Intervenção de Tiago Matias, Encontro Nacional do PCP «Do papel e política do Estado aos meios necessários. Uma outra política de Protecção Civil»

O trabalho de prevenção de cheias durante gestão CDU em Loures

O trabalho de prevenção de cheias durante gestão CDU em Loures

Caros amigos,

A experiência que venho partilhar resultam dos 8 anos da gestão CDU nos destinos do Município de Loures.

Falar de proteção Civil compreende duas linhas essenciais de atuação, a da prevenção e da resposta em caso de urgência. Vou centrar-me no trabalho de prevenção realizado a partir de 2013.

O território de Loures é particularmente sensível à elevada pluviosidade, dadas as características da bacia hidrográfica do Trancão, com um regime de cheias rápidas que dificulta a retirada atempada de pessoas e bens das zonas inundáveis. Nas zonas mais urbanizadas e, portanto, com solos mais impermeabilizados os riscos são ainda maiores. Historicamente têm-se verificado muitos episódios graves, com elevados prejuízos materiais e até perda de vidas humanas como aconteceu em 1967 e em 1983, mas também em anos mais recentes.

As cidades de Loures e Sacavém pela sua proximidade ao Trancão são nesse aspeto particularmente visadas pelos riscos de cheia quando ocorre elevada precipitação. Nesse sentido, destacaria duas grandes intervenções para prevenir cheias.

Lembro que estas obras, sobretudo as mais extensas e de maior dimensão, têm custos difíceis de acomodar na maioria dos orçamentos municipais e que, ao contrário do que acontece em algumas outras áreas de investimento, os programas operacionais regionais – principal origem de fundos comunitários para os municípios – excluem em regra este tipo de intervenções, e que por serem obras na generalidade de infraestruturas de drenagem, abastecimento de água e outras no subsolo são politicamente pouco valorizadas, que não foi no entanto, assim entendido neste Concelho.

Desde logo deu-se prioridade à limpeza, alargamento e renaturalização das margens das linhas de água por todo o concelho, libertando-as de infestantes e desassoreando os seus leitos o que produziu efeitos relevantes de mitigação de cheias em zonas habitualmente sujeitas a elas. Os orçamentos anuais previam sistematicamente verbas na ordem das centenas de milhares de euros para este fim e foram feitos investimentos em maquinaria de grande capacidade para poder intervir diretamente nestas áreas, para além do recurso a contratação externa. Em geral estes trabalhos não estão à vista dos principais aglomerados populacionais. Nos anos anteriores à nossa chegada as intervenções eram escassas e em geral para resolver problemas e não preventivas.

A primeira foi a obra de regularização fluvial e controlo de cheias da ribeira do Prior Velho, denominada obra do Caneiro de Sacavém. Se se procurar notícias e imagens sobre a zona baixa de Sacavém encontrar-se-á inúmeros relatos e reportagens televisivas, em vários anos, sobre a ocorrência de fortes cheias nesta área e, com sorte, até se poderá ver declarações do presidente da câmara que nos antecedeu dizendo que nada poderia fazer, dado que não controlava a chuva… 

Podemos afirmar com elevada satisfação que desde o términus da obra em sinal de elevada precipitação a Praça da República e o novo sistema de drenagem instalado e em funcionamento reduziu e mitigou os fenómenos de cheias na Praça da República e zonas adjacentes, aqui em Sacavém!

De facto nunca houve vontade de quem nos antecedeu de intervir nesta questão, certamente conscientes do volume da obra e dos impopulares impactos que ela teria na população desta cidade.

Não foi essa a nossa opção. Aproveitámos uma oportunidade de fundos sobrantes do POSEUR, fora do quadro habitual de candidaturas para inscrever este projecto. O apoio seria de 85% a partir do valor inicial proposto, sendo na realidade mais baixo dado que foi preciso responder a situações imprevistas da obra com as respectivas aprovações de trabalhos adicionais. Para além disso, conhecedores de que uma parte dos esgotos domésticos do Prior Velho, localidade situada a montante, não estavam a ser encaminhados para tratamento, propusemos à entidade responsável por essa intervenção, a empresa pública Águas do Tejo Atlântico, integrar essa intervenção na obra, no que nos pareceu uma obrigatória coordenação entre entidades públicas e uma boa gestão dos recursos.
 
