Intervenção de

Desenvolvimento rural e agricultura - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Política para o desenvolvimento rural e agricultura

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Antes de falar do futuro, vou falar de questões do presente. Gostaria de o questionar sobre três atrasos do Governo.

Em primeiro lugar, o atraso no pagamento de projectos concluídos, do AGROS, do AGRIS, do Fundo Florestal Permanente e agora do regime de pagamento único, a agricultores e organizações agrícolas. É a terceira vez que o faço. Fi-lo em Outubro, fi-lo no debate do Orçamento, e até hoje não obtive nenhuma resposta!

Sr. Ministro, em Março de 2007, a situação mantém-se: milhões e milhões de euros de dívidas do Governo a organizações e a agricultores por projectos concluídos, pagos em grande parte pelos agricultores, e enormes dívidas de muitas estruturas em virtude do não pagamento do Governo.

Podia lembrar, por exemplo, as associações de raças autóctones, que continuam, em 2006, apenas com os adiantamentos e, em 2007, vai-se pelo mesmo caminho, e poderíamos falar de um conjunto de projectos agro-florestais que os senhores continuam sem pagar.

Sr. Ministro, quando e como é que o Governo vai pagar? Coloco-lhe esta questão, e, aproveitando a presença do Sr. Ministro da Presidência, se o Sr. Ministro não quiser responder, pedia, pelo menos, que o Sr. Ministro da Presidência, talvez mais bem informado sobre a gestão orçamental do Governo, pudesse dizer quando é que tal questão vai ser resolvida.

Sr. Ministro, o segundo atraso é na conclusão dos protocolos com as confederações agrícolas para as candidaturas ao regime de pagamento único.

Estes protocolos, que deviam estar prontos em Dezembro, foram terminados em Fevereiro, pelo que gostaria que explicasse as razões do atraso, até porque, pelas informações que tenho, o programa estaria pronto em Junho ou Julho e não se percebe por que é que, em vésperas de Março, quando o projecto das candidaturas já devia estar em curso, nem sequer os protocolos estão em cima da mesa.

Sr. Ministro, que garantias dá o Governo e o Sr. Ministro de que nenhum agricultor português vai ser prejudicado na recepção das ajudas a que tem direito por causa destes atrasos, que são da única e exclusiva responsabilidade do Governo, no presente ano de 2007?

Pergunto-lhe mesmo se considera que o prazo de Junho, que, pelos vistos, já foi pedido à União Europeia, é suficiente para que todos os pedidos de ajudas possam ser feitos.

Finalmente, Sr. Ministro, houve um terceiro atraso, já hoje aqui referido, na concretização e na regulamentação do PDR.

O Sr. Ministro não tem dúvidas de que este atraso, por exemplo relativamente às medidas agroambientais, significa, no fundamental, que em 2005, 2006 e 2007 não houve praticamente novas candidaturas às medidas agro-ambientais.

Gostaria que o Sr. Ministro me informasse, em primeiro lugar, quando é que vão começar as candidaturas no novo PDR e, em particular, como é que os agricultores, que vão ser prejudicados porque há medidas agro-ambientais às quais já não vão poder concorrer, por exemplo, quanto a culturas de Outono/Inverno, vão ser indemnizados pelos prejuízos causados pelo Governo.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Começo por uma interrogação. Porque receia o Grupo Parlamentar do PS o debate aprofundado das políticas agrícolas e rurais do Governo? Porque recusou o PS a proposta do Grupo Parlamentar do PCP para o Sr. Ministro da Agricultura e a sua equipa comparecerem na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional para debater e aprofundar o debate das questões agrícolas, apesar da importância desta interpelação?

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

As principais políticas e orientações agro-rurais do Governo e do Ministro da Agricultura representam um deliberado ataque à pequena agricultura e às explorações agrícolas familiares, contribuirão para um drástico agravamento da desertificação do mundo rural, em particular das zonas de montanha e, contrariamente ao que o Governo projecta e propagandeia, significarão novas produções na produção agropecuária do País.

