Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Sessão Evocativa «50 anos do golpe militar fascista no Chile - Um crime que não pode cair no esquecimento»

«O golpe fascista no Chile mostra que o grande capital, sempre que sente o seu domínio em perigo, é tentado a recorrer a todos os meios e aos maiores crimes»

 

A 11 de Setembro de 1973, há exactamente 50 anos, um golpe militar, liderado por Augusto Pinochet, derrubou o Presidente Salvador Allende e o seu Governo da Unidade Popular, tomou pela a força o poder e impôs ao povo chileno uma brutal ditadura fascista.

Um hediondo acontecimento sobre o qual os comunistas e certamente outros democratas, têm a responsabilidade e o dever de assinalar.

Não permitindo que caia no esquecimento, aquela que foi a brutal onda de violência que caracterizou o golpe e horrorizou o povo chileno e o mundo.

Um dever e uma responsabilidade de sempre, que assume particular significado e importância nos dias de hoje.

Não esquecemos nem deixaremos que se apague da memória a coerência e dignidade de Allende que, perante o golpe e o bombardeamento do Palácio de La Moneda, preferiu a morte à rendição.

Não esquecemos nem deixaremos que se apague da memória a bárbara tortura, os assassinatos, a crueldade, a transformação do Estádio Nacional de Santiago num campo de morte. 

Não esquecemos nem deixaremos que se apague da memória o ódio de classe do grande capital chileno e das multinacionais norte-americanas que estiveram por detrás do golpe e os militares.

Não esquecemos nem deixaremos que se apague da memória o papel central que tiveram no golpe fascista, a Administração dos EUA e os serviços secretos norte-americanos da CIA, essa organização tentacular com vasta experiência de ingerências e subversões por todo o mundo, um modus operandi do qual também a Revolução portuguesa foi alvo.

A este propósito são reveladoras as afirmações de Duane Clarridge, chefe do departamento da CIA dedicado à América Latina, quando afirmou em plena entrevista a John Pilger, num documentário do jornalista australiano de 2007, que os crimes de Pinochet valeram a pena.
Uma macabra confirmação que nos traz à memória uma outra afirmação de uma alta responsável norte-americana, Madelaine Albright.

Não esquecemos nem deixaremos que se apague da memória o ódio de classe do grande capital chileno e das multinacionais norte-americanas que estiveram por detrás do golpe e os militares.

Essa mesma que assumiu ter valido a pena a morte de meio milhão de crianças no Iraque.
Para esta gente, indiferente à morte e à destruição, apostada que está em tudo fazer para salvaguardar o seu domínio, tudo valeu e vale a pena, sejam as mortes dos chilenos, dos jugoslavos, dos iraquianos, dos líbios, dos sírios, dos ucranianos, dos russos, dos palestinianos, dos sarauís, de tudo e de todos os povos que ousem não se submeter aos seus interesses.

Foi isto que esteve em causa no golpe fascista de 1973, num continente que os EUA consideravam e consideram o seu “pátio das traseiras”, num Chile onde se verificavam avanços e conquistas extraordinárias para o povo.

Um processo que unia em torno do programa patriótico e progressista da Unidade Popular, comunistas, socialistas e outras correntes democráticas, com destacado papel do sindicalismo de classe e da juventude.

Um processo que alcançou êxitos notáveis para o povo chileno e que se lançou na melhoria da situação económica e social, na nacionalização da indústria do cobre e de outros sectores chave da economia, na reforma agrária, numa corajosa política de soberania e independência nacional, de cooperação latino-americana e de amizade e solidariedade para com a revolução cubana e todos os povos do mundo.

Avanços e conquistas inconcebíveis para o imperialismo norte-americano, que perante avanços notáveis tomou medidas e se lançou numa ofensiva de grande dimensões contra o povo chileno.

Sabotagem económica a partir dos grandes interesses económicos, bloqueio económico e político dos Estados Unidos, operações e atentados criminosos levados a cabo pela CIA, que arrastou e alienou largos sectores da pequena burguesia. 

Um caminho de desestabilização permanente, articulado com a grande burguesia e os sectores mais reaccionários das Forças Armadas chilenas,  procurando a todo o custo interromper, pela força bruta, um processo de transformações profundamente democrático e participado.

