Projecto de Lei N.º 22/XIII/1.ª

Determina o cancelamento e a reversão do processo de fusão, reestruturação e subconcessão do serviço público de transporte público coletivo da Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, SA, e do Metropolitano de Lisboa, EPE

Determina o cancelamento e a reversão do processo de fusão, reestruturação e subconcessão do serviço público de transporte público coletivo da Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, SA, e do Metropolitano de Lisboa, EPE

O processo de destruição das empresas públicas Carris e Metropolitano de Lisboa foi conduzido e imposto pela maioria absoluta de que PSD/CDS dispuseram na anterior sessão legislativa. Esse processo, conduzido contra as autarquias da Área Metropolitana de Lisboa e contra os trabalhadores e utentes das empresas, assumiu os seguintes eixos estruturantes:

• Degradação da oferta de transportes públicos, da sua qualidade, quantidade e fiabilidade;

• Aumento brutal de preços praticados aos utentes;

• Congelamento salarial desde 2011 até, pelo menos, 2018, e redução brutal de salários e direitos, a par do objetivo de destruir a contratação coletiva;

• Administração comum das duas empresas, depois alargada ainda à Transtejo e Soflusa;

• Fusão das quatro empresas, conduzida sem enquadramento legal;

• Planificação da pulverização das empresas: venda da CarrisTur; separação dos elétricos, elevadores e ascensores, retirando-os do serviço público de transportes e privatizando-os com a CarrisTur; separação da manutenção do material circulante do Metropolitano e sua privatização numa operação financeira de «lease-back»; privatização da Ferconsult;

• Subconcessão da exploração comercial do Metropolitano de Lisboa e da exploração comercial dos autocarros da Carris.

Esta política teve objetivos claros: entregar o máximo do sector aos grandes grupos económicos e facilitar a exploração capitalista deste serviço público (para o que se impunha a redução dos custos com a força de trabalho e o aumento dos custos impostos aos utentes).

O corolário deste modelo seria uma futura «Transportes de Lisboa» pública transformada num mero gestor de subconcessões, concessões e subcontratações, a funcionar como livro de cheques de um conjunto de operadores privados que haveriam raptado o sistema.

Esta política destinou-se a prosseguir o movimento de mercantilização e privatização dos transportes públicos, impulsionado pelas grandes multinacionais do sector (nomeadamente através de diretivas comunitárias). Mas como é característico da política de direita, o Governo procurou disfarçar os seus propósitos reais com “cortinas de fumo” destinadas a iludir as populações que a sua política objetivamente prejudica.

Se é verdade que o Governo foi longe de mais, não é menos verdade que o Governo não conseguiu ir tão longe como desejava. Alguns dos aspetos mais graves dos seus planos foram travados ou adiados pela luta, como sejam a destruição da contratação coletiva, a imposição definitiva dos roubos praticados, a fragmentação das empresas e a sua subconcessão e privatização.

Salvar o Metro e a Carris do processo de destruição em que o Governo do PSD/CDS colocou estas empresas, e dignificar a prestação de transportes públicos na Área Metropolitana de Lisboa, exige um vasto conjunto de medidas que desarticulem cada um dos aspetos anteriormente referenciados. Mas em primeiro lugar, impõe-se a anulação do processo de reestruturação em curso na Carris e no Metropolitano de Lisboa e do processo de subconcessão da exploração comercial dos autocarros da Carris e do Metropolitano de Lisboa.

Até porque são particularmente graves os aspetos concretos do processo de subconcessão. Como aliás acontece em todos os processos de Parcerias Público-Privadas, onde o concreto e a prática acabam por espelhar a diferença entre a roupagem publicitária com que são revestidos e os factos.

Graças às denúncias das Organizações Representativas dos Trabalhadores são hoje conhecidos muitos dos aspetos mais graves dos contratos de subconcessão e do próprio processo em si. Cada um destes aspetos, por si, representa uma razão acrescida para travar este processo imediatamente:

• As empresas públicas assumem o compromisso de pagar 1075 milhões de euros à multinacional, além de lhe transferirem as receitas de publicidade, de lhe oferecerem a possibilidade de subalugar instalações e autocarros, e de manter nas empresas públicas despesas tão estruturantes como a manutenção, reparação e aquisição do material circulante do Metropolitano de Lisboa.

• Os contratos incluem cláusulas de «reequilíbrio financeiro», um alçapão por onde mais tarde sairão milhões do erário público. A esse propósito é oportuno recordar que no último Relatório às PPP da Unidade Técnica de Acompanhamento Orçamental da Assembleia da República chama a atenção que só em pedidos de «reequilíbrio financeiro» estão hoje já reclamados 3,5 mil milhões de euros pelos concessionários privados das concessões rodoviárias.

