Prezados amigos, estimados camaradas,
A integração de Portugal na União Europeia e no Euro é, desde há décadas, um elemento de suporte da política realizada por sucessivos governos, que influenciou decisiva e crescentemente a estruturação e a acção do Estado em variados domínios. A evolução do processo de integração limitou fortemente a soberania e a independência nacionais, tendo um impacto profundo na economia e na sociedade portuguesas.
A apresentação da União Europeia como um processo de partilha de soberanias ou de exercício comum das soberanias dos diversos Estados-Membros revela uma perspectiva manipuladora e mistificadora da realidade.
Na verdade, e como desde cedo se verificou, num processo de integração de tipo capitalista, é a periferia, são os países de menor desenvolvimento que se confrontam com sérias e graves limitações à soberania e independência nacionais. São os sistemas produtivos destes países que são sacrificados na sua autonomia e coerência, no seu desenvolvimento soberano, a favor do “centro” mais economicamente desenvolvido. De igual forma, também a autonomia do respectivo processo de decisão política é afectada. À crescente dependência económica de países como Portugal, no quadro da integração, sobreveio uma crescente subordinação política.
No caso português, os sucessivos governos ainda ampliaram significativamente este efeito, desbaratando por sistema um poder negocial que à partida já não era muito amplo, mas apesar de tudo existente, negligenciando sistematicamente os interesses nacionais, adoptando uma permanente postura de abdicação nacional constantemente favorável aos sucessivos reforços de uma supranacionalidade determinada pelas grandes potências europeias, em função dos interesses dos seus grupos económicos e financeiros.
Foi assim com a integração nas políticas comuns e no mercado único. Quando outros negociavam derrogações, expressão de interesses específicos considerados vitais e de que não abdicaram, em Portugal encurtavam-se períodos de transição, antecipando impactos e prejuízos.
Foi assim com as liberalizações e privatizações de amplos sectores da vida económica e social, que retiraram ao controlo público, democrático, e da esfera do interesse nacional, alavancas estratégicas de promoção do desenvolvimento, agora operadas pelo capital estrangeiro, com interesses frequentemente antagónicos face ao interesse nacional.
Foi e é assim com a liberalização e desregulação do comércio internacional, que a União Europeia promoveu e promove, e que expôs e expõe a uma concorrência destrutiva diversos sectores produtivos nacionais.
Foi assim com os sucessivos tratados – com Maastricht e Lisboa, passando por Nice e Amesterdão. Foi assim com o Euro e a União Económica e Monetária.
Foi assim com a aceitação de mecanismos de recorte neo-colonial como o Tratado Orçamental, o Semestre Europeu ou a Governação Económica do Euro.
E é assim com a discussão em curso sobre o aprofundamento da União Económica e Monetária, sobre a União Bancária e sobre outras dimensões do processo de integração.
Se é certo que o correr do tempo expôs ao ridículo o triunfalismo das proclamações sobre o “pelotão da frente”, não é menos certo que novas versões deste discurso se ensaiam hoje a propósito do aprofundamento do processo de integração e, bem assim, do reforço dos pesados constrangimentos que lhe estarão associados.
A adesão e permanência no Euro elevou a um novo patamar qualitativo o rumo de declínio, dependência e de subordinação.
Nas duas últimas décadas, Portugal foi um dos países que menos cresceram no mundo. O crescimento, quase nulo, deu-se a um ritmo quatro vezes inferior ao que se verificou nos vinte anos anteriores à adesão ao Euro e a um ritmo inferior ao da média da Zona Euro. Aumentou a distância face a outros países. Em lugar da prometida convergência foi divergência o que tivemos. A taxa de desemprego média aumentou significativamente. Os salários reais praticamente estagnaram, crescendo a um ritmo dez vezes inferior ao que se verificou nos vinte anos anteriores à adesão ao Euro e cinco vezes inferior ao crescimento da produtividade do trabalho. O peso dos salários no produto nacional caiu para níveis historicamente baixos. O investimento desde há vários anos que não repõe sequer o consumo (desgaste e inutilização) de capital fixo. Degrada-se o aparelho produtivo. Degradam-se os serviços públicos e as funções sociais do Estado.
A ténue e insuficiente recuperação que se registou nestes últimos anos não apaga a percepção de duas décadas perdidas no desenvolvimento do país.
A permanência no Euro expropria o país de instrumentos necessários para inverter o rumo de declínio e afundamento nacional e para retomar um caminho de crescimento económico e desenvolvimento.
Caros amigos e camaradas,
A reflexão e o debate que aqui nos trazem, e que certamente os vossos contributos irão enriquecer, a partir de ângulos diversos de observação – económicos, sociais, culturais, – são de uma inegável actualidade.
A nova fase da vida política nacional, iniciada com a derrota do governo PSD-CDS, apesar das contradições que a caracterizam, confirma que é possível impedir retrocessos, defender e recuperar direitos e rendimentos, garantir avanços, ainda que limitados, na melhoria das condições de vida do povo. Além disso, os últimos anos evidenciam que os progressos assinalados são caminho também para o crescimento económico e a criação de emprego.