Um golpe que se concretizou, ao mesmo tempo que se desenvolvia a sinistra “Operação Condor” que no Brasil, Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai,  impunha cruéis ditaduras cujos efeitos perduram até aos nossos dias com a luta pelo esclarecimento do drama dos desaparecidos.

Uma brutal realidade que atravessou a América Latina nos anos 60 e 70, lançando na prisão ou na clandestinidade comunistas e outros democratas.

Uma brutal realidade contra a qual se levantou uma imensa onda de solidariedade por todo o mundo, que abrigou muitos exilados políticos, impediu assassinatos e libertou presos, animou a resistência popular face às ditaduras. 

Uma onda de solidariedade, onde a Revolução de Abril assumiu papel destacado, desde logo pelo que representou de poderoso incentivo e factor de confiança à luta libertadora dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.

E depois pela solidariedade activa dos trabalhadores e do povo português em grandes iniciativas de massas. 
Foi assim no histórico comício de Solidariedade Com os Povos da América Latina promovido pelo PCP em 15 de Maio de 1976, no Campo Pequeno, em que ao lado do camarada Álvaro Cunhal discursaram também dirigentes dos partidos comunistas do Chile, Brasil e Uruguai, que lutavam em duras condições de clandestinidade. 

Assim foi quando, uma vez libertado com o contributo de um poderoso movimento de solidariedade internacional, Luis Corvalán, Secretário-geral do Partido Comunista do Chile, participou ao lado de Álvaro Cunhal, em Fevereiro de 1979, num grande comício de Amizade, também no Campo Pequeno.

Com a força do povo, uma a uma as ditaduras militares foram sendo sucessivamente derrotadas e progressivamente reconquistadas liberdades e direitos fundamentais. 

Um caminho que no Chile foi incompleto face a um “processo de transição” em que as forças reaccionárias mantiveram importantes posições e onde prossegue a luta para pôr definitivamente fim à herança de Pinochet.

O golpe fascista no Chile mostra que o grande capital, sempre que sente o seu domínio em perigo, é tentado a recorrer a todos os meios e aos maiores crimes.

Uma tentação só travada se encontrar pela frente a unidade combativa dos democratas e a firme resistência e luta dos trabalhadores e dos povos.

Um modo de operar que, para lá das diferentes circunstâncias históricas, corresponde sempre ao mesmo guião, um guião contra os povos e que, aí está, 50 anos depois e em toda a sua amplitude. 

Boicotes, sabotagens, golpes, sanções, guerra, morte, destruição, promoção e apoio às forças mais reaccionárias e fascistas.

Uma promoção e apoio muito visíveis nos dias que correm, em que forças de extrema-direita e fascizantes são lançadas como lebres de corrida e tropa de choque, a partir de uma estratégia bem orquestrada e com meios e instrumentos de grande dimensão. 

No seio da União Europeia, de outras estruturas, de nações, falsamente apontadas como faróis da democracia e dos direitos humanos, estas forças são banalizadas, normalizadas e promovidas, já participando no poder em diversos países.

É neste enquadramento que esta iniciativa assume ainda maior importância no contributo que dá para não esquecer o que foi e o que representou o 11 de Setembro chileno.

Hoje, tal como há cinquenta anos atrás, é preciso intensificar a luta antifascista.

Resistência e luta que implica o combate à brutal ofensiva ideológica anticomunista, a mesma que há 50 anos justificou o golpe no Chile, a mesma que hoje procura justificar ataques aos povos, aos trabalhadores, aos partidos comunistas e outras forças progressistas. 

Um combate à reescrita falsificadora da História, às tentativas para apagar os crimes do fascismo e esconder a sua natureza de classe como regime terrorista do grande capital, como o foi em Portugal, mas como o é, invariavelmente, nos restantes casos.
Em Portugal, em vésperas das comemorações do 50.º aniversário da Revolução de Abril, é momento de reafirmar o que, apesar de inacabada, ela representou de avanço libertador para o povo português e dar firme combate à falsificação da História, ao branqueamento do fascismo e do colonialismo, ao apagamento das conquistas da Revolução e do papel do movimento operário, do movimento democrático, da intervenção criadora das massas populares naquele que foi o maior acontecimento em Portugal no século XX.

