Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República, Debate sobre OE 2022

Desigualdades, injustiças e défices estruturais não têm resposta neste OE

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Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhoras e senhores membros do Governo,

Apesar da situação do País ser agora bem mais difícil do que era há seis meses, o Governo insiste numa proposta de Orçamento que recusa as soluções para os problemas nacionais e a resposta às dificuldades dos trabalhadores e do povo.

Com esta opção o Governo PS não dá apenas um exemplo da teimosia própria das maiorias absolutas. Na verdade, aquilo que de mais grave esta opção revela é o que se pode esperar deste Governo nos próximos quatro anos e meio: a falta de resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo e o recurso a qualquer pretexto para justificar a degradação das suas condições de vida, ao mesmo tempo que promove a acumulação de privilégios e benefícios para os grupos económicos com as mais insustentáveis justificações.

Vista pelo olhar do Governo e do PS, a situação nacional não é motivo de preocupação. A “questão absolutamente essencial” é o défice ficar em 1,9%. A inflação é elevada, em Abril poderá ter atingido 7,2% e já se admite que se prolongue até 2024, mas o governo continua a considerá-la passageira. Tudo o resto para o governo são questões de conjuntura a tratar com panaceias temporárias.

Desigualdades e injustiças, dependência e submissão a imposições externas, atrasos e défices estruturais, nada disso parece justificar uma resposta global.

Percebe-se que o Governo queira fazer a comparação com a proposta de Orçamento que apresentou em Outubro para dizer que mantém o rumo. Mas o verdadeiro contraste é o que resulta da comparação desta proposta de Orçamento com as que foram apresentadas nos últimos anos, especialmente entre 2015 e 2019.

Dessa comparação resulta uma conclusão óbvia: o tempo da reposição, defesa e conquista de direitos acabou mesmo.

Quem estava convencido de que o PS tinha feito esse caminho por opção, fica agora desenganado. Quem tinha expectativas de que o percurso feito nos últimos anos tivesse continuidade, percebe agora que só por cima da maioria absoluta do PS isso poderá acontecer.

As medidas insuficientes e parcelares de aumento do rendimento dos trabalhadores, reformados e pensionistas dão lugar à imposição da perda de poder de compra.

O passo positivo dado com a proposta do PCP de gratuitidade das creches, inscrita na lei em 2021, não tem sequência na criação de uma rede pública de creches que disponibilize as vagas que continuam a faltar.

O caminho de redução do preço do passe social e promoção do transporte público, de redução das propinas, de reforço do abono de família não tem desenvolvimento.

Os compromissos assumidos em matéria de construção de habitação pública e de resposta aos problemas do arrendamento não se concretizam.

Os apoios atribuídos com as verbas do Garantir Cultura, criados para responder aos impactos da epidemia, em vez de serem valorizados e desenvolvidos, afinal desaparecem sem deixar rasto.

Apresentando uma proposta de Orçamento já com quatro meses do ano decorridos, o Governo poderia ter optado por dar resposta a problemas que em outubro não era possível prever ou cuja dimensão não estava ainda clarificada, mas preferiu transformar a proposta de Orçamento numa oportunidade perdida.

O Governo podia e devia tomar medidas para aumentar salários e pensões. Sob o aplauso de PSD, IL, Chega, CDS e dos grupos económicos, o Governo PS recusa esse aumento.

A recusa do Governo em promover o aumento geral dos salários, em que esta proposta de Orçamento se deveria inserir, traduz-se num corte salarial concretizado em nome dos lucros que os grupos económicos estão a alcançar, da energia à grande distribuição, da banca às telecomunicações.

O Governo podia e devia apresentar agora medidas para combater a inflação controlando e fixando preços. Não o faz para não enfrentar os grupos económicos que ganham com a especulação.

O Governo podia e devia reforçar os serviços públicos, especialmente o SNS cuja situação é crítica, contratando profissionais, valorizando as suas carreiras e salários, incentivando a sua fixação no serviço público. Em vez disso, continua a recusar as soluções de fundo.

Em matéria de política fiscal, o Governo podia e devia avançar com soluções mais significativas de justiça fiscal, com alívio dos impostos sobre os rendimentos mais baixos e intermédios e sobre o consumo e a tributação efectiva do grande capital. Em vez disso, recusa as soluções que já recusava há seis meses e anuncia pela terceira vez o fim do PEC que foi aprovado em 2019.

Ninguém tenha dúvidas das consequências que terão as opções desta maioria absoluta do PS no aprofundamento de estrangulamentos, injustiças e desigualdades que marcam a vida do País.

Este Governo está a determinar, com esta proposta de Orçamento, a perda generalizada de poder de compra, a degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo e uma nova contração do mercado interno – que se acrescenta aos impactos da epidemia e imporá ainda mais dificuldades a milhares de MPME, pequenos agricultores e pescadores.

Só quem seja indiferente às dificuldades do povo e do país ou veja nessas dificuldades a oportunidade de sucesso da lei da selva neoliberal e da corrosão do regime democrático é que pode regozijar-se com tal situação.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhoras e senhores membros do Governo,

O País tem recursos e possibilidades para enfrentar a actual situação, assim houvesse vontade de pôr em prática a política que os mobilizasse nesse sentido.

O PCP continuará a bater-se por essa política e por essas soluções.

Disse.

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