Intervenção de

Dificuldades de funcionamento do Parlamento - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Declaração
política referindo-se a dificuldades de funcionamento do Parlamento nas
últimas semanas, condenando generalizações acerca do comportamento dos
Deputados e dos grupos parlamentares e propostas de alteração da Lei
Eleitoral para a Assembleia da República referidas como necessárias à
valorização deste órgão de soberania e ao reforço da proximidade entre
eleitores e eleitos

 

 Sr. Presidente,
Srs. Deputados: O
Parlamento tem vivido dias difíceis, abalados pelas dificuldades de
funcionamento das últimas semanas. Não desvalorizamos nenhum aspecto da
grave e inaceitável situação criada com a falta de quórum de votação
nem menorizamos a imagem de deficiente funcionamento que deu a questão
da falha do sistema electrónico. É evidente, para o PCP, que a
valorização do Parlamento se faz também pelo correcto exercício do
mandato dos Deputados, da responsabilidade de cada um, mas também,
evidentemente, dos partidos por que foram eleitos. Mas
não alinharemos, nem por um segundo, quer em abusivas generalizações
que pretendem esconder as diferenças de comportamento entre Deputados
ou as diferenças de postura entre partidos, quer no populismo que
transforma estes erros do Parlamento na principal causa da degradação
da situação do País e da democracia. Sabemos
bem a quem convém esta situação. Ela é do agrado dos que ocupam o
governo há mais de três décadas e que são responsáveis pela situação do
País também no plano social, porque assim se eximem às suas
responsabilidades. Ela é do agrado dos grandes grupos económicos que
beneficiam das políticas de direita, porque, assim, diminuem a
possibilidade de crítica e denúncia das vantagens que os governos lhes
proporcionam. Ela é do agrado dos que querem uma Assembleia da
República desprestigiada, para que lhe seja mais difícil exercer as
suas funções de fiscalização do poder executivo. Pela
nossa parte manteremos, como sempre, um rigoroso desempenho do mandato,
sempre marcado pela disponibilidade para o contacto com os eleitores e
os problemas do País, firmemente empenhado em fiscalizar o Governo e
propor as políticas alternativas que constituem o nosso compromisso com
os portugueses. Dito
isto, importa também abordar uma outra questão. É a questão das pseudo
soluções legislativas eleitorais para a dignificação do Parlamento. É
que, no meio do coro geral de críticas, logo apareceram os defensores
das soluções do costume: a redução do número de Deputados e a criação
de círculos uninominais. Logo
vieram representantes destacados do PS e do PSD, secundados por toda a
espécie de comentaristas, com o velho sonho da bipolarização forçada
pela lei. Numa atitude que se pode qualificar, no mínimo, de
oportunismo demagógico, aproveitaram o clamor que se gerou com as
recentes dificuldades do Parlamento para semear a falsa ideia de que só
com aquelas medidas a situação se resolve. Em linha como
que têm vindo a propor para as autarquias locais, no sentido do
monolitismo dos órgãos executivos, querem uma Assembleia da República
mais domesticada e concentrada nos dois partidos com maior
representação. Os
argumentos são os do costume. Dizem que só com os círculos uninominais
se garantiria a proximidade eleito-eleitor. Mas o que impede os
Deputados de praticá-la desde já? O que os impede e aos seus grupos
parlamentares de estabelecer — tal como o PCP fez, por exemplo, na
preparação da última interpelação ao Governo — contactos mais
frequentes com os eleitores, visitando as situações de dificuldades e
crise? O que impede, por exemplo, os Deputados do PS e do PSD de estar
com ostrabalhadores de empresas em crise quando lutam pelos seus direitos? Será
a inexistência de círculos uninominais ou, antes, a responsabilidade
dos seus partidos pela política que leva àquelas situações? Na
verdade, não há lei que possa garantir essa proximidade, se a prática
