Intervenção de

Fraude e Evasão Fiscais - Intervenção de Honório Novo na AR

 

 

Relatório sobre o Combate à Fraude e à Evasão Fiscais em Portugal
Intervenção de Honório Novo na AR

 

 

Sr. Presidente,

Sr. Ministro das Finanças,

Nesta matéria, a diferença entre o PSD e o PCP é que o PSD não questiona os offshore e nós questionamos: eles questionam alguns dos que os usam e nós todos os que usam offshore.

Sr. Ministro, queria levantar-lhe duas questões.

A primeira tem a ver com segredo bancário. Em 2006, o Sr. Ministro veio a esta Casa anunciar que o Governo estava empenhado na eliminação do segredo bancário, que queria pôr Portugal na linha da frente dos países europeus. Estamos em 2008, passaram dois anos... O que se fez? Nada!

Vai o Governo aceitar a versão do novo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de que a legislação actual, afinal, é adequada e suficiente, conforme referido em comissão parlamentar? Está o Governo satisfeito com o número de casos de levantamento do sigilo bancário ocorrido no ano de 2007? Vai o Governo manter Portugal na cauda da Europa ou vai tirar do congelador a iniciativa legislativa que a maioria socialista lá mantém há vários meses?

A segunda questão tem a ver com a Associação Portuguesa de Bancos (APB) e os números que divulgou.

Segundo esta Associação, a taxa efectiva de IRC na banca nos últimos três anos foi de 11,6% em 2005, de 19% em 2006 e de 13,6% em 2007. Diz ainda que a banca teve, em 2007, mais 10% de lucros do que em 2006 e que a tributação final, em 2007, foi menos 29% do que em 2006.

Estes são os números oficiais da APB, alguns dos quais foram usados em debates orçamentais anteriores pelo próprio Ministro das Finanças aqui presente.

Estes valores desmentem os números usados pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na reunião da comissão parlamentar que teve lugar na semana passada - números mirabolantes! - e desmentem também os números dados pelo Sr. Primeiro-Ministro no último debate quinzenal com o Parlamento, na sexta-feira passada.

Estes números falam por si, Sr. Ministro! É possível falar em justiça fiscal, é possível falar de ética política, com este nível de tributação absolutamente imoral do sector mais lucrativo que temos em Portugal?

(...)

Sr. Presidente,

Face à controvérsia de alguns números aqui citados, creio que estou em condições de contribuir para um melhor esclarecimento relativamente a esta matéria. Por isso, peço que, através da Mesa, seja entregue ao Sr. Ministro um extracto de uma Acta de um debate levado a cabo quando da discussão do Orçamento do Estado para 2008 em que está transcrita uma afirmação do Sr. Primeiro-Ministro que diz que «entre 2006 e 2007 a taxa efectiva da banca passou de 16% para 18%».

Tenho ainda cópia de outra Acta, de 30 de Novembro de 2006, que transcreve uma afirmação do Sr. Ministro de Estado e das Finanças em que dizendo à TV que a taxa efectiva do imposto pago pelo sector bancário - taxa essa calculada sobre os resultados após posição de provisões - foi de 11,3%. Portanto, face aos números aqui avançados, creio que é importante que o Sr. Ministro possa levar estas duas Actas para casa, para nos dar alguma informação adicional em momento posterior.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Ministro de Estado e das Finanças,

Srs. Deputados:

Estamos hoje a debater o Relatório sobre o combate à fraude fiscal, infelizmente e no essencial, uma cópia do que aqui ocorreu há um ano e uma repetição do debate de 2006.

Temos, é certo, um relatório cuja componente técnica e estatística mostra progressos na introdução de meios electrónicos na gestão e no controlo, revela progressos na cobrança coerciva e indicia alguma evolução no que respeita ao cumprimento de obrigações fiscais. Mas temos também um relatório que, à semelhança dos dois anteriores, passa completamente à margem das questões políticas que estão associadas ao combate à fraude e à evasão fiscais, passa ao lado das questões essenciais, sejam elas de natureza instrumental, sejam elas relativas à justiça e à equidade fiscal.

Não é possível nem aceitável que, ao fim de três anos, o Governo não mexa um dedo para quantificar os resultados do combate à evasão fiscal e os seus efeitos na economia paralela.

Sabemos que o Banco de Portugal estima em 21% do PIB a economia paralela no País. Ouvimos, há poucos meses, uma alta dirigente de um organismo internacional estimar acima de 20% do PIB o peso da economia informal. Ouvimos, há dois anos, o Ministro das Finanças admitir estes valores. Daí para cá nunca mais o Governo mostrou vontade política para avaliar a situação, para quantificar a sua evolução.

Houve ou não diminuição do peso da economia paralela em Portugal?

Continua acima ou já está abaixo dos 20% do PIB? Por que não está o Governo interessado em saber? É que 20% do PIB são cerca de 34 000 milhões de euros que não pagam impostos. Se só metade, repito, metade deste valor pagasse imposto, o défice orçamental seria zero, os reformados teriam melhores pensões, o investimento em saúde e educação poderia ser maior, a carga fiscal sobre quem trabalha poderia, certamente, ser menor.

