Quarenta anos após a Revolução de Abril e a conquista pelo povo português de um conjunto de direitos políticos, económicos e sociais, que permitiram o acesso a um conjunto muito significativo de bens e serviços essenciais, podemos afirmar que a ofensiva contra os serviços públicos e as funções sociais do Estado tem tanto tempo, quanto a consagração constitucional em Abril de 1976, desses direitos.
Nos vários debates realizados durante a semana temática, dedicada aos serviços públicos e às funções sociais do Estado, é generalizada a opinião de que com a assinatura do Pacto de Agressão a ofensiva não só acelerou, como entrou numa fase de maior agressividade, mas que a ofensiva não é apenas uma consequência da imposição pelas troikas nacional e estrangeira de um conjunto vasto de medidas restritivas.
Este é um período de tempo que arrastou o País e os portugueses para o empobrecimento, em que foram espoliados de uma parte significativa dos seus rendimentos, quer pela via dos cortes salariais e das pensões e reformas, quer pelo ataque brutal às funções sociais do Estado com os cortes na saúde, na educação e na segurança social.
Mas é na política de direita desenvolvida ao longo de mais de 38 anos, ancorada num projecto político e ideológico que tem como objectivo principal a liquidação das principais conquistas da Revolução de Abril, que encontramos a explicação para o permanente conflito entre a acção e os objectivos prosseguidos pelos sucessivos governos do PS e PSD, com ou sem o CDS, e o carácter progressista e avançado do regime democrático saído da Revolução de Abril, e da activa intervenção do poder dominante para o procurar amputar, limitar e até mesmo liquidar.
Reconfigurar o Estado e a sua administração pública aos interesses do capital monopolista, procurando colocá-los inteiramente ao serviço das classes dominantes, tem sido um elemento central de uma estratégia que visa romper com um caminho de desenvolvimento económico geral, de correcção e liquidação das injustiças e desigualdades sociais em Portugal, iniciado com a Revolução de Abril.
Adaptando o Estado às teses neo-liberais - “do menos Estado”, “a maior eficiência da gestão privada em relação à pública”, “o Estado regulador e não produtor” - apoiada nas orientações e decisões comunitárias, promove-se a liberalização e desregulamentação do mercado de trabalho, as privatizações do SEE, a liberalização e desregulamentação do mercados públicos, colocando como principal objectivo do Estado, a criação do ambiente favorável à iniciativa privada, atribuindo-se a este uma acção supletiva.
Num processo que não se desliga do facto de termos um poder político há muito capturado pelo poder económico, o Estado tem-se assumido crescentemente como instrumento dos poderosos, e em especial na recomposição de grandes grupos económicos privados.
A ruptura com Abril assinalada no XVIII Congresso do Partido, em matéria de serviços públicos e funções socais do Estado deu, nestes últimos anos, novos e agravados passos.
Os últimos quatro anos ficaram marcados por uma linha continuada de brutal desmantelamento dos serviços e funções sociais do Estado e de afronta aos trabalhadores da Administração Pública e à população. Depois do PRACE do Governo do PS, veio o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC) do Governo PSD/CDS-PP.
São duas peças instrumentais que, a par da aprovação anterior da lei da Delimitação dos Sectores que permitiu avançar com um conjunto de privatizações e liberalizações, com que se procurou a inerente substituição de objectivos de serviço público pelo objectivo do lucro privado, na sua essência conflui para o mesmo objectivo: desmantelar a componente de prestação do Estado de serviços públicos à população, ao mesmo tempo que se aprofunda o seu carácter centralista, se fortalece a sua componente repressiva e se destroem direitos dos trabalhadores da Administração Pública.
A fusão, extinção e encerramento de serviços; o afastamento cada vez maior da administração pública dos cidadãos, iniciado, pelo governo do PS e que o governo do PSD/CDS-PP prosseguiu; a chamada Lei dos Compromissos cujos pressupostos constituem um instrumento com vista à paralisação do conjunto da administração pública e de bloqueamento dos meios do Estado, as suas responsabilidades e competências; as alterações ao regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, que têm como objectivo a redução dos salários e o despedimento de milhares de trabalhadores – inserem-se numa estratégia mais ampla de reconfiguração do Estado e da sua administração pública aos interesses do capital monopolista.
Há muito que está claro que, as mexidas em curso na Administração Pública não têm nada de conjuntural, pelo contrário estão concebidas para ter um alcance profundíssimo que afecta toda a estrutura da organização do Estado e da sociedade, das relações de trabalho e condições de vida de cada camada social.
Trata-se de uma ofensiva estratégica sobre o Estado e a Administração Pública com impactos estruturais, organizacionais e nas condições concretas da prestação e da organização do trabalho no sector, com consequências desastrosas para o País e os portugueses.
Afirma-se que a sociedade está em crise e que não há alternativas às políticas de direita devido à União Europeia e à globalização. Duas ideias que inculcadas na cabeça das pessoas até ao limite fazem com que muitos desanimem e concluam que não vale a pena lutar. Na verdade o que se pretende é escamotear as contradições monumentais que a sociedade revela: veja-se os lucros de alguns grupos, veja-se a distribuição da riqueza cada vez mais injusta, veja-se o agravar das desigualdades entre regiões.
Outra questão tão propalada pelos arautos da política de direita com que procuram justificar as políticas de privatização de serviços públicos, é a do défice. Como se pode verificar trata-se de uma mistificação. Qualquer país pode funcionar com défices superiores ao nosso. Debaixo da capa da redução do défice público, a política em curso visa a privatização directa de áreas, serviços e funções sociais do Estado mercantilizáveis, reduzindo a administração pública a aspectos residuais, caritativos e assistencialistas em confronto com a Constituição da República.