Um combate que é inseparável da luta por objectivos imediatos, pelo aumento geral e significativo de salários e pensões; para travar a subida dos preços e o escândalo da acumulação de lucros pelos grupos económicos; para investir nos serviços públicos e na valorização dos seus profissionais; garantir o acesso a habitação; para concretizar a justiça fiscal e responder aos problemas das crianças e dos pais. 

Objectivos a levar por diante, perante as opções políticas de fundo do Governo de maioria absoluta do PS, acompanhado que é por PSD, CDS, Chega e IL. 

Opções políticas erradas, ao serviço dos interesses dos grupos económicos e submetidas que estão às imposições da União Europeia e do Euro e às suas ruinosas políticas neoliberais. 

Essa mesma política velha e ultrapassada, que é oportuno lembrá-lo, teorizadas por Milton Friedman e pelos “Chicago Boys”.

Teorias que constituíram a base da política económica da ditadura fascista chilena e alimentaram a chamada “revolução conservadora” de Reagan e Thatcher.

Essas teorias que hoje são fortemente promovidas e que procuram fazer confundir liberalismo com liberdade, esse liberalismo onde assentaram os princípios e fundamentos do golpe fascista no Chile e as suas nefastas consequências. Esse mesmo liberalismo cujas experiências se mostraram e mostram incompatíveis com a democracia.

A realidade demonstra como todos os processos fascistas são profunda, ideológica e intrinsecamente anticomunistas, e que andam de mãos dadas com o grande capital. 

É sempre servindo os interesses dos grupos económicos, e nunca agindo contra eles, que o fascismo se alicerça e desenvolve o seu poder.

E é cada vez mais evidente em Portugal que a não resposta pelo Governo do PS às justas e urgentes reivindicações populares e aos problemas estruturais do País, está a favorecer o avanço e é instrumentalizada pelas forças e projectos reaccionários que visam pôr em causa o próprio regime democrático consagrado na Constituição da República.

É pois preciso dar corpo a uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que rompa com a política de direita que a contrarevolução implementou, que retome o caminho que Abril traçou, que atravesse as portas que Abril abriu.

Evocando a tragédia de 11 de Setembro de 1973, prestamos homenagem aos trabalhadores e ao povo Chileno, uma homenagem que alargamos a Salvador Allende pela coerência e dignidade com que serviu o seu povo e enfrentou os golpistas, um exemplo de firmeza de convicções e lealdade ao programa da Unidade Popular; honramos a memória de milhares de homens, mulheres e jovens perseguidos, presos, torturados, assassinados, desaparecidos, exilados e oprimidos pela máquina de horror que durante 17 anos dominou o Chile e, como sempre, expressamos a nossa solidariedade para com os comunistas e as outras forças democráticas chilenas, que hoje lutam para pôr definitivamente fim à herança de Pinochet e do seu bárbaro regime fascista. Uma solidariedade que se estende aos que se opõem às manobras das forças reaccionárias para subverter o processo constitucional e impedir a elaboração de uma nova Constituição realmente democrática.

Como prestamos homenagem aos que, perante a guerra e a destruição, perante o empobrecimento da imensa maioria da Humanidade e os imensos lucros de uma pequeníssima minoria, se empenham pela urgência da paz.

A exploração, a opressão, a violência, a pobreza, a doença, a fome, a discriminação, a degradação e destruição do ambiente, com que o capitalismo condena a maior parte da Humanidade, demonstram a actualidade e a importância de superar o actual sistema e do desenvolvimento de processos revolucionários que apontem como objectivo o socialismo.

Sabendo que a experiência de cada país é única e irrepetível, aprendamos com todas elas, aproveitemos os valiosos ensinamentos que têm para nos dar, e o Chile tem muitos, assim como Portugal, e tantos outros países e povos do mundo.

A ofensiva é de grande dimensão, os meios e instrumentos dos que levaram por diante o golpe no Chile e tantos outros por esse mundo fora, são imensos. 

Mas, tal como o Presidente Salvador Allende afirmou na sua última mensagem dirigida ao povo chileno: «Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.»

Cá estamos, homens livres para percorrer essas alamedas da liberdade.

O povo unido jamais será vencido.

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