Todavia, a situação nacional mantém-se claramente marcada por uma espessa teia de condicionamentos e de imposições que emanam da União Europeia, em especial os associados ao Euro e à União Económica e Monetária, os programas ditos de estabilidade, os planos nacionais de reformas, o Semestre Europeu, o Pacto de Estabilidade revisto, as ameaças de sanções, sem esquecer o próprio orçamento comunitário, cada vez mais condicionado a objectivos políticos alinhados com os interesses das principais potências da União Europeia.
Esta teia de condicionamentos representa um entrave ao desenvolvimento soberano de Portugal e à resposta aos problemas que afectam o povo português.
O que a realidade demonstra não é a confirmação mas sim o desmentido da tese que PS e Governo querem sustentar de que, submetidos ao Euro e às imposições da União Europeia, seria possível dar resposta plena aos problemas estruturais do país e às necessidades de investimento, ao cabal financiamento de serviços públicos, à dinamização da produção nacional, às exigências que o desenvolvimento do País coloca.
É neste quadro que a afirmação soberana do direito do país ao desenvolvimento, livre dos constrangimentos que o coarctam, se assume como um eixo estruturante de uma política alternativa, patriótica e de esquerda.
Política patriótica e de esquerda que, nos seus desenvolvimentos e implementação, implicará necessariamente um confronto com as imposições e constrangimentos da União Europeia.
Uma política de Estado de defesa e apoio à produção nacional; a recuperação do controlo público da banca e de outros sectores estratégicos da economia; a garantia da qualidade e da universalidade dos serviços públicos; a valorização do trabalho e dos trabalhadores e a promoção de uma justa distribuição da riqueza; a renegociação da dívida e a recuperação da soberania monetária são eixos da política alternativa que entram directa ou indirectamente em confronto com as políticas, as orientações e com as normas da União Europeia.
Prezados amigos, estimados camaradas,
Muitos se interrogam sobre que caminhos alternativos de cooperação podem existir na Europa. Sobre como contrapor à Europa do grande capital e das grandes potências a Europa dos trabalhadores e dos povos. Contrapor à estagnação e ao declínio económico o desenvolvimento económico. Contrapor ao retrocesso social o progresso social. Contrapor às imposições supranacionais a democracia e a soberania nacional.
Esta é uma questão central do nosso tempo. Para o PCP, que sempre criticou o processo de integração capitalista europeu e denunciou os seus objectivos e consequências, a alternativa à União Europeia não passa por soluções autárcicas e isolacionistas.
Defendemos a construção de novas formas de cooperação na Europa, baseadas no respeito pela soberania dos Estados e na sua igualdade em direitos; orientadas para o desenvolvimento social e económico mutuamente vantajoso, para a promoção dos valores da paz e da solidariedade.
As dinâmicas de relacionamento entre Estados, incluindo de integração, não são neutras e não têm de corresponder necessariamente a uma dinâmica de domínio político e económico. É possível conciliar o respeito pela soberania nacional, nos seus mais variados aspectos, com o estabelecimento e fortalecimento de laços de cooperação mutuamente vantajosos.
Coloca-se entretanto a questão sobre como chegar a estas novas formas de cooperação.
A este respeito, na opinião do PCP, não existindo receitas pré-determinadas, a ruptura com o processo neoliberal, federalista e militarista da União Europeia e de construção de novas formas de cooperação na Europa é inseparável da luta dos trabalhadores e dos povos em cada país; luta que passa pela rejeição das imposições da União Europeia; pela rejeição das políticas de retrocesso social e civilizacional, pelo fim dos constrangimentos que impedem o desenvolvimento soberano de cada país, pela exigência da reversibilidade dos tratados que regem a União Europeia e pela adaptação do estatuto de cada país à vontade do seu povo. Pelo reconhecimento do princípio da igualdade entre Estados – um país, um voto e decisões por comum acordo – único princípio admissível na relação entre Estados soberanos. Uma luta que terá de fixar como objectivo a progressiva alteração da correlação de forças em cada país.
Em Portugal, afirmar uma política alternativa, patriótica e de esquerda, romper dependências, defender a soberania, é o melhor contributo que podemos dar à construção de novas formas de cooperação na Europa, à construção de uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos.
A solução não passa por fugas em frente, consubstanciadas no alimentar de ilusões quanto a uma efectiva mudança a partir da 'reforma' da União Europeia ou da Zona Euro, que como a realidade tem demonstrado, apenas aprofunda as suas gravosas políticas, objectivo que vem unindo a direita e a social-democracia europeias.
A solução não passa por aceitar falsos dilemas e falsas dicotomias, que tentam opor a ameaça dos “populismos” e dos “nacionalismos” ao aprofundamento da União Europeia, no fundo, aquilo que vem abrindo o caminho ao ascenso da extrema-direita na Europa.
A construção de uma outra Europa de paz, cooperação, progresso e justiça social, dos trabalhadores e dos povos e não dos grandes interesses económicos, passará obrigatoriamente pela afirmação soberana do direito ao desenvolvimento económico e social dos Estados europeus.
A defesa da soberania nacional é, no actual contexto histórico, indissociável da concretização de um projecto de desenvolvimento e de progresso social – como o inscrito na Constituição da República Portuguesa; é indissociável do avanço no caminho da emancipação social dos trabalhadores e dos povos.