Duas constatações: o Governo não aprendeu nada com os erros e insucessos dos anteriores governos; o Governo insiste e persiste em políticas e orientações que conduziram a agricultura portuguesa a um beco quase sem saída em que se encontra, pese embora inevitáveis «ilhas» que vão sobrevivendo.

O Ministro da Agricultura veio a esta Assembleia, durante o debate do Orçamento do Estado, dar conta, a partir de um estudo realizado no ministério, da falta de resultados visíveis ao nível do produto agrícola dos mais de 10 000 milhões de euros que o sector agrícola recebeu na última década e já hoje tornou a fazer uma referência a essa situação.

Mas o Governo PS não tira ilações desse rotundo falhanço ou da deliberada política de liquidação da agricultura familiar! Não tira ilações do resultado da concentração de aproximadamente 95% das verbas destinadas ao sector agro-florestal em cerca de 5% de grandes explorações e na agro-indústria!

O Governo esquece, mais uma vez, que 75% do produto agrícola das quatro principais fileiras, apresentadas como estratégicas no Plano de Desenvolvimento Rural, vem de explorações com menos de 5 ha.

Para onde quer que olhemos, qualquer que seja o ângulo de visão, o que vemos são mais prejuízos, mais custos, mais obstáculos e menos ajudas para a agricultura familiar e o mundo rural.

Passo a referir-me às políticas comunitárias.

Está o Governo a intervir e a mobilizar os agricultores e as suas associações para travar os malefícios das reformas da Organização Comum de Mercado dos sectores do vinho e das hortofrutícolas? Está a dizer o quê em Bruxelas? Não se enxerga, nem se sabe!

Está o Governo a perceber os riscos, para o sector leiteiro nacional, das teses da comissária sobre o fim indubitável das quotas leiteiras? Aparentemente, parece que sim, mas nada faz!

Está o Governo português a alcançar o significado do alargamento das ajudas estatais nacionais no sector agrícola, que pode representar desvantagens competitivas para a agricultura portuguesa?

Não me parecem merecer tais problemas a necessária atenção do Governo português, nem se vê a definição de estratégias nacionais para os enfrentar!

Quanto ao Plano de Desenvolvimento Rural, mesmo no contexto de uma elaboração em curso, particularmente da sua regulamentação, são altamente criticáveis algumas das opções tomadas: no plano de alocação das verbas, a concentração no eixo da competitividade de quase 50% das verbas disponíveis e a volumosa absorção de fundos pelo Alqueva. E nós somos dos que defendem a importância nacional e plurisectorial do Alqueva, mas isso justifica o recurso a outros fundos. Os resultados são brutais cortes nas medidas agro-ambientais e a guerra contra os pequenos agricultores.

O Sr. Ministro esqueceu-se, por exemplo, de falar, aqui, do corte das indemnizações compensatórias a cerca de 15 000 agricultores com áreas entre 0,5 e 1 ha.

O Sr. Ministro falou da duplicação de algumas ajudas das indemnizações compensatórias mas não disse que, devido ao corte que faz nas medidas agro-ambientais, uma parte significativa destes agricultores terá uma baixa dos rendimentos entregues.

O Sr. Ministro não falou das inadequadas exigências de encabeçamento para acesso às indemnizações compensatórias; não falou da redução brutal do nível das ajudas às raças autóctones; não falou da obrigatoriedade de integrar toda a unidade de produção no acesso aos modos de produção biológica ou integrada, que vai significar novos obstáculos para a agricultura familiar; não falou dos critérios de ruralidade estabelecidos no programa LEADER, que expulsam milhares de aldeias, e aldeias deste país, que ninguém se atreverá a classificar como urbanas!

É uma distribuição de dinheiros para os mesmos de sempre!