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

Srs. Deputados:

Não é possível insistir no combate à evasão e à fraude fiscais e deixar de lado - como volta a fazer o Governo e o Relatório - instrumentos essenciais para garantir a transparência e a equidade fiscais.

Em 2006, o Governo prometia avançar com medidas tendentes a eliminar o sigilo bancário.

Em 2006, o Governo anunciava estar disposto a colocar Portugal na rota da modernidade e a fazer alinhar o País pelas melhores práticas europeias.

O Relatório mostra os resultados, os maus resultados, diga-se! Pouco mais de 1000 processos de

levantamento do sigilo, em 2007. Mas o que mais pesa é o quebrar dos compromissos, é o deixar na gaveta, isto é, no caixote do lixo, a proposta minimalista e discriminatória que apresentaram e que, por isto mesmo, esbarrou em inconstitucionalidades.

Vêm, agora, o novo Secretário de Estado e, hoje, o próprio Ministro das Finanças dizer que a legislação actual, afinal, é adequada e não valerá a pena alterar o quadro actual. São estas afirmações verdadeiramente espantosas que responsabilizam o Governo e que sinalizam mais um compromisso público quebrado, ou em vias de ser assumidamente quebrado, por este Governo.

A recusa em utilizar informações bancárias como regra geral para eliminar  dúvidas ou situações de evasão ou crime fiscal é o princípio de todas as injustiças e da mais completa iniquidade fiscal.

É assim que temos, por um lado, o levantamento do sigilo bancário para quem beneficia do complemento social para idosos ou do rendimento social de inserção mas mantemos, por outro lado, fechado a sete chaves, de uma forma absolutamente inaceitável e hipócrita, o acesso à informação bancária de quem tem manifestações exteriores de riqueza, de quem não declara o que está obrigado ou de quem - ainda pior! - comete fraude ou crime fiscal.

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

Srs. Deputados:

Também no plano legislativo este Relatório e o Governo fogem às questões essenciais.

Não se trata apenas da tão prometida e sistematicamente adiada revisão e simplificação dos códigos ou do combate, tantas vezes prometido, aos benefícios e isenções fiscais, cuja proliferação e crescente injustiça não cessam de aumentar. Trata-se do repetido e insistente anúncio de legislação, cujos efeitos são, muitas vezes, mais do que duvidosos. É o caso mais conhecido da legislação sobre o planeamento fiscal abusivo.

Foi anunciada no debate orçamental de 2006. Foi, novamente, proclamada há um ano, no debate do Relatório sobre a evasão fiscal, tendo o Ministro das Finanças dito, na altura, que havia uma «preocupação em identificar e corrigir práticas abusivas de planeamento fiscal». Mas, afinal, a nova legislação só foi aprovada mesmo no final de Dezembro de 2007, não está ainda regulamentada e só irá entrar em vigor, talvez, em Maio de 2008.

Vinte meses para produzir uma legislação que, afinal, nem sequer vai limitar ou impedir algo de significativo e substancial; a única coisa que vai impor é que os «truques» sejam previamente

comunicados à administração fiscal. Nenhuma vantagem fiscal «abusiva» será impedida nem limitada.

Em 2007, houve quase 1200 milhões de euros de vantagens fiscais com o planeamento fiscal; no

essencial, tudo mas tudo vai ficar na mesma, porque tudo, mas tudo, continuará, na legislação, lícito e legal.

Resultados para a receita fiscal? Zero! Resultados para a justiça fiscal?

Nenhuns!

Por tudo isto, não admira, Sr.as e Srs. Deputados, que a cobrança fiscal aos sectores bancários e

financeiros tenha novamente caído. E nem importa invocar aqui os valores referidos pelo Sr. Secretário de Estado ou, hoje, pelo Sr. Ministro, que até contrariam declarações anteriores do próprio Ministro das Finanças e do Primeiro-Ministro, em debates prévios.

Importa sublinhar os números conhecidos e que ninguém desmente, da própria banca. A banca continua a aumentar os seus lucros e prepara-se para pagar, relativamente ao ano de 2007, bem menos do que em 2006, voltando aos tempos das taxas efectivas de 13% a 14%.

Este número, Sr. Ministro e Srs. Deputados, traduz bem o nível da injustiça fiscal em Portugal. Este número destrói pela base qualquer relatório governamental sobre o combate à evasão e à fraude fiscais, por mais completo e tecnicamente qualificado que se apresente. Este número, Srs.

Membros do Governo e Srs. Deputados, mostra bem quais são, afinal, para além da retórica e do discurso, os conceitos de equidade e de justiça fiscal deste Governo: pressão e carga fiscal sobre quem trabalha, privilégios, festins e ostentação para os ricos e poderosos!

(...)

Sr. Presidente,

Gostaria de entender por que é o Sr. Ministro de Estado e das Finanças não tem...

(...)

Exactamente, Sr. Presidente.

Dizia eu que gostaria de entender por que é o Sr. Ministro de Estado e das Finanças não tem a delicadeza de se virar para as bancadas que estão à sua esquerda e pelo menos comentar, ou corrigir, as taxas efectivas do sector bancário que aqui foram largamente debatidas.

Ficámos com a sensação de que a nova legislação sobre o planeamento fiscal abusivo, afinal, não serve para nada, só serve para «inglês ver» e para manter as mesmas vantagens fiscais de outrora.

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