Iniciada em maio de 2019, depois de diversas e habituais peripécias com o concurso público internacional – e com um valor de 11,5 milhões de euros – a obra contemplou a construção de um novo caneiro, que percorre, de forma subterrânea e com uma extensão de 800 metros, as ruas Salvador Allende, Auta da Palma Carlos e a Praça da República, até ao rio Trancão. Foi a maior obra alguma vez efectuada pelo Município de Loures.
 
O objetivo foi prevenir a ocorrência de cheias na zona mais baixa da cidade, fustigada nas últimas décadas por várias ocorrências que provocaram prejuízos avultados a moradores e comerciantes. Tratou-se de uma obra de elevada complexidade, executada em meio urbano em artérias ladeadas de prédios de habitação, de intenso tráfego, múltiplo comércio, transportes colectivos e diversos serviços públicos e privados, desde uma igreja ao serviço de Finanças ou ao centro social.

A obra consistiu na abertura e execução de “túnel” de escoamento de águas pluviais, substituindo o anterior “Caneiro” que se supunha ter entre 80 e 100 anos e contemplou também a construção de uma estação elevatória que permite o bombeamento dessas águas, fator essencial para responder aos momentos em que a pluviosidade coincide com a maré cheia e em que, até aqui, o Rio Trancão em vez de receber água, a empurrava para as ruas de Sacavém. Assim se aumentou drasticamente a capacidade de escoamento na zona, prevenindo a ocorrência de cheias. 

Escusado será dizer que no decurso da intervenção, as naturais perturbações na vida das populações e na actividade económica da cidade de Sacavém, a par dos habituais aproveitamentos políticos das dificuldades que invariavelmente surgem numa obra desta envergadura, pagámos um elevado preço político pela sua execução, sendo que os seus resultados práticos só agora são visíveis. Mas entendemos que esta foi a opção correta e provavelmente resolvemos um problema que durava há meio século e que pode ter ficado resolvido por mais 50 anos.

Uma segunda intervenção da maior relevância, que deixámos já em curso foi o Controlo Sustentável de Cheias na ribeira da Póvoa e rio de Loures, intervenção com um valor de 5,8 milhões de euros, que prevê a redução do risco de inundação em 25% e a eliminação total do risco máximo na área envolvente à cidade de Loures.

Esta intervenção prevê utilização de técnicas de engenharia civil – construção de novas passagens hidráulicas e comportas antirretorno –, bem como de engenharia natural – mantas orgânicas, hidrossementeiras, gabiões cilíndricos, bio rolos de coco, muros de suporte vivo, estacas de salgueiro, soleiras, estacaria viva, plantas, entre outras –, que permitirão solucionar problemas estruturais de estabilização geotécnica e hidráulica das nossas linhas de água e, simultaneamente, projetar ecossistemas em equilíbrio.

Trata-se de um obra efectuada fora das zonas habitacionais e logo com pouca visibilidade para os munícipes, mas absolutamente essencial para minimizar situações como aconteceu à um ano e por estes dias na área de Frielas. Esta obra encontra-se ainda em curso.

São obras difíceis, nomeadamente a que realizámos em Sacavém, que - pelo incomodo da realização em meio urbano, a duração da mesma, com condicionamentos severos para os moradores, ruído, engarrafamentos -, não dão votos, e são até politicamente danosas.

Mas defender o interesse público é projectar o futuro com um horizonte maior do que o mandato autárquico e continuamos a pensar ser essa a melhor atitude. Para isso é útil que estes tipos de intervenções passem a ser valorizadas em permanência, seja no debate, seja no comentário político, e não apenas quando ocorrem as intempéries. 

É um escândalo que, apesar dos sistemáticos apelos dos municípios nesse sentido, nem os quadros comunitários de apoio, nem o PRR tenham verbas para estas intervenções de fundo, efetivamente estruturantes.

É altura de fazer descer ao concreto a sempre falada adaptação às alterações climáticas, que não pode focar-se apenas na venda de carros elétricos ou nas iniciativas de greenwashing que por aí pululam em empresas, ministérios e algumas autarquias.

Pela nossa parte ficou o trabalho realizado, que certamente ajudará a minimizar os impactos de ocorrências adversas como as que tem sido assolado o distrito de Lisboa e de que muito nos orgulhamos!

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