Permitam-me que em nome do meu Partido saúde a decisão unânime do Município de Santarém e da União das Juntas de Freguesia em distinguir essa personalidade fascinante e multifacetada do nosso Portugal contemporâneo – político e estadista de dimensão nacional e internacional, intelectual, homem da cultura e das artes - que foi Álvaro Cunhal, dando o seu nome a esta Rua que agora se inaugura.
Uma decisão que se concretiza quando nos preparamos para comemorar o 41º Aniversário da Revolução de Abril, esse empolgante empreendimento do nosso povo, o mais avançado da nossa modernidade e que Álvaro Cunhal definiu como “uma revolução libertadora, com tão profunda transformação da vida nacional que se pode considerar um dos momentos mais altos da vida e da história do povo português e de Portugal”.
Personalidade central da resistência ao fascismo, Álvaro Cunhal, que aqui homenageamos, foi um protagonista destacado presente nos mais significativos e importantes acontecimentos da nossa história colectiva do último século e princípios do presente, combatente intrépido que se entregou com denodada abnegação, resistindo às mais terríveis e duras provas da vida clandestina e da prisão, à causa da liberdade, da democracia, da emancipação social e humana, pelos direitos dos explorados e oprimidos.
Personalidade de invulgar inteligência, homem de firmes convicções, inteireza de carácter; político de acção e autor de uma obra notável, Álvaro Cunhal dedicou toda a sua vida e o melhor do seu saber, como dirigente do PCP, como Deputado, como Ministro da República nos governos provisórios de Abril, como Conselheiro de Estado, à defesa dos interesses do seu povo e do desenvolvimento do seu País.
Álvaro Cunhal assumiu responsabilidades em Órgãos do Poder, nomeadamente no Governo de Portugal, num momento decisivo da vida do nosso País e num quadro de grande complexidade e exigência.
A sua imediata integração no primeiro governo provisório saído da Revolução de Abril de 1974, significava não apenas o reconhecimento do seu trajecto de lutador antifascista, da sua elevada capacidade política e de liderança, mas o inestimável e inigualável papel que desempenhou na teorização da revolução portuguesa.
Homem de Abril, Álvaro Cunhal, deu um contributo precioso com a sua acção, mas particularmente com essa obra notável que é o “Rumo à Vitória” e que, inquestionavelmente, apontou os caminhos, criou condições para a Revolução libertadora de Abril, a sua defesa e consolidação, e para as profundas transformações revolucionárias operadas na sociedade portuguesa.
Obra marcante e que haveria de ter um grande impacto e influência em largos sectores do movimento democrático e na dinâmica e unidade das forças da Oposição ao regime de Salazar e Caetano.
Mas a dimensão política e de estadista não se revela apenas nos períodos da resistência ao fascismo e no período dos grandes avanços revolucionários.
A sua dimensão de político e estadista está patente nos combates em defesa das conquistas e realizações de Abril e dos seus valores, nas batalhas que travou em defesa da Constituição da República e do projecto que transporta.
Dirigente político experimentado, estudioso e conhecedor da realidade portuguesa e das relações internacionais, Álvaro Cunhal combinou sempre uma esforçada intervenção concreta sobre a realidade, com uma profícua produção teórica para responder aos problemas da sociedade portuguesa e à concretização de um projecto de desenvolvimento soberano do País.
Possuidor de uma densa cultura e de uma grande dimensão humanista, deixou-nos um valioso legado teórico de estudos e análise política e histórica, mas igualmente uma importante produção artística.
Um abundante e valioso património que reflecte um pensamento de grande riqueza e actualidade que é uma herança de todos os que aspiram construir um mundo melhor e mais justo, mas também mais belo.
No acervo de estudos e ensaio político abarcando uma diversidade de objectos e temas são célebres a tese pioneira sobre “O Aborto Causas e Soluções” (1940), o seu trabalho de análise sobre a realidade dos campos em a “Contribuição para o Estudo da Questão Agrária”, o seu estudo histórico sobre um período tão significativo para a própria independência do País e tão exaltante pelo papel que desempenhou o povo de Lisboa na Revolução de 1383/1385 e que trabalhou em “As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média”, mas também outros períodos da nossa história mais recente em “A Revolução Portuguesa. O Passado e o Futuro”, entre outros.
