Intervenção de

Debate mensal sobre acesso aos medicamentos - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre acesso aos medicamentos

Sr. Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Começo
por lhe dizer que, em relação à referência que fez à nossa proposta
vaga para a segurança social, devia tomar para si o conselho que deu ao
PSD: estude e verá que a nossa proposta não é vaga, tem os mecanismos
concretos e até a quantificação dos resultados.Mas,
em relação aos temas que aqui nos trouxe hoje, designadamente à
liberalização das farmácias, o que podemos dizer é que se trata de uma
medida que não aparece, na nossa opinião, como necessária,
indispensável e prioritária na política do medicamento e tem traços
perigosos.

E o nosso argumento de dúvida em relação à liberalização não é aquele que o Sr. Primeiro-Ministro
tem estado a rebater, até a pedido do Partido Socialista. A nossa
preocupação é com a possibilidade de, apesar das regras que,
formalmente, irão ficar estabelecidas em relação ao máximo de quatro
farmácias na propriedade de uma só entidade, isso ser contornado, na
realidade, como sucedeu noutros países, e de se dar uma verdadeira
verticalização do sector, um poder excessivo, abusivo e de controlo do
mercado nas suas várias áreas, isto é, na produção, no mercado
grossista e no mercado retalhista. Este é que é o perigo, Sr.
Primeiro-Ministro! É isto que nos preocupa, legitimamente, e que,
aliás, nos parece uma preocupação séria que deveria tocar também o
Governo.

O
regime que actualmente temos e que é apresentado como uma coisa
esotérica, meramente corporativa, existe na Alemanha, na Áustria, na
Bulgária, no Chipre, na Dinamarca, na Eslováquia, na Eslovénia, na
Espanha, na Finlândia, na França, na Grécia, na Hungria, na Itália, na
Letónia, no Luxemburgo e na Turquia.

Veja bem a originalidade portuguesa no meio de todos estes países!…

Portanto, é preciso não apresentar esta medida como o supra-sumo da política do medicamento, porque não é assim.

Mas, em relação às outras medidas, é preciso também dizer que é muito curioso registar a alteração
de tratamento, por parte do Sr. Primeiro-Ministro e do Governo,
relativamente à Associação Nacional das Farmácias, a qual era referida,
no seu discurso de tomada de posse do Governo, quando o Sr.
Primeiro-Ministro anunciava a venda de medicamentos fora das farmácias,
nestes termos: «É tempo de resolver os estrangulamentos que impedem que
o interesse geral se imponha aos interesses particulares e corporativos
(…)».

Ora aqui está como o Sr. Primeiro-Ministro entendia a Associação Nacional das Farmácias.

Agora
já não é assim, agora já é o sector da qualidade, o parceiro
estratégico com o qual é preciso negociar! E bem percebemos que o Sr.
Primeiro-Ministro esteja a negociar, porque penso que foi com o Sr.
Primeiro-Ministro que essa negociação foi feita.

Vemos bem como já aí estão as compensações para a liberalização da propriedade das farmácias.

Uma primeira compensação é esta das farmácias nos hospitais. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro
sabe, e o Sr. Ministro da Saúde sabe melhor ainda, que, ao longo dos
últimos anos, houve um programa de financiamento comunitário para a
melhoria das farmácias hospitalares e que esse programa melhorou as
condições de funcionamento das farmácias dos hospitais.

Ora,
então, por que é que as farmácias dos hospitais, públicas, não são
desenvolvidas de forma a darem essa cobertura que o Governo, e bem,
quer que exista?! Por que é que têm de ser entregues ao sector
privado?! Precisamente porque só assim se compensa a Associação
Nacional das Farmácias e os seus interesses.

Mas há uma questão que tem de ficar aqui esclarecida, e com isto termino, Sr. Presidente.

O Sr. Primeiro-Ministro não nos dá o acordo que vai assinar com a Associação Nacional das Farmácias.

Pode,
ao menos, garantir-nos que não está nesse acordo a entrega para gestão,
pela Associação Nacional das Farmácias, da central de compra de
medicamentos do Serviço Nacional de Saúde que o Governo tem no seu
Programa do Governo?! Pode garantir-nos que isto não está previsto?

É que isto seria uma nova compensação e, como tal, bem se justificaria a entrevista dada pelo Presidente da ANF, em Setembro do ano passado, quando disse ao Expresso: «Ainda vou agradecer ao Eng.º José Sócrates». Pelos vistos, tem muitas razões para o fazer!… 

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