dos próprios não for nesse sentido. Dizem que só com os círculos
uninominais os Deputados se sentiriam responsáveis, por que eleitos por
uma determinada circunscrição. Isso seria, aliás, reconhecer que, nos
respectivos partidos, os Deputados hoje não se sentem
responsabilizados. E seria também abrir a porta à multiplicação de
episódios «limianos», com toda a perversidade que isso traria à vida
política. Esta
é uma ideia assente na concepção que privilegia a responsabilização
individual do Deputado em detrimento da força política que representa e
pela qual concorre nas eleições. É certo que os factores individuais de
candidatura têm importância. Mas será que alguém pode dizer com
honestidade que esses são os factores determinantes em cada círculo
eleitoral? É evidente que a maioria das opções de voto se determinam
por questões e dinâmicas gerais e nacionais. Sobrevalorizar a relação
entre eleitores e osDeputados
individualmente só serve, de facto, a quem quer disfarçar as severas
responsabilidades dos partidos e dos governos que apoiam nas políticas
nacionais.Outros
propõem ainda a redução do número de Deputados, em nome da eficácia do
Parlamento e procurando aproveitar a ideia de que os Deputados são uma
espécie de gasto mais ou menos inútil que deve, se possível, ser
reduzido. Tal redução,  continuando um percurso anterior
que já prejudicou a representatividade partidária, significaria
obviamente uma maior concentração de representação nos dois partidos
hoje mais representados. Os que propõem círculos uninominais «juram a pés juntos» que será respeitada a proporcionalidade. Independentemente
da dificuldade em não diminuir a proporcionalidade em tal sistema, o
mais importante é que a criação de círculos uninominais criaria uma
dupla bipolarização aos eleitores. À artificial concepção, sempre
propagandeada pelo PS e pelo PSD, de transformar as eleições para a
Assembleia da República em eleições para o Primeiro-Ministro,
acrescentar-se-ia agora a bipolarização local de, em cada círculo
uninominal, na esmagadora maioria dos casos, se poder apenas escolher
entre os mesmos dois partidos. E,
assim, temos que as soluções que logo apresentam estes partidos em face
de uma situação que descredibilizou a Assembleia da República são no
sentido de diminuir o pluralismo, a representatividade plural das
diversas correntes políticas da sociedade portuguesa. Vão, aliás, no
sentido de beneficiar aqueles que, proporcionalmente, são os maiores
responsáveis pelas situações censuráveis que ocorreram nesta Casa.Uma espécie de benefício do infractor. Como se a solução para as dificuldades do Parlamento fosse amputá-lo da sua diversidade. Como se a saída para os problemas da democracia fosse empobrecê-la ainda mais! Quem quer proximidade, pratica-a. Não a anuncia, nem precisa de eleição uninominal para o fazer. O
que os proponentes destas alterações querem não é proximidade, é
tranquilidade. Tranquilidade para poderem manter as suas políticas de
sempre e não terem de contar com a oposição de parte significativa das
restantes correntes políticas. Tais
propostas conduziriam, no fundamental, a uma redução crescente do
Parlamento ao PS e ao PSD, os dois partidos que acumulam as maiores
responsabilidades pela situação a que o País chegou. Porque a principal
causa do descrédito da política não advém dos episódios do Parlamento
mas, sim, das promessas não cumpridas, das políticas que agravam os
problemas do País e prejudicam a vida das pessoas. Esse descrédito é
criado pelas restrições aos direitos, as injustiças e as desigualdades. Combateremos
firmemente estas propostas, desmentindo os seus falsos argumentos,
revelando as suas verdadeiras intenções e contrapondo uma prática de
sempre: a defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores, do
povo e do País e a defesa do pluralismo e de uma democracia que não
pode ficar reduzida às duas faces de uma mesma política.  (…)  Sr. Presidente,