Uma abundante análise e um olhar permanente sobre os mais variados problemas do País e da vida internacional de eminente pendor político podem ser encontrados nos seus “Discursos Políticos” editados em 23 volumes, nas “Obras Escolhidas” e numa profusão de artigos e brochuras de revistas nacionais e internacionais.
Álvaro Cunhal interligou a sua intervenção revolucionária no plano político com um apaixonado interesse por todas as esferas da vida, nomeadamente na actividade de criação artística.
Autor de uma arte comprometida e por onde perpassa o povo que sofre e luta, Álvaro Cunhal, cria uma dezena de obras literárias, de onde emergem, como expoentes maiores, o romance “Até Amanhã, Camaradas” e a novela “Cinco Dias, Cinco Noites”, ambos escritos no isolamento total da Penitenciária de Lisboa. É na prisão que leva por diante a notável tradução do “Rei Lear”, de Shakespeare, desenha e pinta um vasto conjunto de quadros e produz o texto sobre estética “Cinco Notas Sobre Forma e Conteúdo” – matéria que voltará a abordar, mais tarde, após o 25 de Abril, no importante ensaio “A Arte, o Artista e a Sociedade”, uma obra onde se revela o valor social da criação artística.
A vida, o pensamento e a luta de Álvaro Cunhal justificam a homenagem que o País lhe tem prestado.
Uma homenagem que, neste momento de inquietantes fenómenos de regressão social e retrocesso civilizacional, tanto mais se justifica para demonstrar que os políticos não são todos iguais e que a actividade política pode e deve ser uma actividade nobre.
Nesta matéria também Álvaro Cunhal nos deixa um imenso legado.
Deixa-nos desde logo esse grande exemplo da entrega desinteressada ao serviço da causa justa que abraçou.
Uma concepção do exercício da actividade política entendida como realizada para servir o povo e o País, e não interesses pessoais ou de grupo.
Uma concepção onde está presente a recusa de vantagens sociais e privilégios pessoais.
Uma concepção do exercício da actividade política conduzida por valores políticos éticos, desde logo o valor do respeito pela verdade.
Uma concepção que rejeita a demagogia, a retórica barata, a política espectáculo e as exibições teatrais ou a política de criação de “factos políticos”. Práticas que conduzem à impunidade, ao abuso do poder, à corrupção.
Dizia Álvaro Cunhal que “política é uma palavra digna. Significa uma orientação, uma proposta e uma intervenção destinada a resolver os problemas que se colocam na vida de qualquer sociedade”.
Álvaro Cunhal foi bem o exemplo do político que dignificou a actividade política, como uma actividade nobre, porque exclusivamente ao serviço da resolução dos problemas do País e do povo.
Num momento em que o País enfrenta uma profunda crise económica e social e se afirma a necessidade de encontrar os caminhos do progresso e da justiça social, a luta, a obra e o pensamento de Álvaro Cunhal projectam-se como contributos inestimáveis para a conquista de um futuro que tenha como referência os valores de Abril – os valores da liberdade, da emancipação social, do Estado ao serviço do povo e não da exploração, do desenvolvimento visando a melhoria da qualidade do nível de vida dos portugueses, o pleno emprego, uma justa e equilibrada repartição da riqueza nacional, da soberania e independência nacionais.
É para nós inquestionável que são os povos que fazem a história, mas é inquestionável também que ela precisa do concurso dos homens certos e em cada momento, para lhe dar rumo e movimento. De homens como Álvaro Cunhal que, conhecendo a realidade e os desafios do seu tempo, são capazes igualmente de compreender e interpretar as aspirações mais profundas do povo e de lhes dar um sentido!
Mais uma vez saudamos a decisão do Município de Santarém e o apoio da União das Juntas que nos honra e honra a sua memória!