O que pode constatar, é que em toda a União Europeia a dramatização do défice tem um grande objectivo:
Atacar o que chamam de Estado Social, ou seja transferir para o poder privado as dezenas de milhar de milhões de euros que o exercício da prestação dos direitos sociais movimenta. O exemplo do que se passa na educação com a privatização da Escola Pública agora por via do processo de municipalização, na saúde com a transferência da prestação de cuidados para as empresas privadas e o seu financiamento em centenas de milhões de euros através da ADSE e outros subsistemas públicos, bem como das PPP, ou o objectivo de privatizar uma parte da segurança social, ou ainda na cultura com a crescente mercantilização do acesso à fruição e criação culturais, particularmente entre as camadas populares e os jovens, são bem elucidativos.
A ofensiva contra os serviços públicos e as funções sociais do Estado tem assumido grande significado, pelos seus impactos negativos na qualidade de vida dos cidadãos, no desenvolvimento equilibrado do território nacional e para a soberania e independência nacionais.
Os processos de privatização e liberalização dos serviços públicos ou bens essenciais, como a saúde, a educação, a segurança social, as energias, a água, as telecomunicações e os transportes, confirmam que, ao contrário de uma tese tão do agrado dos defensores da política de direita, de que os privados fazem melhor e com custos menores para o Estado, tese que a vida tem-se encarregado de desmentir, o que verificamos é que com a generalidade das unidades privatizadas, temos um serviço mais caro para o utente, com a introdução do postulado do utilizador/pagador e, um serviço de pior qualidade, com uma gestão focalizada na eficiência financeira, ou seja o lucro máximo.
Exemplos desta afirmação não faltam, basta verificar o que se tem vindo a passar em sectores como: os transportes, as telecomunicações, no abastecimento de água onde o sistema foi privatizado, na distribuição postal, nos notários, entre outros.
Neste processo de desresponsabilização do Estado face às suas importantes responsabilidades sociais, em que o principal objectivo a atingir, é o de transformá-lo num Estado financiador e regulador, mas retirar-lhe a condição de Estado prestador, as chamadas «entidades reguladoras», constituídas por grupos de peritos/personalidades nomeados pelo governo, pretensamente independentes e isentos, para arbitrar e harmonizar interesses contraditórios entre consumidores e produtores, entre utentes e prestadores de serviços, mais não têm servido que não seja para afastar o Estado da direcção e regulação económica dessas mesmas funções e uma operação política e uma mistificação ideológica, visando desresponsabilizar o poder político, e os partidos que o exercem, pelas decisões dessas entidades, que podem atingir gravemente a maioria da população e os agentes económicos mais frágeis.
A política patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao País, que exige, entre outras, a ruptura com a mutilação e subversão das políticas sociais – saúde, educação, segurança social, cultura – e a progressiva liquidação de direitos e das condições de vida da população, tem como um dos eixos centrais, “defender e recuperar os serviços públicos e as funções sociais do Estado.”
Para a prossecução deste objectivo o PCP defende:
Um sector público forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento independente do país, como condição chave para a manutenção em mão nacionais de alavancas económicas decisivas e para concretizar a propriedade social dos sectores básicos e estratégicos, instrumento essencial para garantir o desenvolvimento integrado e o ordenamento do território, para reafirmar um Estado com um papel produtivo e não meramente regulador, para promover uma política de emprego e melhoria das condições laborais e de vida.
Assegurar um sector público com uma dimensão e peso determinantes nos sectores básicos e estratégicos da economia nacional, nomeadamente:
A banca e os seguros; a energia; a água, saneamento e tratamento de resíduos sólidos; as comunicações e telecomunicações; os transportes e vias de comunicação; a industria; outros sectores considerados estratégicos, designadamente áreas da comunicação, da investigação e desenvolvimento tecnológicos; o desenvolvimento do País que passe por um investimento significativo na educação, na cultura, na ciência e tecnologia, na saúde, na segurança social, tendo presente que o efeito cumulativo dos diferentes factores socais e económicos são decisivos para a melhoria de vida do povo português.
Uma administração e serviços públicos ao serviço do país, com a defesa e reforço do SNS como serviço público, geral, universal e gratuito, com garantia de acesso em qualidade aos cuidados de saúde; a afirmação da Escola Pública, de qualidade, gratuita e inclusiva; a garantia de um sistema de Segurança Social Público Universal, o desenvolvimento Científico e Tecnológico; a afirmação de uma Administração Pública ao serviço do povo e do País.
Objectivo que nos convoca a todos para a necessidade de intensificar a luta na defesa dos direitos alcançados. A luta dos trabalhadores da administração pública e das empresas públicas, bem como a luta dos utentes dos serviços públicos, tem tido um papel decisivo para impedir que as consequências desta ofensiva tivessem sido ainda mais negativas.
Mas é preciso ir mais longe. É preciso elevar o nível da luta e colocá-lo ao nível da ofensiva.
Este governo já mostrou que vai aproveitar os últimos meses de vida para ir tão longe quanto lhes for possível na concretização do processo de reconfiguração do Estado, tal como a chamada reforma do Estado prevê.
O desânimo, o baixar os braços, a desistência das escolhas certas, nesta fase, apenas favorece a política de direita.
Viva o PCP