O Sr. Deputado Alberto Martins não levará a mal, certamente, se eu
começar por responder ao Sr. Deputado Luís Fazenda, para lhe dizer que,
evidentemente, as palavras que aqui disse merecem a nossa convergência. É
preciso uma enorme transparência e rigor no exercício do mandato de
Deputado e nos trabalhos da Assembleia da República. Não temos medo do
escrutínio público, o que não queremos são generalizações abusivas. É
verdade que, nesta Casa, é preciso que se caminhe num sentido de maior
transparência e de maior visibilidade dos trabalhos de cada um, de cada
grupo parlamentar e do pleno da Assembleia daRepública. Esta é uma responsabilidade de todos. Mas,
na verdade, como disse o Sr. Deputado Luís Fazenda, e respondendo já ao
Sr. Deputado Alberto Martins, o que estamos aqui a discutir não é
apenas isto. É que o porta-voz do Partido Socialista, Deputado Vitalino
Canas, não escolheu um momento qualquer para se pronunciar, mais uma
vez, em nome do Partido Socialista, sobre a questão da proposta dos
círculos uninominais, escolheu um momento em que selevantava
um clamor, em muitas coisas justo mas noutras abusivo e degradante em
relação ao Parlamento, e quis «surfar» essa onda. Quis aproveitar o
desprestígio do que aconteceu na Assembleia para com isso encontrar
apoio para as suas propostas, apresentando-as como a solução destes
problemas. Uma
espécie de «surfista» do populismo que por aí se gerou, a propósito
desta questão da Assembleia da República. É isto que denuncia bem quais
são as intenções do Partido Socialista. Não! O Partido Socialista não quer prestigiar o Parlamento com o pulsar da modernidade. O Partido Socialista quer, sim, reduzir o Parlamento, o mais possível, à expressão do PS e do PSD. Quer,
sim, que se limitem as correntes de opinião diversas, que tantos
incómodos lhe causam quando põem em causa as vossas opções políticas. É
isto que significa a adopção de uma lei de círculos uninominais. Se
se quer proximidade entre os eleitores e os eleitos, não é preciso
pô-la na lei, basta praticá-la, Sr. Deputado Alberto Martins. Pela
nossa parte, temos a prática dessa proximidade e não precisamos de lei
nenhuma para que nos venham dizer que é preciso ouvir os eleitores, que
é preciso estar junto dos seus problemas e que, sobretudo, é preciso
trazer os seus problemas a esta Assembleia da República, porque eles
têm dignidade para estar aqui em todos os debates, que são debates que
para eles existem. O que os senhores querem é umalei
que consiga aquilo que não conseguiram na prática, que é reduzir as
diferentes correntes de opinião a um espaço residual, em termos
eleitorais. E como não o conseguiram, querem fazê-lo através da lei. Bem pode o Sr. Deputado Alberto Martins dizer que a proporcionalidade será integralmente respeitada. Veremos! Mas
a questão, como sabe, é muito mais profunda do que isso. A questão é
saber se com esta lei teremos ou não uma «tenaz» bipolarizadora a
pressionar os eleitores para uma opção entre as duas faces da mesma
política — o PS e o PSD —, entre a bipolarização que já se faz hoje
pela lógica falsa da eleição do Primeiro-Ministro, procurando reduzir
as opções aos candidatos do PS e do PSD, e que então passariatambém a ter a opção de só se poder escolher localmente entre os candidatos dos maiores partidos. É
na verdade um imenso logro político, e é tanto mais grave quanto se
aproveita o momento grave que estamos a viver para lançar esta linha de
proposta demagógica e populista. Saliento
também, e com isto termino, que o Sr. Deputado Alberto Martins nada
disse em relação à rejeição que em tempos o PS fez das propostas do PSD
para a redução do número de Deputados. Recordo que PS continua a nada
dizer de definitivo nesta matéria, porque essa seria a outra parte
desta diminuição inaceitável da democracia representativa, desta
diminuição inaceitável do pluralismo no Parlamento, que, pelanossa
parte, vamos combater. Vamos combater aqui, vamos combater na sociedade
com o nosso trabalho e com a nossa prática, desmascarando as
verdadeiras intenções que estão por trás destas propostas. 

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