A União Europeia da arrogância de recorte colonial, que desrespeita a democracia, que limita as soberanias, que abre caminho aos nacionalismos e à extrema-direita, que se lança numa deriva militarista que compromete a paz e a segurança mundiais.
Aos que confundem deliberadamente a União Europeia com a Europa, dizemos que a União Europeia afronta princípios e valores históricos, civilizacionais, que resultaram da luta dos povos do continente europeu.
Aos que dizem querer salvar a Europa, querendo na verdade salvar a integração capitalista europeia, dizemos que salvar a Europa, a Europa das conquistas dos trabalhadores e dos povos, das grandes revoluções emancipadoras e do seu imenso legado, salvar esta Europa exige derrotar a União Europeia das transnacionais e das grandes potências.
Aos que querem colocar os povos perante o falso dilema de escolher entre os nacionalismos e o aprofundamento da integração capitalista, respondemos que ambos defendem, por vias diferentes, os mesmos interesses de classe. Que a extrema-direita explora o descontentamento social criado pelas políticas da União Europeia, protagonizando uma deriva ainda mais reaccionária.
Perante a profunda e arrastada crise da integração capitalista europeia, que revela os seus limites históricos, vale a pena afirmar com convicção que uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos, é possível e necessária.
A Europa do progresso e não a do retrocesso social. A Europa do desenvolvimento económico e não a da estagnação e do declínio. A Europa da democracia e da soberania dos povos, das soberanias nacionais, e não a das imposições supranacionais de pendor neocolonialista. A Europa dos direitos humanos e não a que os invoca demagogicamente e espezinha. A Europa da paz e da cooperação e não a do militarismo e da guerra.
Para a CDU, a alternativa à União Europeia não é a autarcia, o isolamento.
Muito pelo contrário, são novas formas de cooperação na Europa, baseadas na soberania e na igualdade de direitos dos Estados, orientadas para o desenvolvimento social e económico, para a reciprocidade de vantagens, para a promoção dos valores da paz e da solidariedade.
Ao longo dos últimos cinco anos, os deputados da CDU no Parlamento Europeu mantiveram uma permanente ligação com a realidade nacional, palmilharam, como nenhuns outros, o país de lés a lés, defenderam firmemente os interesses dos trabalhadores, do povo e do país, combatendo todas as decisões que os prejudicassem.
Destacaram-se na apresentação de propostas concretas, de medidas para minimizar os condicionalismos e as consequências negativas da integração. Lutaram contra as imposições supranacionais, contra as ameaças e as chantagens dirigidas contra o nosso País, contra as limitações à democracia e à vontade dos povos. Promoveram todos os meios, recursos e possibilidades em prol dos interesses de Portugal.
Agiram em articulação solidária com a luta dos trabalhadores e dos povos de outros países, para romper com o processo de integração capitalista europeu e abrir caminhos alternativos a um projecto de cooperação solidária, assente na paz, no progresso e na justiça social.
Lutamos com a confiança de que nada pode impedir o povo português de afirmar e concretizar o direito a decidir do seu próprio destino. Confiança justificada pela justeza das nossas convicções e pela segurança de posições a que a vida veio a dar razão.
Com toda a confiança e determinação, aqui afirmamos que a luta por uma alternativa patriótica e de esquerda é parte integrante da luta por uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos. Ao lutarmos aqui e no Parlamento Europeu em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País, damos voz combativa àquilo que pode ser, que tem de ser e será outra Europa.
A CDU é e será um espaço de ampla convergência, de acção e luta comuns. Um projecto aberto a todos quantos lhe reconhecem a postura e o percurso distintivos. A esses todos deixamos aqui um apelo. Podemos não estar sempre de acordo, mas estamos confiantes de que, neste momento da vida do país e da Europa, saberão reconhecer a necessidade de apoiar os que estão sempre do lado, e ao lado, do nosso povo; saberão reconhecer que dar mais força à CDU nestas eleições é o passo mais consequente para desatar os nós que impedem o avanço na resposta aos problemas sentidos pelos trabalhadores e pelo povo; saberão reconhecer que somar forças à força da CDU é o mais seguro caminho para deixarmos de viver abaixo das nossas possibilidades e muito aquém das potencialidades da País!
É sem perder a memória, com as lutas do presente, avançar e construir o futuro!
Ao trabalho camaradas e amigos!