Sobre os atrasos de pagamento de dívidas à lavoura, é evidente que os atrasos no estabelecimento dos programas e regulamentação das medidas, as brutais dívidas acumuladas a produtores e a associações agrícolas têm um efeito devastador, em primeiro lugar, para a pequena agricultura e para as suas estruturas associativas. O Sr. Ministro continua sem responder quando e como vai fazer esses pagamentos, e não apenas à Confederação Nacional da Agricultura (CNA) mas a muitas outras estruturas associativas socioprofissionais e económicas, bem como a muitos milhares de agricultores, a quem o Estado deve e não paga!

O Governo que publica as listas dos seus devedores e os faz pagar juros de mora é o mesmo que paga tarde e a más horas, fora de prazo, quando não procura arranjar argumentos para não pagar!

O Ministério está na vanguarda do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE). Vai ter direito, certamente, a medalha do Primeiro-Ministro, com o despedimento de 3500 trabalhadores...! Os agricultores estão na retaguarda, com as dívidas e os atrasos nos pagamentos, com as burocracias a travarem os seus projectos, com a falta de resposta dos serviços do Ministério.

O Ministro da Agricultura encerra serviços e delegações e, simultaneamente, afirma descentralizar e aproximar os serviços dos agricultores. O Ministro da Agricultura tende a reduzir os seus serviços a acções de policiamento dos agricultores portugueses.

O Sr. Ministro falou, hoje, aqui, bastante dos laboratórios. Já agora, perguntava-lhe o que se passa com o Laboratório de Qualidade Alimentar, onde o Estado investiu milhões de contos, construído na Quinta de São Gens, na Senhora da Hora, na ex-Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho, e que, tudo indica, o Governo se prepara para vender ao Grupo Sonae. Será que há algum problema de especulação imobiliária em toda esta história de reestruturação dos laboratórios do Ministério da Agricultura, Sr. Ministro?!...

Aparentemente, o Governo e o Ministério da Agricultura estão muito preocupados com o ambiente. É ver o afã no licenciamento das explorações bovinas ou na matança do porco com a autorização de veterinário. De facto, o Governo «põe o carro à frente dos bois» no licenciamento. Não só não estão definidos os meios financeiros como não está a ter em conta a efectiva complexidade do problema, nem a envolver suficientemente as associações de agricultores.

Enquanto dificulta o acesso às ajudas, reduz apoios e não paga em devido tempo, o Governo agrava significativamente os custos operacionais da lavoura.

O Governo não reformula a regulamentação do acesso aos pagamentos complementares no sector do azeite, impedindo milhares de pequenos produtores de aceder a um seu direito; não resolve o problema da electricidade verde, antes se prepara para a liquidar definitivamente; mantém o gasóleo agrícola em valores elevadíssimos; não aborda o preço da água para o regadio, que pode inviabilizar muitas e novas produções agrícolas.

O Governo procedeu, em matéria de seguro agrícola, à reformulação de fundo que tinha referido? Não. Tudo aponta para que venhamos a assistir a um novo agravamento das condições de acesso dos pequenos agricultores e das zonas críticas ao seguro agrícola.

Para lá do autismo, já referido, do Ministério em muitos processos em curso, o Sr. Ministro vem pondo em causa orientações negociadas e acordadas com anteriores governos, fundamentalmente com governos do PS, e com as principais organizações agrícolas do País.

O Estado, se é pessoa de bem, não pode comportar-se assim! Pode alterar, modificar, pode fazer o que entender, pode alterar, modificar, pode fazer o que entender, mas deve fazê-lo tendo em conta os compromissos e a legislação existentes. Não é assim que o Governo está a proceder.

Pelo que está em cima da mesa, o associativismo conta pouco para o Governo e para o actual Ministro.

É paradigmático de tal comportamento a recente afronta feita pelo Sr. Ministro da Agricultura à organização representativa de 3000 viticultores durienses, a Casa do Douro, com a sua presença na tomada de posse dos dirigentes da associação dos exportadores e em consonância com eles.

Não é assim que o Governo poderá implementar quaisquer políticas de desenvolvimento agrícola sério de que o País tão desesperadamente carece. Porém, começa a ser difícil acreditar que seja essa a sua intenção, que sejam esses os seus objectivos.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Intervenções