• Os contratos incluem cláusulas onde se determinam os valores da oferta onde são válidos os termos contratualizados, valores desajustados da realidade operacional e que não têm em conta alterações estruturantes como o efeito da conclusão das obras em Arroios e na Reboleira. Na prática, estas cláusulas vão permitir novas operações de reequilíbrio financeiro.

• Os contratos incluem cláusulas que garantem ao privado que, mesmo que não preste o serviço público, continue a receber como se o prestasse, tendo garantida 95% da receita «prometida» independentemente da oferta efetivamente concretizada.

• Os contratos permitem que o concessionário utilize os autocarros da Carris com regras para a sua renovação que levarão a que a frota seja «devolvida» com uma média de 16,6 anos.

• Em caso de conflito entre os trabalhadores e o subconcessionário privado, se houver greve, quem assume os custos são as empresas públicas. É que de acordo com o Caderno de Encargos, a greve é tratada como uma situação alheia ao patrão e desencadeada pelos trabalhadores, e não como um conflito laboral entre duas partes, garantindo que o privado recebe (do Estado e dos utentes) como se a mesma não se verificasse. Paralelamente, o enquadrar a greve, direito constitucional, como um acontecimento de «força maior» a par de «atos de guerra, insurreição, hostilidades, invasão, tumultos, rebelião, terrorismo, explosão, contaminação, cataclismo, tremor de terra, fogo e raio, inundação ou greves», é profundamente antidemocrático.

• A subconcessão implicaria a separação da manutenção e da exploração comercial do Metropolitano de Lisboa, num caminho errado e perigoso.

• A subconcessão implicaria a separação dos elétricos, elevadores e ascensores do serviço de autocarros, opção errada e que prepara a sua retirada da oferta de transportes públicos e a sua privatização como instrumentos turísticos.

• Com a subconcessão, um conjunto extremamente vasto de equipamentos públicos são oferecidos à multinacional para os explorar de forma completamente gratuita, mas ficam nas empresas públicas as despesas de investimento, e os custos com a dívida, mesmo com a dívida que foi realizada para erguer o património agora entregue à exploração privada.

• Com a subconcessão, as empresas públicas Carris e Metropolitano de Lisboa estariam condenadas a uma situação financeira insustentável – basicamente, só possuiriam despesas e nenhuma receita – com um passivo que cresceria incessantemente, ao contrário do afirmado em toda a propaganda governamental.

• A dívida histórica que os sucessivos governos esconderam no Metropolitano de Lisboa e na Carris (fruto da desorçamentação dos investimentos e do não cumprimento dos termos da concessão, nomeadamente recusando-lhe as devidas indemnizações compensatórias) continuará assim a crescer.

Paralelamente, a forma ilegal como o processo tem sido conduzido, com uma reestruturação que não se discute com as Comissões de Trabalhadores (afrontando a Lei) e da criação de uma empresa que não existe juridicamente (a Transportes de Lisboa) que aparece publicamente a assumir atos jurídicos, até com um Conselho de Administração, e se atreve a deslocalizar trabalhadores entre empresas diferentes.

Face a tudo isto, respondendo à necessidade profunda destas importantes empresas públicas, dos seus trabalhadores e utentes, e respeitando os compromissos publicamente assumidos pelo PCP, apresentamos a presente iniciativa legislativa, no sentido do cancelamento do processo de subconcessão da exploração comercial de autocarros da Carris, de cancelamento do processo de subconcessão da exploração comercial do Metropolitano de Lisboa e de reversão do processo de reestruturação que está a destruir estas empresas.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei determina o cancelamento e a reversão do processo de fusão, reestruturação e subconcessão do serviço público de transporte público coletivo da Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, SA, e do Metropolitano de Lisboa, EPE.

Artigo 2.º
Norma revogatória

São revogados:

a) O Decreto-Lei n.º 98/2012, de 3 de Maio, que estabelece o regime de acumulação de funções dos membros executivos dos conselhos de administração do Metropolitano de Lisboa, E. P. E., e da Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, S. A., para efeitos da concretização do processo de fusão das duas empresas;
b) O Decreto-Lei n.º 161/2014 de 29 de Outubro, que estabelece o regime de acumulação de funções dos membros executivos dos conselhos de administração do Metro, Carris, Transtejo e Soflusa;
c) O Decreto-Lei n.º 174/2014, de 5 de Dezembro, que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída à Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A;
d) O Decreto-Lei n.º 175/2014, de 5 de Dezembro, que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e nos concelhos limítrofes da Grande Lisboa.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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